O Vaticano apresentou sábado passado em conferência de imprensa o relatório final da assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos, que debateu os temas da família, o qual sublinha a “verdade” da indissolubilidade do casamento, recusando outros tipos de união.
O documento, publicado pela sala de imprensa da Santa Sé, refere que o único “vínculo nupcial” na Igreja Católica é o sacramento do Matrimónio e que “qualquer rutura do mesmo é contra a vontade de Deus”. O Sínodo assume a necessidade de “discernir os caminhos para renovar a Igreja e a sociedade no seu compromisso pela Igreja fundada sobre o matrimónio”, a “união indissolúvel entre o homem e a mulher”.
Os participantes sustentam que “os grandes valores do matrimónio e da família cristã” são a resposta aos anseios da existência humana face ao “individualismo” e “hedonismo”.
O documento sintetiza as duas semanas de debate, com intervenções em sessões gerais e discussões em grupos linguísticos em que se discutiu muito a relação entre doutrina e misericórdia. Jesus, “colocou em prática a doutrina ensinada, manifestando assim o verdadeiro significado da misericórdia”, pode ler-se, antes de se referir que “a maior misericórdia é dizer a verdade com amor”.
A reflexão sobre casamentos civis, divorciados e recasados na Igreja deixa uma mensagem de “amor” para com a “pessoa pecadora” e diz que esta participa “de forma incompleta” na vida eclesial. “Trata-se de acolher e acompanhar estas pessoas com paciência e delicadeza”, pode ler-se.
O documento retoma as observações sobre a necessidade de fazer “escolhas pastorais corajosas” na ação da Igreja junto das “famílias feridas”, em particular junto de quem “viveu injustamente” a separação e o divórcio. O relatório final do Sínodo de 2014 foi votado ponto a ponto, em cada um dos seus 62 números, que reuniu 470 propostas dos chamados ‘círculos menores’.
Polémicas «fracturantes»
As votações sobre cada número foram divulgadas pelo Vaticano, por decisão do Papa, revelando que os parágrafos 52 (acesso dos divorciados recasados à Comunhão) 53 (comunhão espiritual a divorciados) e 55 (homossexuais) não chegaram a uma maioria de dois terços dos 183 padres sinodais presentes; o parágrafo 41 (matrimónios civis e uniões de facto) mereceu 54 votos contra.
Em relação ao acesso à Comunhão e à Penitência pelos divorciados em segunda união, tema sobre o qual se gerou divisão entre os participantes, alguns “argumentaram em favor da disciplina atual [que impede o acesso aos sacramentos]” e outros propõem um “acolhimento não-generalizado”.
Este foi o ponto em que houve mais votos contra (74), no qual se pede que seja aprofundada a questão, “tendo presente a distinção entre situação objetiva de pecado e circunstâncias atenuantes”.
O texto apresenta dois números sobre a situação dos homossexuais, com críticas às “pressões” sobre os membros da Igreja por causa da sua doutrina nesta matéria e às leis que instituem uniões entre pessoas do mesmo sexo. 62 pessoas votaram contra um número no qual se afirma que “os homens e as mulheres com tendências homossexuais devem ser acolhidos com respeito e delicadeza”.
O relatório do Sínodo alude ainda às propostas para tornar “mais acessíveis e ágeis”, de preferência “gratuitos”, os procedimentos para o reconhecimento de casos de nulidade matrimonial, realçando que alguns participantes se mostraram “contrários” a mudanças.
Os vários pontos apelam à valorização dos métodos naturais de planeamento natural e da adoção, condenando a mentalidade “antinatalista”; recordam a reflexão sobre a família nos documentos da Igreja e pedem liberdade de educação para os pais.
Papa rejeita ideia de Igreja em litígio
O Papa Francisco encerrou os trabalhos da terceira assembleia geral extraordinária do Sínodo dos Bispos com um discurso em que alertou contra atitudes de rigorismo ou de facilitismo na ação da Igreja.
“A Igreja tem as portas escancaradas para receber os necessitados, os arrependidos e não só os justos ou os que pensam que são perfeitos. A Igreja não se envergonha do irmão caído e não finge que não o vê, pelo contrário, sente-se levada e quase obrigada a levantá-lo de novo”, declarou, concluindo duas semanas de debate sobre o tema ‘Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização’.
Francisco, que interveio pela primeira vez desde a sessão inaugural, a 6 de outubro, admitiu que houve “tentações” de “rigidez hostil”, ou seja, de quem se quis “fechar no que está escrito” em vez de se deixar “surpreender por Deus”. “Desde o tempo de Jesus, é a tentação dos zelosos, dos escrupulosos, dos cuidadosos e dos hoje chamados tradicionalistas e também dos intelectualistas”, precisou.
O Papa advertiu ainda para a “tentação do facilitismo [buonismo, em italiano] destrutivo, quem em nome de uma misericórdia enganadora enfaixa as feridas sem primeira as curar e medicar”. “É a tentação dos facilitistas, dos medrosos e também dos chamados progressistas e liberais”, realçou.
Francisco lamentou que muitos comentadores tenham pensado “ver uma Igreja em litígio”, durante o Sínodo 2014, “onde uma parte está contra a outra”. A intervenção pediu que a Igreja não transforme “o pão em pedra”, para a atirar contra “os pecadores, fracos e doentes” e alertou para a “tentação de descer de cruz, para contentar as pessoas” em vez de purificar o “espírito mundano”. O debate, disse Francisco, decorreu sem colocar nunca em discussão as verdades fundamentais do sacramento do Matrimónio: indissolubilidade, unidade, fidelidade e abertura à vida.
Francisco falou ainda na tentação de “descuidar o depósito da fé”, considerando-se “não guardiães, mas proprietários e patrões”, ou de “descuidar a realidade”, com uma linguagem incompreensível.
Segundo o Papa, este Sínodo foi um “caminho” que incluiu momentos de “tensão” e de “consolação”, admitindo que teria ficado mais preocupado se “todos estivessem de acordo ou taciturnos numa falsa e quietista paz”.
O debate, disse Francisco, decorreu “sem colocar nunca em discussão as verdades fundamentais” do sacramento do Matrimónio: indissolubilidade, unidade, fidelidade e abertura à vida.
A intervenção observou ainda que o dever de cada bispo, como “pastor”, é o “alimentar o rebanho que o Senhor lhe confiou” acolhendo e indo ao encontro das ovelhas perdidas “com paternidade e misericórdia, sem falsos medos”. “Caros irmãos e irmãs, agora temos ainda um ano para amadurecer, com verdadeiro discernimento espiritual, as ideias propostas e encontrar soluções concretas para tantas dificuldades e incontáveis desafios que as famílias têm de enfrentar”, concluiu.
O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, sublinhou que este não é um documento “doutrinal” e que vai servir de base para a preparação para a assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2015. A XIV Assembleia Geral ordinária do Sínodo dos Bispos vai decorrer de 4 a 25 de outubro de 2015, com o tema «A vocação e a missão da família na Igreja, no mundo contemporâneo»