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Comissão Justiça e Paz – Diocese de Setúbal

Pentecostes

Cinquenta dias depois da Páscoa e aproveitando festividades dos Judeus que exultavam com o poder da Primavera, fazendo florir as plantas, amadurecer os frutos e preparar as colheitas, a tradição cristã cita, pela primeira vez, nos Atos dos Apóstolos, a Festa do Pentecostes, significando a “descida” do Espírito Santo sobre os Apóstolos, impulsionando-os a irem pelo Mundo fora espalhar a Boa Nova de Jesus. Era a cristianização da festa judaica que celebrava a força criadora da Natureza.

Até, podemos dizer que, nesse memorável dia, os Apóstolos estavam “esmagados” com a morte do Mestre e , muito humanamente, transidos de medo com o que lhes iria acontecer, mesmo depois de Maria Madalena lhes gritado que  Jesus – o Cristo – não estava no túmulo e lhe tinha falado.

Eles que haviam convivido três anos com o Mestre, ouvido as suas pregações, visto os seus milagres, vivido o encantamento que Ele provocava nas multidões, mesmo assim, estavam “esquecendo” o que Ele lhes tinha mandado fazer – evangelizar, espalhar o Amor, tratar dos pobres e dos doentes – essa era a verdadeira finalidade da vida!

Jesus bem lhes tinha recomendado que se não afastassem de Jerusalém pois lhes tinha prometido que “João batizava com água mas eles iriam batizar com o Espirito Santo”. Só que eles não tinham bem a noção do que Isso seria. E não disseram os Efésios a S. Paulo “nem sequer ouvimos dizer que há um Espirito Santo!” (Atos 19.2)?
Mas a realidade, segundo as Escrituras, é que os Apóstolos se transfiguraram: perderam toda e qualquer forma de medo, usavam uma linguagem que todos entendiam e, a partir desse dia, inicia-se a difusão da Boa Nova por todo o mundo da época. O Espírito Santo, sob a forma de línguas de fogo descera sobre eles! E nasceu verdadeiramente o Cristianismo que traria ao Mundo de então uma nova proposta de forma de vida: amar o nosso próximo.

Nas últimas décadas, Papas como João XXIII, tentam uma renovação (um aggiornamento) convocando o Concilio Vaticano II cujos documentos transformam radicalmente o “miolo” doutrinário da Igreja, corporizados numa serie de Encíclicas de Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e do atual Papa Francisco, por se sentir que, doutrinariamente, as coisas precisavam de uma profunda mudança, no sentido do caminho correto da mensagem do Mestre, tão adulterada. Mas, na prática, parece que  o mundo continua a escorregar para um precipício.

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Como estamos sentindo, vendo e vivendo neste mundo, passados que são mais de 2.000 anos, esta forma de vida não se enraizou nos corações dos homens em geral. Segue-se mais o «deus/lucro», orientados pelos desejos de poder e de riqueza, tendo tornado este Mundo, praticamente, um lugar com línguas de fogo, mas de um inferno, de lutas, de guerras, de traficâncias de todo o género, de corrupção, de indiferença por mortes às centenas, etc., etc.

E no entanto vimos quase um milhão de peregrinos em Fátima, ouvimos apelos quase diários do atual Papa, este sim, apelando a uma mudança radical do “ser cristão”, apelando a uma saída das sacristias para as periferias da sociedade onde vivem milhões com fome ou em vias disso, e condenando a indiferença e o comodismo de muitos face á situação que nos envolve.

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A Igreja comemora em breve o ”Pentecostes”, liturgicamente tão importante como o Natal e a Páscoa, e nestas primeiras décadas do sec. XXI, eis o momento de o “Povo de Deus” dar seguimento ás doutrinas sociais das Encíclicas, nas homilias, em reuniões a elas dedicadas, em escritos por pessoas credíveis – o povo de Deus tem de ser permeável ao Espirito Santo. Afinal em que consiste o Espírito Santo? É o Espirito de Deus que penetra em nós e nos une num só Povo. É o Espirito de Deus que nos liberta da sujeição dos sentidos, É o Espírito de Deus que nos emancipa do nosso egoísmo. O Espirito de Deus é o dentro das coisas, o que dá sentido á vida. Por isso a oração nos diz “Vinde Espirito Santo, enchei os corações dos vossos fieis com o fogo do Vosso Amor” e termina afirmando que com o Espirito Santo “renovaremos a face da Terra!” – eis o nosso objetivo urgente: “renovar a face da Terra”!

Hoje não serão línguas de fogo mas línguas de amizade, de tolerância, de paz, de justiça, se ansiarmos, em verdade, por dar um sentido à vida. Se formos indiferentes, a vida perde todo o sentido e o Espírito Santo não descerá sobre nós.

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E o atual discurso e a atual conduta do nosso Papa Francisco não necessitam de interpretações teológicas pois trata-se duma linguagem simples que todos compreendem, duma maneira de ser que não oferece duas interpretações – ele afaga, ele beija, ele é duro com o pecado do não/amor, ele vai e visita precisamente as periferias e não hesita em dizer que “esta economia mata”, que um certo  «clericalismo» é uma peste da Igreja que afasta as pessoas, que Deus perdoa sempre, perdoa tudo, acreditando na força revolucionária da ternura e do carinho.

De que necessitamos mais para entendermos o que é e o que nos faz o Espirito Santo? De que mais precisamos para celebrar esta festividade? Que necessitamos mais para celebrar esta festividade com tanta consciência íntima como o Natal ou a Páscoa?

Chegou a altura de, cada um de nós que se diz Cristão, se abrir ao Espírito de Deus. Chegou a altura de, como diz D. José Ornelas, nosso Bispo, fazermos a nossa Igreja não viver só do passado, mas que crie novos marcos para viver hoje e para proclamar a Igreja que queremos amanhã – numa frase de boa tradição, se for concretizada – “e renovaremos a face da terra”, o que é duma urgência premente

Eis o apelo que faz aos cristãos da nossa Diocese, a Comissão Justiça e Paz de Setúbal: É urgente que a festividade do Pentecostes seja compreendida pelos cristãos e lhe dêem um verdadeiro sentido prático.

Comissão Diocesana Justiça e Paz, Setúbal, Maio de 2017

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03 de Junho de 2017