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Somos Gregos?

CNE

Nas notícias das últimas semanas, na blogosfera e em vários textos de opinião, assistimos com frequência a uma divergência de opiniões, comunicados, posições oficiais sobre as semelhanças ou diferenças entre a situação financeira de Portugal e a crise na Grécia. Os que têm pânico de que haja “contágio” afirmam a diferença, tentando mostrar que Portugal é o bom aluno da Europa e quer cumprir com todas as medidas que foram impostas e com as que vierem a ser inventadas. Estes afirmam com veemência que não somos gregos. Outros, por pessimismo, para provocar contágio ou por solidariedade, afirmam que a situação portuguesa não é assim tão diferente da grega.

Tenho vários amigos na Grécia que me vão dando relatos frequentes do que se vive nas famílias. Os rendimentos reais baixaram em cerca de 45%. Todos os dias fecham estabelecimentos comerciais, a violência nas ruas aumenta. As famílias mais numerosas têm dificuldade em alimentar os seus filhos.
Na nota pastoral do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa, sobre “Crise, Discernimento e Compromisso”, somos exortados a refletir sobre como contribuir para formas de nos melhorarmos coletivamente em tempo de crise. Nesta nota, enunciam-se os princípios que, para um católico, constituem as bases da vida em sociedade: a dignidade da pessoa humana como fim da sociedade; o bem comum como meta a atingir e a relação de complementaridade entre a solidariedade e a subsidiariedade. Numa citação do Santo Padre, na encíclica Caritas in Veritate, refere-se que “O princípio da subsidiariedade há de ser mantido estritamente ligado com o princípio da solidariedade e vice-versa, porque, se a subsidiariedade sem a solidariedade decai no particularismo social, a solidariedade sem a subsidiariedade decai no assistencialismo que humilha o sujeito necessitado”
Basta ler notícias, acompanhar o que se passa em países como a Grécia – e Portugal – para vermos, claramente, que estes princípios não são os que, atualmente, regulam o funcionamento do espaço político e social europeu. A dignidade da pessoa humana é sacrificada perante a necessidade de atingir metas que permitam satisfazer os requisitos impostos por uma entidade abstrata que é referida como “os mercados”, mas que sabemos esconder atrás de si hordas de especuladores que enriquecem com a crise. O conceito de bem comum não vai para além das fronteiras de cada estado membro da União Europeia, vendo-se que a noção de comunidade é relativizada a níveis inaceitáveis. A subsidiariedade e solidariedade são transformadas em acordos negociados apesar das reais capacidades de cumprimento, transformando subsidiariedade em exigência que esquece que há, por trás de cada acordo, indivíduos que precisam da caridade que dá sentido à palavra solidariedade.
Há uns anos, discutiu-se acesamente o preâmbulo do projeto de constituição europeia. Para muitos, só fazia sentido referir a Grécia como berço da democracia e saltar para a Revolução Francesa, omitindo-se qualquer referência à matriz cristã deste continente. O cristianismo define a Europa também no que esta teve de preocupação social. Os primeiros hospitais, as primeiras escolas de acesso aberto aos mais desfavorecidos, a assistência aos pobres foram, durante séculos, criados e possibilitados pela Igreja. Obliterar a matriz cristã da Europa era, também, contribuir para esquecer o contributo fundamental do cristianismo para a Europa social.
É chegado o momento de tomar partido e voltar a afirmar o cristianismo europeu. Ser cristão na Europa de hoje será, certamente, não permitir que a organização das nações esqueça que a democracia que nasce na antiga Grécia evoluiu, inundada pelos valores do cristianismo, para uma sociedade que tem como meta a dignidade humana.
Por estes motivos, eu alinho claramente com os que afirmam que “Somos todos gregos”. Independentemente de eventuais erros políticos que tenham sido feitos – e ainda estejam a ser feitos – naquele país, é indigno deixar afundar uma nação e recusar comparações, esquecendo que há indivíduos que sofrem e que a solução para as crises passa pela vontade de nos vermos como iguais e encontrarmos soluções conjuntas.

João Costa (Chefe Regional)

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06 de Março de 2012