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Cristo vem dar um abraço à Sua cidade

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Hoje é uma das ocasiões, ao longo do ano em que a comunidade cristã se revela em festa no centro das nossas cidades.

Hoje é uma das ocasiões, ao longo do ano em que a comunidade cristã se revela em festa no centro das nossas cidades.
É um bom sinal que este dia tenha voltado a ser festivo para todo o povo deste país.
Significa um sinal de maturidade democrática, de respeito pela diversidade. Um respeito que é importante manter, pois, de contrário pomos em perigo a harmonia e a paz de uma sociedade. A unidade de um povo não se faz pela uniformidade, por pôr todos a vestir igual, a aprender pela mesma cartilha, a acreditar do mesmo modo. A unidade de um povo passa obrigatoriamente pelo respeito e apreço das diferentes sensibilidades da sua gente e pela integração pacífica da riqueza que tal significa.
Neste caso, a reposição dos feriados religiosos significa também algo de muito importante: significa o reconhecimento e apreço pelas raízes históricas culturais e religiosas do nosso povo, por esse núcleo de valores que o uniram, formaram e ajudaram a criar a sua identidade e a integrar-se no mundo, ao longo dos séculos da nossa história.
Desconhecer ou desvalorizar essa herança seria, antes de mais, atraiçoar a nossa história, cortar com as nossas raízes e identidade, tirar o tapete debaixo dos pés, comprometendo a construção de um futuro dinâmico, harmónico e humanista.
Tal não significa que a tradição seja um regresso ao passado. Ser fiel à herança do passado significa reconhecer o seu valor e deixar-se contagiar por aquilo que recebemos de graça daqueles que nos precederam, de modo a assumir o mesmo dinamismo criador e empreendedor, para construirmos um mundo e uma sociedade melhores, bem inseridos no tempo que vai mudando tão rápida e radicalmente. A tradição não é um museu imóvel é uma fonte preciosa de energia criadora de novos mundos.
Por isso, a reposição deste dia de festa significa também reconhecer que o presente e o futuro não se constroem apenas sobre uma lógica económica e do proveito imediato; que o sucesso e o progresso de uma sociedade e de uma nação se afirmam pela defesa de valores fundamentais que mobilizam pessoas, que aquecem corações, que criam objetivos e caminhos comuns. Sem isso, seremos apenas robôs e não pessoas e acabaremos sendo joguetes dos demagogos e oportunistas.
Neste dia, ao longo de séculos, foi-se consolidando o costume de a comunidade católica, sair processionalmente para o meio da cidade. E que vem fazer, que vem trazer à cidade de que todos fazemos parte?
Vem trazer, antes de mais, o testemunho daquilo em que crê, daquilo que a faz viver, daquilo que tem para anunciar e propor: Que Deus está vivo no meio de nós, que não é um ser distante, longe dos nossos problemas, das nossas alegrias e conquistas, dos nossos sonhos e projetos.
A comunidade vem recordar que as igrejas e outros lugares onde nos reunimos não são esconderijos ou refúgios onde Deus e os tímidos se reúnem. São, antes, pontos de acolhimento e encontro dos irmãos, lugares onde se escuta em comunidade a palavra que transforma o coração, onde se escuta e fala a Deus no silêncio, onde se encontra uma palavra amiga e sobretudo a palavra do perdão que reconcilia e abre novos horizontes de vida.
Mas, que, ao mesmo tempo são sempre portas de saída, pois Deus nunca se deixa prender em nenhum espaço. Hoje Ele vem solenemente dar um abraço à sua e nossa cidade. Mas vem recordar que, ao longo do ano, por aí anda todos os dias, pelas nossas ruas e praças, pelos locais onde nos encontramos e fazemos festa, à volta das mesas onde tomamos decisões, dos hospitais onde somos tratados, das instituições que procuram aliviar o sofrimento e criar justiça e dignidade, com um olhar especialmente atento aos que mais precisam.
E nós, que hoje estamos aqui em procissão, somos já e somos desafiados a ser sempre mais, aqueles que tornam real e tangível essa presença de Deus. O nosso sair para o meio da cidade exprime o nosso desejo e compromisso de sermos gente ativa na construção de uma cidade e de uma sociedade justas, fraternas, solidárias, na justiça e na dignidade daqueles que a constituem.
E trazemos à cidade, o que de mais precioso o Senhor Jesus nos deixou: a Eucaristia. Esta é a afirmação da solidariedade para com a multidão, como nos dizia o Evangelho que proclamámos esta manhã. Na multiplicação do pão para a multidão faminta, Jesus vem colocar um princípio fundamental para a construção da sua comunidade e de qualquer sociedade humana. E, resumidamente, diz-nos que:
O pão vem de Deus. O Deus criador deste mundo, que o ofereceu a todos os homens e mulheres que nele habitam… e não apenas a alguns.
Por isso, a questão do pão nunca é apenas uma questão individual, mas é sempre um assunto comunitário.
Por outro lado, não se trata de um comunitarismo sem rosto, que massifica com uma ilusão de igualdade, mas não promove a responsabilidade, a dignidade e a criatividade de cada um.
Cada um que recebe de Deus o pão, é chamado a partilhar o dom recebido com a multidão dos famintos. Essa partilha não produz simplesmente saciedade, mas cria laços novos de solidariedade, de gratuidade, de amor. E leva todos a reconhecer e a agradecer o poder, a magnanimidade e gratuidade de Deus, o Senhor do pão.
O pão assim repartido não é apenas aquele que levamos à boca e enche os estómagos. É o pão da cultura, da saúde, do carinho, do ir ao encontro dos que andam na solidão, dos que ficaram caídos ao longo da estrada da vida, dos que erraram e precisam de uma mão estendida, mais do que de um dedo apontado, dos que têm tanta necessidade de ombro amigo nem que seja para chorar e desabafar, de um rosto luminoso que os ajude a sair das sombras em que se encontram…
Por isso, aquilo que de mais precioso trazemos hoje é precisamente a Eucaristia, o dom total da vida: o dom de Jesus aos seus discípulos e à humanidade. Como Ele, nós não damos apenas coisas; damo-nos a nós mesmos, damos o nosso tempo, damos as nossas capacidades, a nossa alegria, a nossa fé, o nosso carinho.
Viemos para a cidade e trazemos connosco Jesus na Eucaristia, pois Ele é quem constantemente renova o nosso compromisso de ir, em seu nome, juntar-nos a todas as pessoas de boa vontade, para construirmos juntos a cidade.
É esse dinamismo novo e, ao mesmo tempo, cimentado no tempo, que trazemos hoje à cidade e à vida. A energia da fé, do amor, da presença viva do Senhor Jesus, que nos faz celebrar o memorial do seu dom total em favor dos homens; que nos mostra uma multidão de gente que se empenhou, ao longo dos séculos para construir esta e as outras cidades onde habitamos; que hoje nos convida a assumir, neste momento complexo mas desafiador da história, a criar um mundo e uma sociedade renovadas, para vivermos nós e para legarmos àqueles que hão de vir.
Jesus Eucaristia nos chama, anima e envia. Esta é a nossa hora de marcar a história, com todos os nossos contemporâneos, guiados pela presença do Espírito, para construir um mundo mais humano, mais justo e mais fraterno, aberto aos horizontes da vida em plenitude.

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27 de Maio de 2016