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Homilia da Missa Crismal

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No passado dia 24 de Março realizou-se na Sé de Setúbal a Missa Crismal. Leia aqui a homilia integral do Bispo de Setúbal, D. José Ornelas.

Quinta-Feira Santa – 2016
Missa Crismal

Setúbal, 24-03-2016

Introdução

É com grande emoção e com coração agradecido e trémulo, que presido a esta primeira missa crismal, na nossa catedral, onde fui ungido com o óleo santo, para o serviço desta Igreja de Setúbal, faz amanhã 6 meses.

Não sinto esta emoção apenas por mim, mas por olhar à minha volta, para os presbíteros e diáconos, também ungidos com o óleo santo do Espírito, para servirmos juntos este povo de Deus. E olho igualmente para vós todos, membros desta assembleia, que representa todos os membros da nossa diocese, ungidos pelo mesmo Espírito, que nos fez a todos filhos e filhas de Deus e nos constituiu como seu Povo Santo e Assembleia Sacerdotal.

Convido-vos, pois, irmãos e irmãs, religiosas/os, diáconos e presbíteros, a viver com alegria reverente e grata, esta celebração de comunhão, de unidade e de compromisso no serviço do Senhor e do seu povo.

E, porque nem sempre somos dignos deste dom e deste chamamento, reconheçamos as nossas culpas e peçamos o perdão de Deus e a renovação do dom do seu Espírito.


Homilia

Este é um dia grande para toda a assembleia cristã, para toda a Igreja:

  • É o dia da ceia do Senhor Jesus com os seus discípulos, que celebraremos esta tarde: anúncio, interpretação da sua vida, morte e ressurreição. Ceia confiada aos discípulos para a celebrarem em seu nome, para a união e vida de todo o seu povo.

  • Dia especial de comunhão entre Jesus e o grupo dos discípulos que ele escolheu para continuar a sua obra no meio das comunidades cristãs, através da partilha da atualização da sua presença, no pão e no vinho, seu Corpo e Sangue.

  • Dia em que se aprende o que significa amar e servir, no gesto humilde e afetuoso da lavagens dos pés aos discípulos.

  • Dia em que recebemos o mandamento novo do amor, como marca distintiva dos que seguem o Senhor Jesus, resumo de toda a lei de Deus e sobretudo revelação do Coração de Jesus, nosso Mestre e Senhor.

Em tudo isto descobrimos a misericórdia de Deus para connosco, para com toda a humanidade. Uma misericórdia levada até ao dom da própria vida. Um amor misericordioso que não recordamos apenas no passado, mas que continua presente nos séculos e se atualiza no hoje da sua Igreja, concretamente, hoje e aqui, nesta nossa Igreja de Setúbal.

Nesta celebração da manhã, fazemos especial memória da presença do Senhor Jesus, nos sacramentos que deu à sua Igreja. De facto, vamos abençoar o óleo ligado a vários sacramentos e celebrar o dom do serviço sacerdotal, através da renovação das promessas dos presbíteros da nossa diocese.

Através dos gestos que o bispo, os presbíteros e os diáconos realizam nas nossas comunidades passa a graça dos sacramentos, que gera filhos de Deus pelo batismo, capacita para a missão na confirmação, reabilita e renova a vida no dom do perdão e reconciliação, reúne e alimenta as comunidades na Eucaristia, abençoa e torna fiel o amor dos esposos no matrimónio; dá consolação e auxílio na doença, no sacramento dos enfermos, confere o dom do serviço no Espírito aos diáconos, Presbíteros e Bispos.

Além disso, através da ação e coordenação destes servos e enviados especiais, se organizam e desenvolvem tantas outras tarefas nas nossas comunidades, ao serviço da difusão da Palavra de Deus, da catequese e do Anúncio do Evangelho, do cuidado dos mais necessitados, do acompanhamento dos que andam desorientados, da animação dos jovens, do carinho para com os anciãos.

É por tudo isto que realiza o Espírito do Senhor em favor das nossas comunidades, que elevamos o nosso louvor e a nossa gratidão.


A vós, caros presbíteros e diáconos, quero dizer uma palavra especial, neste dia em que sentimos, de uma forma muito próxima, o dom do chamamento e do serviço eclesial que o Senhor nos concedeu. É um sinal do seu amor e da sua misericórdia para com cada um nós, que somos chamados a aprofundar todos os dias da nossa vida.

Como o apóstolo Paulo, temos consciência de que esta escolha não foi um prémio pelas nossas qualidades e capacidades, mas uma livre e gratuita manifestação da bondade e do carinho de Deus para cada um de nós. Sabemos ainda que “levamos em vasos de barro o tesouro” que o Senhor nos confiou em favor dos nossos irmãos e fazemos continuamente a experiência do perdão e da misericórdia de Deus, que nos levanta das nossas quedas, cura cada ferida, anima de cada desânimo e liberta do nosso comodismo para o serviço daqueles a quem somos enviados.

Esta experiência da misericórdia de Deus é o terreno sólido que evita que troquemos o avental do serviço pelas vestes do protagonismo pessoal, do autoritarismo ou do comodismo tranquilo. Da misericórdia de Deus aprendemos a ser misericordiosos e fraternamente atentos aos membros da comunidade que somos chamados a servir.

As leituras de hoje fazem uma relação íntima entre o dom do Espírito e o exercício da misericórdia concreta em favor daqueles que estão em situação de sofrimento, de injustiça e de abandono. “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor” (Lc 4,18s).

O Senhor Jesus leu, meditou e aplicou a si esta profecia do livro de Isaías. Hoje a Igreja faz-nos ler este texto, para que façamos o mesmo, para que sejamos manifestação da misericórdia e do carinho de Deus para com os pequenos e os pobres, que Ele ama de modo especial.

Sentindo-me frágil e incerto, como e com todos vós, quero dar graças a Deus pelo serviço que prestamos nesta Igreja, que cada um de vós realiza nas nossas paróquias, nas nossas comunidades e capelanias. Pelos serviços de misericórdia que coordenais, com tantos irmãos e irmãs capacitados de competência e boa vontade, nas paróquias, nos jardins das nossas crianças, nos organismos onde acompanhamos o crescimento dos nossos jovens, nos lares dos nossos idosos, na presença junto dos doentes, na assistência aos sem teto e sem pão, na mão estendida aos que caem, na visita aos que estão na cadeia, na solidariedade e acolhimento dos refugiados… Quanta corrente de misericórdia passa pelas nossas mãos, pelas nossas comunidades!

Neste ano da misericórdia, louvo o Senhor por todas estas obras do seu amor e peço-lhe que abençoe com a sua alegria e a sua força todos aqueles e aquelas que as organizam, sustentam, apoiam e com elas se comprometem! É um exército de boa vontade, nascido à sombra do Evangelho, pela ação do Espírito.

Estamos aqui reunidos à volta do altar do Senhor. Cada um de vós representa uma comunidade de muitos irmãos e irmãs e, assim, toda a Igreja de Setúbal está aqui presente, como deseja o nosso único Senhor. É importante, e parte essencial do nosso serviço presbiteral, que esta ligação do presbitério, juntamente com o bispo, ao redor do altar do Mestre e Senhor da Igreja, se mantenha com firmeza e fraternidade, afeto e colaboração ativa. Não sois súbditos nem escravos de ninguém, mas irmãos e amigos para servir! Aos seus discípulos Jesus declara: “Já não vos chamo servos (súbditos) mas amigos, porque vos dei a conhecer o que ouvi do meu Pai”. É esta atitude que vos peço que cultiveis sempre, pois a colaboração e o afeto entre os que o Senhor chamou é o suave perfume do Evangelho e o testemunho de que somos discípulos do Senhor.

Como expressão desta comunhão que perdura no tempo, quero transmitir-vos a saudade e a proximidade dos dois primeiros bispos desta diocese, o D. Manuel Martins e D. Gilberto Canavarro dos Reis. Do D. Manuel, nosso primeiro bispo, recebi há dois dias uma carta, de que vos quero ler um  pequeno extrato, que exprime muito aquilo que também eu entendo como comunhão eclesial, particularmente como comunhão entre os presbíteros e o bispo, no seguimento do mesmo Senhor e no serviço do povo de Deus. Diz o Dom Manuel: “Estou com o bispo de Setúbal, com os seus padres (e seminaristas e toda a diocese) por inteiro. No Porto só está o meu corpo. Peço que dirija aos nossos queridos padres que estou na alma de cada um e, com eles e por eles, canto a misericórdia de Deus, que nos chamou e enviou”. Ontem o D. Gilberto fez idêntica recomendação, enviando a todos saudações fraternas.

Com este testemunho e inspiração de um afeto surgido à sombra do Evangelho e do serviço aos irmãos na comunhão da Igreja, desejo concluir esta reflexão. Tratando-se do primeiro bispo desta diocese, considero-o de uma importância muito grande, pois temos um sólido exemplo, para continuarmos a construir juntos, sobre a pedra que é o Senhor, esta nossa Igreja de Setúbal.

E a vós todos, irmãos e irmãs, peço que tenhais em grande estima aqueles que estão ao vosso serviço, de modo especial os vossos diáconos, os vossos presbíteros e o vosso bispo, bem como os bispos eméritos desta diocese. Apoiai-os, encorajai-os, colaborai com eles e sede também compreensivos, porque somos fracos como vós. Mas sobretudo, tende-nos bem presente na vossa oração, para que o Senhor nos conserve fiéis e livres, para segui-lo e para estar ao vosso serviço como Ele deseja.

É com estes sentimentos que convido os presbíteros a renovar, diante de Deus e da comunidade, as promessas do sacerdócio que receberam, como dom para o serviço do povo de Deus.

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24 de Março de 2016