No momento em que escrevo este texto, estou no rescaldo de mais um fim de semana de formação de dirigentes na Região de Setúbal. Terminou o retiro do CIP – curso de formação de dirigentes e mais uma sessão do Curso de Aprofundamento Pedagógico específico de cada uma das unidades dos agrupamentos: lobitos, exploradores, pioneiros e caminheiros.
Nos cursos de aprofundamento pedagógico, trabalhou-se, com algum pormenor, a metodologia educativa de cada unidade – por exemplo, como se organiza a vida de uma alcateia, como se elabora um plano anual de atividades, como se gere um projeto de atividades para uma orientação por metas e como as várias atividades convergem para o progresso individual de cada escuteiro. Trabalhou-se ainda o papel dos cargos de cada criança e jovem ou a relevância dos conselhos de guias.
Quando lemos os documentos que constituem o Programa Educativo do Corpo Nacional de Escutas, podemos sentir-nos perdidos com tantos conceitos aparentemente complexos: pede-se que avaliemos conhecimentos, competências e atitudes; pede-se que formulemos oportunidades educativas para objetivos educativos específicos que se enquadram em diferentes áreas de desenvolvimento; pede-se que haja um trabalho de diagnóstico de cada escuteiro para que se faça verdadeira diferenciação pedagógica e uma intervenção educativa dirigida a cada criança e jovem. Pede-se, ainda, que se faça um trabalho em que se dinamize de forma integrada um sistema de projeto, um sistema de patrulhas e um sistema de projeto. Pensar nisto em abstrato assusta e quase parece que é preciso um doutoramento em ciências da educação para se ser dirigente do Corpo Nacional de Escutas.
A boa notícia é que Baden-Powell foi um homem muito inteligente. Por alguma razão, a receita do escutismo funciona já há 105 anos! Como acontece com todas as descobertas inteligentes, a genialidade de Baden-Powell foi ter encontrado uma forma de atuar muito simples.
A fórmula do escutismo é o jogo e o projeto. Convidamos cada escuteiro a fazer escolhas nas suas atividades e a responsabilizarem-se pelo seu sucesso. O escuteiro que planeia ir acampar com o seu grupo é convidado a realizar inúmeras tarefas que podem passar por uma lista tão distinta como esta: escolher a ementa de um acampamento, estudar os horários de transportes para uma deslocação, prever como transportar os elementos mais novos do seu grupo em caso de dificuldade, organizar a farmácia para levar para campo, preparar as orações para o acampamento, pesquisar sobre a região para onde vai acampar, planificar a tarde de trabalho na sede, ensinar os escuteiros mais novos a arrumar a mochila, participar num jogo de orientação, ensaiar canções para um fogo de conselho, escolher cânticos para a Eucaristia, elaborar um cartaz em que sintetiza todas as tarefas a realizar, acender a fogueira, construir um abrigo, garantir que os mais novos não têm medo do escuro… Estes são apenas alguns exemplos de tarefas que os jovens terão de fazer para cumprir os seus projetos. O que lhes propomos é muito concreto, muito simples, mas permite atingir objetivos que trabalham a progressiva autonomia e responsabilização dos jovens. Se esta autonomização for balizada por princípios morais válidos, estamos a trabalhar para a construção de um caráter robusto e forte.
Não é preciso, portanto, qualquer tipo de teorização. Temos de ter intenção educativa e saber por que motivo fazemos o que pretendemos fazer. Para o jovem, temos de ser concretos e pô-lo a brincar ou a jogar. Esta brincadeira e jogo serão o instrumento educativo que temos ao nosso dispor e não o fim da ação educativa.
A receita do escutismo não podia ser mais simples: educar pelo jogo, educar pela ação. Para que ela resulte, é fundamental que esta mensagem seja clara para os educadores. Façamos escutismo de forma simples e despretensiosa, levemos os escuteiros para o campo e convidemo-los a jogar. Através da atenção dada a cada um e de um olhar atento ao progresso feito por cada escuteiro no desempenho das suas tarefas, podemos perceber como caminhar do jogo até ao desenvolvimento dos jovens e como levá-los a superar metas e a crescer.
A formação dos adultos deve, assim, assumir a missão de traduzir para a observação do que é simples os documentos que, numa primeira leitura, parecem bastante complexos.
João Costa (Chefe Regional)