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Última audiência geral de Bento XVI

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Escrevo ao som das duas badaladas dos sinos de S. Pedro, sentado na colunata, enquanto os bávaros, os conterrâneos
do – por este dia ainda Papa – insistem em ir tocando as melodias da sua terra. Estão contidos, e a música, normalmente sinal de festa grande, hoje não o é: as suas faces fechadas dizem-no bem. Os santos da fachada ainda contemplam um bom aglomerado de gente, passadas que são já duas horas depois da última audiência do Pontificado de Bento XVI.

Se os papas tivessem também atribuído pelos historiadores um cognome, como os reis de Portugal, Bento XVI teria provavelmente dois: o surpreendente e o humilde. Da craveira intelectual do agora Romano Pontífice emérito já muitos falaram, mas da surpresa do gesto da renúncia, e da humildade de querer sair, “não pensando no meu bem, mas no bem da Igreja”, conforme disse na sua alocução, muito está ainda por dizer. Digamos que a poeira ainda não assentou nos corações…
O ar não era de festa, de modo algum, e a cara dos que, na véspera, faziam o acolhimento aos muitos peregrinos que se tinham inscrito para a audiência revelava bem um certo desconforto: a última audiência de um Papa vivo. Mesmo a própria Guarda Suíça, já de si habitualmente circunspecta, estava ainda mais, se possível fora…
Quarta de manhã, contudo, o dia começou bem mais cedo do que é habitual numa audiência de Fevereiro, e a multidão que veio para estar com o Papa uma derradeira ocasião trazia consigo a vontade de dizer a Bento XVI que era muito amado.
Jovens, muitos jovens, imensos jovens, desde os típicos italianos esfusiantes aos contidos polacos, passando pelos como de costume “barraqueiros” espanhóis estavam ali dispostos a, com a sua presença, mostrarem ao Papa que este nunca estivera só.
A espera e os apertos na entrada foram mais que muitos, mas o que era importante era estar. Comovidos mas compreensivos, era com palmas e aclamações constantes que sublinharam todas as frases do Pontífice.

“Não fujo da cruz”

Bento XVI parece ter escolhido o momento para explicar, ainda mais profundamente, os seus motivos: “A igreja não é minha, nem nossa, mas de Cristo”, disse, para sublinhar depois que “para o bem da Igreja há que estar pronto a tomar decisões mesmo contra si mesmo”. E assegurou: “Não fujo da cruz, mas passo a estar de outro modo junto ao Senhor crucificado”.
“Um papa não tem vida privada, porque se dá todo pelo seu povo. Essa deixei-a quando há oito anos aceitei o ministério petrino. Não é para ter vida privada que renuncio, mas para permitir que possa continuar, na oração e na reflexão, a mesma solicitude pela Igreja, embora já sem o poder de governo”, disse, enquanto as palmas se faziam ouvir, mais uma vez.
Por entre agradecimentos à Cúria e aos seus colaboradores mais próximos, assegurou ainda que nunca se sentiu sozinho no governo da Igreja, e confessou que todos os dias sentiu a presença e a força de Deus sempre do seu lado.
Num toque pessoal acrescentou que gostava das cartas que recebia, “não daquelas que se recebe de quem escreve a um príncipe, mas como as que se escrevem a um irmão ou a um pai”.
Algumas lágrimas surgiam na face dos presentes, à medida que se aproximavam os últimos momentos, por entre os gritos
e as palmas, cada vez mais contidos. Quando terminou, foi como se se tivesse feito história naquele momento, mas sem júbilo, como se se dissesse: “Compreendemos, mas vamos sentir muito a tua falta”.
Entretanto, na hora em que estas linhas estão a ser lidas, já terminou o pontificado, e pedimos ao Senhor que envie outro pastor para conduzir a sua grei. Bento já desceu para subir ao monte com Jesus. E nós, cheios de saudade mas com fé, aguardamos pelo novo papa. Por aqui, a música dos bávaros já acabou, mas os jovens continuam a cantar para o Papa: para o de hoje, para o de amanhã, para o de sempre.

PFM

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27 de Fevereiro de 2013