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Família, Igreja doméstica

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O Santuário da Atalaia recebeu, no passado Domingo, dia 26 de março, a III Catequese Quaresmal do Bispo de Setúbal, D. José Ornelas. Dedicada ao tema “Família, Igreja doméstica”, o Prelado refletiu sobre o papel da família na formação da mente e do coração, na transmissão dos valores e do conteúdo da fé. A última catequese é já no próximo domingo, dia 02 de abril, integrado no Dia Diocesano da Família, no Santuário de Cristo Rei.

Clique na imagem abaixo para ver o vídeo com a gravação da catequese.

Família, Igreja doméstica

Nas catequeses anteriores, refletimos, primeiro, sobre a família como berço da vida e da humanização” e, em seguida, sobre a “Família como escola de amor e de crescimento”. Tentámos, assim, dar atenção aos fundamentos e os pilares da família, que são o amor e o cultivo da dinâmica da vida, capazes de ajudar os seus membros a crescerem para a maturidade, com dignidade, liberdade e felicidade, dando um contributo fundamental para a edificação de uma humanidade justa, solidária e em paz.

Hoje, colocaremos a nossa atenção numa dimensão que me parece fundamental para entender uma família cristã: a partilha e a transmissão da fé no âmbito da própria família. Ao falar da educação, como uma das tarefas fundamentais da família, chamávamos a atenção para a necessidade de esta não se descomprometer da educação dos filhos. Na realidade, o tempo que os filhos passam com os pais é, hoje, bastante reduzido, ocupados como estão na escola e em outras atividades e estando igualmente os pais absorvidos com o trabalho fora de casa.

Esta realidade que se estende a todo o mundo leva-nos a refletir sobre o papel da família na formação da mente e do coração das nossas crianças e jovens e, de um modo especial, sobre a transmissão dos valores e dos conteúdos da fé. Será que delegamos tudo isto para a igreja e a catequese, como acontece com os conteúdos escolares e científicos, que se confiam ao ensino público ou privado?

Esta questão não se coloca apenas em relação à educação das crianças e jovens, mas, de uma forma mais alargada, a propósito de como se vive a fé em família, que lugar tem Deus e o seu projeto, na nossa casa e na nossa atividade do dia-a-dia. Será que circunscrevemos a expressão e interiorização da fé ao tempo que passamos na Igreja e, possivelmente, nas atividades paroquiais. Como é que se vive a fé nas nossas casas? Como é que a nossa família vive ao ritmo da fé?

Este é o tema que gostaria de comentar convosco nesta terceira catequese quaresmal a partir dos seguintes pontos:

1.           O templo e as casas de Deus

2.           Nazaré e as casas de Jesus

3.           O casal-família, sacramento da presença de Deus

 

1.      O templo e as casas de Deus

Gostaria de iniciar esta reflexão com a apresentação de dois lugares ou dois paradigmas de interpretação que se cruzam na vida e na ação de Jesus: o templo e a casa. O tema mereceria um tratamento bem mais profundo, mas eu gostaria de cingir-me ao essencial para o nosso âmbito de reflexão.

 

1.1      A presença de Deus na tradição de Israel

Ao longo da história de Israel, Deus foi-se manifestando próximo do seu povo e do seu género de vida de diversas formas, segundo o ambiente de vida da época.

Abraão, como a sua família e o seu clã, era um homem errante, sem uma terra própria. O seu contacto com Deus tinha lugar numa alta montanha, à sombra de uma árvore majestosa, na imensidão do deserto, ou mesmo visitando algum santuário dos povos entre os quais peregrinava. Procurava Deus e Ele deixava-se encontrar na beleza e no esplendor da natureza, mas também à sombra de uma tenda, como um viajante do imenso deserto da vida.

Do mesmo modo, depois da saída do Egito, na travessia de 40 anos do deserto, Deus habitava numa tenda, junto ao acampamento do povo, como presença libertadora, orientação na vida social e guia do caminho a tomar para a terra que prometera dar a estas tribos israelitas guiadas e instruídas pela palavra transmitida através de Moisés. É Deus que, pela sua Palavra – A Lei dada a Moisés – coloca os fundamentos da constituição do povo, que suscita a esperança de um futuro de justiça e de paz, de uma terra onde corre “leite e mel”, isto é, uma terra que é dom para a vida do povo, na justiça e na paz. Um Deus peregrino, que acompanha o caminho do povo para a terra da promessa.

Quando o povo se instala na terra de Israel e começa a construir casas e cidades, a presença de Deus vai passar da tenda móvel, para o templo estável, junto ao palácio do rei, no meio da cidade onde habita o povo. Deus quis mostrar-se, assim, estavelmente acessível e presente no meio da cidade. Mas, o templo vai assumir, cada vez mais, os contornos de um palácio, à imagem do palácio do rei e dos grandes, que têm a sua corte, os seus soldados, que o defendem e, os seus administradores e ministros, que o representam, mas servem também para filtrar os que querem aproximar-se. Estranhamente, o templo torna-se frequentemente um local que, em vez de ser acessível, se torna um lugar de difícil acesso aos mais simples do povo. Por um lado, realça a transcendência e a grandeza de Deus que dá segurança, mas, por outro, cria barreiras de separação, de interditos e tabus, que apenas alguns podem transpor. Uma religiosidade deste tipo liga o templo a um lugar, e isso permite exprimir a presença de Deus no meio da cidade, mas, por outro lado, deixa longe os da periferia, e transmite a ideia de que Ele está fixo num local, num centro, num santuário, e que não chega às periferias. É muito bom pensar que o povo peregrina até ao santuário de Deus, mas é importante não perder de vista que é Deus que sempre peregrina no meio do seu povo. Se nós peregrinamos, é porque Deus peregrina para vir ter connosco.

A partir do exílio, quando o templo foi destruído, a terra foi conquistada por estrangeiros e o povo foi mandado para o exílio em Babilónia, uma terra estrageira. O povo habituado à fixidez do templo, sente-se perdido, como diz o livro de Daniel: “Agora não há nem príncipe, nem profeta, nem chefe, nem holocausto, nem sacrifício, nem oblação, nem incenso, nem um local para te oferecer as primícias e encontrar misericórdia”. Mas é nesse contexto que surge uma nova esperança: Deus aparece ao profeta Ezequiel num carro de fogo, mostrando que não está preso a um lugar, uma nação, ou uma construção, mas que acompanha o povo onde quer que ele esteja. Além disso, os seus fiéis vão encontrar outra maneira de reunir-se, não já no templo, num lugar sagrado, mas à volta da Palavra de Deus. Daí surge a instituição da sinagoga, que em hebraico se chama “casa da assembleia” ou “casa da reunião”. Para o povo de Deus espalhado pelo mundo, não era possível ir anualmente ao templo. A “casa” onde a comunidade se reúne e onde se escuta a Palavra de Deus passa a ser o centro da comunhão da comunidade e a expressão do encontro com Deus através da Palavra. Esta será a grande instituição comunitária de Israel, a partir do exílio e até aos dias de hoje.

 

1.2      João Batista e Jesus

Com a vinda de Jesus, este sentido da presença de Deus junto dos seus tem um ulterior horizonte de explicitação, seja em termos de ampliação dos horizontes a toda a terra, seja na insistência da proximidade de Deus com o povo, no contexto da família. Este traço típico da mensagem e dos gestos de Jesus está bem patente na distinção entre o anúncio do nascimento de João Batista, que tem lugar no templo e do nascimento de Jesus, que se passa numa casa.

  João Batista é o último e “o maior dos profetas” da primeira Aliança, no dizer do próprio Jesus: “Que fostes, então, ver? Um profeta? Sim, Eu vo-lo digo, e mais que um profeta … Entre os nascidos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista; e, no entanto, o mais pequeno no Reino do Céu é maior do que ele” (Mt 11,9). O anúncio do seu nascimento faz jus a esta afirmação de Jesus. Zacarias, que é sacerdote, já de idade avançada, ele e sua mulher, e sem filhos, como Abraão, está escalonado para oferecer o sacrifício por excelência – o sacrifício do incenso, que simboliza a oração e a esperança do povo – diante do lugar mais sagrado da terra, o santo dos santos do templo, na cidade santa de Jerusalém. É nesse ambiente sagrado, oficiado por um sacerdote, de uma tribo especialmente consagrada a este ministério, bem destacado da “impureza” do mundo quotidiano, por ritos e vestes especiais, que se anuncia a mudança de época e a novidade da intervenção salvadora, que João vem apenas anunciar.

O anúncio do nascimento de Jesus tem lugar num ambiente totalmente diferente. O anjo Gabriel é enviado a uma casa humilde, de uma pequena vila de Nazaré, longe de Jerusalém, a cidade santa, situada numa região desconsiderada pelos mais ortodoxos, pelo seu caráter pouco fiel às prescrições legais, a “Galileia dos gentios” (Mt 4,15). O anjo não é enviado a um sacerdote, especialista em coisas religiosas, mas a uma mulher, uma jovem noiva, a quem estava interdito o acesso aos ambientes mais sagrados do tempo, reservados apenas a homens e exclusivamente aos sacerdotes, quando se tratava do círculo de maior proximidade com Deus. A esta jovem mulher, que ainda não tem sequer marido que lhe dê estatuto e dignidade, segundo a mentalidade do tempo, é que se dirige o anjo Gabriel, para anunciar que o Filho e Enviado de Deus se vai fazer presente no ambiente acolhedor da sua casa e do seu ventre materno.

A nova imagem da santidade, o rosto humano de Deus, tem novas simbologias: uma mulher grávida, um pai simples artesão, apesar de descendente de David, uma casa humilde, uma região de periferia, uma cultura mestiça. Mas conta com o amor imenso de uma família: uma disponibilidade total de acolhimento e de dom, capaz de acarinhar e de suprir a rudeza de ter uma manjedoura como berço; a proteção atenta, perante o sobressalto da perseguição, da incerteza do exílio e do futuro; a fé diante das dificuldades de entender os misteriosos caminhos de Deus. A família, a casa, o lar são o lugar de início da nova revelação.

 

2.      Nazaré e as casas de Jesus

2.1      A casa que acolhe Jesus Menino e Jovem

Na casa de Nazaré, onde tem lugar o anúncio, Jesus foi crescendo “em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens”, como diz o evangelista Lucas (cf. Lc 2,52). Os tutores deste crescimento foram o pai José e a mãe Maria, pois, no judaísmo, não existe propriamente uma catequese institucional, como temos nas nossas paróquias. A fé e a tradição vivem-se, aprendem-se e transmitem-se em casa com os pais. Quando se diz que “Jesus lhes era submisso”, não se alude apenas a uma dependência da autoridade dos pais, mas a uma atitude de acolhimento filial e afetivo de comunhão e pertença à família e à tradição que os pais representam.

Foi na família, com José e Maria, que Jesus aprendeu, como criança e jovem, a ser homem, “igual a nós exceto no pecado”, a exercer uma profissão, a conhecer a tradição de Israel, a dirigir-se ao Pai do céu, como ser humano frágil e mortal. Nas atitudes de Maria e de José, Ele foi intuindo os sinais humanos do carinho com que o Pai do céu trata os seus filhos. Mais tarde, esta educação recebida em casa estará sempre presente, na maneira de falar, nas imagens e parábolas que utiliza, mas sobretudo nos sentimentos de compaixão e misericórdia que demonstra para com os mais débeis e carenciados.

Por outro lado, Maria e José aprenderam muito mais com Jesus, a começar pelo anúncio do seu nascimento, que os colocou num novo patamar de busca de compreensão dos desígnios de Deus, de inquietação e temor como desafio à confiança, de atitude de fé como a de Abraão, para além daquilo que sempre se domina e se entende. Através do Filho, eles foram “guardando no coração” sinais da novidade nem sempre fácil e compreensível do agir de Deus. Maria e José acolhem Jesus e educam-no, mas gradualmente tornam-se discípulos desse Filho que eles educaram. Não foi só Jesus que cresceu em estatura e graça. Foi a família toda que foi crescendo, como santuário da revelação do amor de Deus.

E, sobretudo Maria e José aprenderam a educar para a liberdade e para a missão que Deus lhe pedia, que o levará a deixar a família querida onde foi embalado, para formar uma nova família, aberta à imensidão do amor do Pai do céu. Por isso, a família de Nazaré não é uma imagem fixa, mas um lugar dinâmico de compreensão, de crescimento para a liberdade, para uma missão que tem de ir para além da própria família. É pequenez e fragilidade para crescer e fortalecer-se; é acolhimento e intimidade que se transforma em dom e abertura; é proteção destinada a ser coragem; é palavra guardada no coração que se torna parábola, profecia e anúncio; é encarnação local do Verbo de Deus, que se torna missão até aos confins do mundo.

Por isso, Nazaré é particularmente importante como ícone e inspiração das nossas famílias, sobretudo na época de evolução que vivemos, onde os paradigmas do passado mudam tão rápida e profundamente. É necessário que a família seja capaz de transmitir os valores da vida, da tradição e sobretudo do amor que sustém a vida. Mas é igualmente fundamental que nenhuns pais olhem os filhos como propriedade sua, que sejam respeitosos e fascinados pelo mistério do filho e da filha que geraram e educaram com carinho, pois só assim, eles levarão sempre impressa na alma, pela vida fora, a imagem querida dos pais que os formaram e guiaram no caminho da liberdade, do amor e da fé.

 

2.2      A casa: lugar da presença e da revelação de Jesus

Durante a sua vida pública, Jesus não centra a sua atividade nos ambientes sagrados, mas nos ambientes onde se passa a vida quotidiana das pessoas: nas ruas, nas praças, no lago, nos campos. Quando pretende retirar-se para uma reflexão mais séria ou um ensinamento mais profundo aos discípulos, vai para a montanha ou entra numa casa (de Pedro, de Lázaro e das irmãs, ou de algum pecador público como Levi ou Zaqueu). Os ambientes chamados sagrados, como o templo e a sinagoga, são por Jesus olhados com respeito, mas também com sentido crítico pelo uso e pela manipulação que, por vezes, deles se faz. Grande parte das discussões polémicas com as autoridades religiosas têm lugar nesses lugares, onde se afirma uma religião que se centrou nas leis e estruturas e esqueceu a misericórdia e a solidariedade com os mais pequenos, própria da casa e das relações familiares.

Com Jesus, podemos dizer que o encontro com Deus alarga-se dos ambientes formais do sagrado aos lugares da vida real e habitual das pessoas, preferindo a intimidade das casas de família, onde vivem as pessoas, os campos e os barcos onde labutam, as praças onde se encontram; os sítios mais periféricos. É nesses ambientes sobretudo, que começa a ressoar a Palavra da Boa Nova e é aí que o acolhimento é mais sincero.

A casa é particularmente preferida para os encontros mais íntimos e reveladores da sua presença salvadora e sobretudo da misericórdia do Pai. Na casa de Levi (Mc 2,15ss), como na de Zaqueu (Lc 19,1ss), Jesus revela-se como médico para os doentes e senta-se à mesa com os pecadores, passando por cima de todos os preconceitos e de todas as barreiras dos puristas. Na casa do rico fariseu, denuncia as conveniências do protocolo e da moralidade hipócrita e deixa-se lavar e perfumar os pés por uma pecadora pública, restituindo-lhe a dignidade e libertando-a do pecado, seu e alheio (Lc 7,36ss). Na casa de Lázaro e das irmãs, recebe o doce perfume da hospitalidade, do serviço diligente de Marta e do acolhimento atento da sua palavra de Maria (Jo 12,1ss). A casa onde está Jesus, onde quer que se situe, será sempre a casa do Pai que acolhe e faz festa, porque um filho que se tinha perdido voltou para a família (Lc 15,11ss).

É numa casa, em Jerusalém, que Jesus come a última ceia com os discípulos (Mc 14,12ss), anunciando, nesta casa da terra, o banquete que há-de ter lugar na morada definitiva, no Reino dos céus. É muito reveladora esta imagem: é como dizer que, a casa onde Jesus se reúne em família com os discípulos é como uma estação de onde se transita para a casa definitiva do Pai do céu. Esta casa – no andar de cima, expressamente escolhida por Jesus – é o lugar das finais e mais profundas revelações e orientações aos discípulos. É nesta casa que Ele celebra a Páscoa do passado e anuncia a sua Páscoa da nova aliança; é aqui que Ele se dá como pão de vida e vinho de amor total; é aqui que lhes ensina e prescreve o mandamento novo do amor, lhes lava os pés e lhes ordena que façam isto em sua memória, fazendo-se, eles próprios, dom para vida do mundo. A primeira eucaristia e o dom do sacerdócio não foram instituídos num templo ou numa catedral, mas numa casa de família, posta à disposição de Jesus e dos seus discípulos, por um amigo. E é à luz de um ambiente familiar que melhor se entendem estes mistérios fundamentais da fé cristã.

É essa casa de família, no andar de cima, que será o local de oração dos discípulos com Maria, a mãe de Jesus. Essa casa da intimidade, da eucaristia, do serviço ministerial, abrir-se-á para a praça pública, por ação do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, dando início ao anúncio da Boa Notícia a todos os povos, repetindo-se em inumeráveis casas, onde, nas mais diversas línguas, se anunciará o Evangelho de Jesus ressuscitado e germinará a semente de uma humanidade nova.

Durante quase três séculos a Igreja viveu e desenvolveu-se sem igrejas-templos, reunindo-se em casas de família, que se alargavam a comunidades de irmãs e irmãos, reunidos em nome de Jesus. Esta imagem deve ser conservada na nossa mente de família eclesial, não propriamente para eliminarmos as nossas igrejas e santuários, mas para vivermos intensamente a nossa vocação familiar e transformar, com esse estilo as nossas realidades paroquiais e diocesanas.

Por outro lado, Jesus não se fecha nas casas, não se enclausura na família, no clã, na cultura já feita ou na raça. Ele veio para abrir e recriar, para ligar e reconciliar, para criar nova cultura e novas mentalidades. Jesus aprecia a intimidade e o carinho do lar, mas não quer mentalidades “domesticistas”, tacanhas, superprotetoras, acomodadas ou medrosas. A função de cada família é de servir de base de lançamento para outras famílias, que hão-de formar os seus filhos e filhas, sempre abertos à grande família de Deus que é a comunidade cristã. Mas, desta ligação entre a família-casa e a família-Igreja, falaremos mais especificamente na próxima e última catequese, no santuário de Cristo Rei.

3.      O casal-família, sacramento da presença de Deus

Gostaria de terminar com mais umas palavras sobre o nosso viver em família, como célula da Igreja que se reúne em nossa casa, onde Cristo habita connosco. Como acabamos de ver, Jesus anuncia o Evangelho na realidade de cada pessoa e a começar do ambiente fundamental da vida que é a família. Esta foi, também para Ele, a experiência inicial da vida, em Nazaré. Talvez por isso, ao começar o anúncio do Reino, foi estabelecer-se em casa de Pedro, e, em seguida, foi passando por diversas outras casas de família, que foram as sedes mais frequentes do seu anunciar e aprofundar o projeto de Deus para a humanidade.

Infelizmente, em muitas famílias que se dizem de tradição cristã, perdemos o sentido de marcar com sinais e vivências de fé o quotidiano da vida. Os hábitos tradicionais de iniciar o dia com a oração; de rezar ao meio dia e à tarde, as “ave-marias”; de agradecer o pão às refeições; de rezar o terço em família… foram deixando de soar nas nossas casas, até pelo ritmo diversificado e frenético dos membros da família, da concorrência dos meios de comunicação… das ocupações sociais… e do nosso desmazelo.

Como acontece com os outros aspetos da educação, os pais foram deixando de considerar como sua a missão de educar e transmitir a fé aos próprios filhos, deixando essa tarefa para a catequese paroquial. Praticamente considera-se a família como uma área profana, para não dizer “secular”, em contraposição com o ambiente religioso e sagrado da paróquia.

Por isso me parece tão importante a reflexão que acabamos de fazer sobre a casa como lugar da presença de Deus e rede capilar de difusão do Evangelho. As nossas casas, as nossas famílias devem ser o primeiro lugar onde Ele se revela: no relacionamento amoroso dos esposos, na acolhimento e atenção carinhosa de novas vidas, no apoio sereno e encorajador às crianças e jovens, na reconciliação dos que caem e erram, no acompanhamento das fragilidades dos mais idosos… É a vida que é acarinhada por todos e em favor de cada um.

Este é o ambiente do sacramento do matrimónio. A vossa casa é santa, porque vós esposos recebestes, não apenas o Espírito do Senhor no batismo, mas no sacramento do matrimónio que vos santifica e santifica as vossas famílias. Nas vossas casas habita Deus. E vós pais, tendes o dever de abençoar os vossos filhos e de lhes transmitir o carinho do Pai do céu e da mãe Igreja. Ninguém poderá transmitir melhor o amor com que Deus abençoa do que um pai e uma mãe carinhosos e desafiadores de seus filhos.

Para isso, é importante que a família crie momentos quotidianos de referências de fé, sobretudo de oração e de leitura da Palavra de Deus. Muitas crianças chegam à catequese sem saber rezar, sem terem ouvidos, as “histórias” do Evangelho. E isto não é uma questão de saber orações, mas a interiorização de uma atitude de se colocar, com alegria e confiança, diante do Pai do céu. Ninguém, melhor do que os pais, pode ensinar os filhos a orar, sobretudo orando com eles, adaptando as linguagens às idades, partilhando e fazendo sentir a presença de Deus que acompanha a vida. Transmitir e ajudar a viver a fé, é parte fundamental da missão e do amor para com os filhos; tão importante como a escolha da melhor alimentação ou da melhor escola para assegurar o sucesso da vida. A nossa casa é chamada a ser o primeiro e o mais habitual “templo” onde encontramos a Deus.

Famílias onde Deus habita tornam-se atração e anúncio, como foi a casa de Pedro, as casas onde Jesus entrava, a casa do Pentecostes, as sucessivas casas de que nos falam os Atos dos Apóstolos. Mais do que grandes discursos, é importante o testemunho de vida, a solidariedade com os que precisam, a oportunidade de uma palavra de conforto, de serviço e de esperança. É a lógica da atenção familiar que se comunica e que gera novas relações, novas atenções, novas amizades. É assim que a família se torna missionária, como foram as primeiras famílias cristãs.

Finalmente, uma família onde Cristo está presente é uma família que se abre e participa na grande família que é a comunidade cristã, a Paróquia, a Diocese, a Igreja que se estende por todo o mundo. Esta é a dinâmica do Espírito que recebem os esposos.

Este será o tema da última catequese, no próximo Domingo.

 

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28 de Março de 2017