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Espiritualidade Conjugal e Familiar: uma via para chegar a Deus

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Decorreu no passado dia 24 de Novembro, no Centro Paroquial da Moita, mais uma sessão de formação sobre a Exortação do Papa Francisco Amoris Laetitia, Alegria no Amor. Perante uma assistência diversificada e muito interessada, o casal Fátima e António Carioca, casados há 35 anos e com três filhos, entre os 25 e os 33 anos, apresentaram o Capítulo IX – Espiritualidade Conjugal e Familiar, a partir da experiência pessoal relevando a sua importância no actual contexto do matrimónio e da família.

Em nome do Secretariado Diocesano da Pastoral Familiar (SDPF), o diácono Jonas Cardoso deu as boas vindas à comunidade da paróquia da Moita e restantes membros da Diocese e sobretudo ao casal convidado pela sua disponibilidade e dedicação, agradeceu a hospitalidade do Padre António Sílvio Couto Silva e congratulou-se pela presença de um considerável número de casais e famílias, num dia especialmente marcado pelo movimento consumista do Black Friday.

Como anfitrião, o Padre António Sílvio Couto Silva relembrou que, em matéria de formação da família, nunca está tudo dito. Dada a sua importância na sociedade moderna, onde os valores são constantemente postos à prova, salientou a oportunidade e a riqueza da Exortação do Papa para referir o grande esforço que está por realizar, agradecendo o trabalho levado a cabo pelo SDPF.

Sobre a Espiritualidade Conjugal e Familiar (ECF), último capítulo da Amoris Laettia (AL 313-325), o casal começou por enunciar que se trata de uma via para chegar a Deus, vivendo-a segundo o Espírito Santo, seja em matrimónio ou em sacerdócio, de forma a responder ao apelo de Deus para habitar entre nós.

A reflexão foi, assim, partilhada em três partes distintas: a Espiritualidade Conjugal; as suas características especiais à luz do Amoris Laetitia e as suas dificuldades.

Espiritualidade Conjugal

Espiritualidade Conjugal é um compromisso assumido pelos casais e clérigos de forma que, na sua vida conjugal e sacerdotal, cresçam a vida em Deus. Não é uma cópia da espiritualidade monástica, contemplativa, nem tão-pouco uma abstracção, é uma realidade do dia-a-dia, transportada nas vidas familiar, social e profissional.

Não se trata de uma espiritualidade individualista. É viver o casamento no ideal do evangelho que Deus propõe a todos os discípulos. É a ciência e a arte de se santificar no matrimónio, pelo matrimónio e apesar do matrimónio, gerando oportunidades de conhecimento para fazer crescer e fazer evoluir o outro, cônjuge ou comunidade.

Esta santidade é única, embora possa ser alcançada por vias diferentes, mas a vocação conjugal e sacerdotal têm o mesmo objetivo. Dito de outra forma, caminhar para a santidade é caminhar para Deus, pois, como diz João, “aquele que permanece no amor está em Deus e Deus nele”. É este percurso que se chama espiritualidade.

Este trajecto exige que sejam tomadas decisões e efectuadas escolhas, a fim de levar força e esperança aos que sofrem, alegria aos infelizes, alimento aos que têm fome, ao ponto que, como referia S. Paulo, Já não sou eu que vivo, É Deus que vive em mim. Esta espiritualidade conjugal não é uma experiência exterior, é uma experiência vivida no que construímos, é esse trabalho realizado no dia a dia, que umas vezes é fácil, alegre e outras difícil e exigente.

Neste sentido, Deus deixa de ser apenas uma crença (teológica, catequética ou psicológica) e passa a ser uma experiência de vida, ou seja, de fé. E ter fé é algo mais que acreditar, que ser crente, é fazer a experiência de Jesus, viver os seus ensinamentos.

Características próprias da Espiritualidade Conjugal

As características específicas da Espiritualidade Conjugal têm a sua origem no matrimónio e na família e consubstanciam-se na comunhão sobrenatural, ou união entre o humano e o divino; na união em oração, ou união total; no amor exclusivo e libertador, ou união exclusiva e nos sentimentos de solicitude consolação e estímulo, ou união aberta à vida.

Concretamente, o que o Papa Francisco quer transmitir através da Espiritualidade Conjugal é que a presença do Senhor habita na família real e concreta, com todos os seus sofrimentos, lutas, alegrias e propósitos diários, pois foi Ele que disse “… onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou Eu no meio deles”. Desta forma, Deus ilumina e unifica toda a vida familiar, reforçando a espiritualidade que se concretiza em milhares de gestos reais.

O Papa Francisco lança, ainda, o desafio de criar compromisso com o matrimónio, para que os casais assumam, em todos os momentos da sua vida, os votos proferidos no altar do Senhor, perante a comunidade e antes da bênção das alianças: “… prometo ser-te fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida, até que a morte nos separe.”

É deste modo que os cônjuges se entregam totalmente um ao outro, em uníssono, no acolhimento mútuo e pleno, de forma exclusiva, alcançando a máxima libertação, tornando-se num espaço de sã autonomia e abertos à vida, respondendo ao chamamento da família, dos amigos, de todos os que se cruzam ao longo da vida, no trabalho, na paróquia, no ócio, nos corredores dos anónimos, procurando a intimidade mais pessoal e secreta da relação com Deus.

É na oração que se vislumbra o momento privilegiado para exprimir esta fé pascal e o amor familiar temperado pelo amor de Deus que sai naturalmente reforçado. A forma de rezar em casal não é mesma para cada um, mas o mais importante é não fazer desaparecer o hábito de rezar, mesmo em criança. Cada momento de oração em família é de união na presença do Senhor vivo, é a oportunidade de Lhe dizer as coisas que preocupam, de rezar por alguém que está a atravessar um momento difícil, de Lhe pedir ajuda para amar, de Lhe dar graças pela vida e pelas coisas boas. A oração é muito importante para reforçar a união da família.

Outra característica essencial da espiritualidade conjugal é a capacidade de gerar e cuidar da vida. Querer formar uma família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de unir-se a Ele nesta história de criar um mundo onde ninguém se sente só.

Nós escrevemos nas vidas uns dos outros”, diz o Papa. É por isso que as crianças têm a marca da família que vai muito para além da sua genética: na educação, na cultura, no ambiente, nas rotinas, nos valores, nos comportamentos. Foi o tempo que dedicastes à tua rosa que fez a tua rosa tão importante (A. Exupéry).

É por esta razão que Francisco defende que a família «foi desde sempre o “hospital” mais próximo», ao prestar os cuidados necessários, ao criar apoios e estímulos mútuos, de modo a viver tudo como parte da espiritualidade familiar.

Toda a vida da família é um «pastoreio» misericordioso. Cada um, cuidadosamente, desenha e escreve na vida do outro: «A nossa carta sois vós, uma carta escrita nos nossos corações (…) não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo» (AL 322).

É uma experiência espiritual profunda contemplar cada ente querido com os olhos de Deus e reconhecer Cristo nele. Sob o impulso do Espírito, o núcleo familiar não só acolhe a vida gerando-a no próprio seio, mas abre-se também, sai de si para derramar o seu bem nos outros, para cuidar deles e procurar a sua felicidade. Esta abertura exprime-se particularmente na hospitalidade.

A família vive a sua espiritualidade própria, sendo ao mesmo tempo uma igreja doméstica e uma célula viva para transformar o mundo, numa família de famílias, onde o amor e a entrega são incondicionais, onde dar e acolher os outros constituem a base do relacionamento pessoal, seja no trabalho, na paróquia, nas escolas e associações.

As dificuldades próprias da Espiritualidade Conjugal

A acumulação de bens materiais, ou a cedência aos valores do consumo, podem ser impeditivas de viver a espiritualidade familiar. Por isso, é importante manter um sentido de sobriedade, de modo a transformar os bens em algo maior: para conviver, para descansar, para fazer férias, para apoiar as famílias mais desfavorecidas, para estar ao serviço de causas mais nobres.

A vida corporizada em torno do casal pode tornar-se egoísta e, embora assumindo a forma de amor, pode fechar-se, correndo o risco de se tornar possessiva e, por isso, criar dificuldades em multiplicar-se. Assim, deve focar-se na dimensão humana, na partilha com os outros, dando e recebendo.

No matrimónio, o casal continua a ser formado por duas pessoas. O compromisso não pode provocar anulação mútua, tem de haver espaço para a independência. O casamento implica a partilha da liberdade individual, como resultado de um acto de inteligência, de vontade própria e não de obrigação.

O casal não se deve fechar em si próprio. Deve manifestar abertura para apoiar e ser apoiado por outros casais, preferencialmente acompanhado por sacerdotes, de modo a procurar o caminho da santidade.

Conclusão

Viver a espiritualidade conjugal é viver um estilo de vida cristão, em família, com características próprias.

É viver em relação com os nossos pais, filhos, sobrinhos e primos. É viver numa casa simples, na forma despretensiosa como os bens materiais são usufruídos. É viver o quotidiano, no trabalho, nas actividades de lazer, no acolhimento aos outros, sobretudo os que necessitam de auxílio.

É a forma cristã de viver os dias. O domingo não é igual à segunda-feira. É a forma cristã de viver os grandes acontecimentos: o baptismo, o crisma, a primeira comunhão, o matrimónio, a morte, verdadeiras experiências de fé.

Nenhuma família é uma realidade perfeita e confeccionada duma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar. Todos somos chamados a manter viva a tensão para algo mais além de nós mesmos e dos nossos limites e cada família deve viver neste estímulo constante.

Por isso, “avancemos, famílias; continuemos a caminhar! Aquilo que se nos promete é sempre mais. Não percamos a esperança por causa dos nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de amor e comunhão que nos foi prometida.”

Secretariado Diocesano da Pastoral Familiar

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30 de Novembro de 2017