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“Com Arte e com Alma”: Uma viagem à iconografia medieval portuguesa

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Na passada terça-feira, dia 6 de Março, a Igreja do Divino Espírito Santo, no Montijo, acolheu o 5º Serão “Com Arte e com Alma”. Esta iniciativa promovida pela Comissão Diocesana de Arte Sacra de Setúbal tem percorrido, num ritmo mensal, as várias vigararias da Diocese, visando divulgar junto das comunidades locais e do grande público o precioso património de Arte Sacra existente no território da Diocese de Setúbal.

Como tem sido habitual, registou-se uma boa adesão a esta proposta, sobretudo por parte dos paroquianos do Montijo. O Presidente da Câmara Municipal do Montijo, o Eng. Nuno Canta, e dois vereadores marcaram presença no evento.

A primeira intervenção da noite esteve a cargo do investigador de história local, Dr. Mário Balseiro Dias, que apresentou o tema “Evolução Paroquial de Aldeia Galega do Ribatejo/Montijo. Igreja do Divino Espírito Santo (Breves Notas)”. Começando por se referir às etapas da reconquista cristã da região e seus posteriores desenvolvimentos históricos, o orador ofereceu uma visão panorâmica da criação e da evolução das paróquias sedeadas no território actualmente correspondente ao Concelho do Montijo, entre as quais a Paróquia da Aldeia Galega do Ribatejo, hoje designada de Montijo.

De seguida, apresentou o historial da Igreja Matriz do Espírito Santo, construída entre os finais do século XIV e os inícios do século XV, e que sucedeu à anterior matriz, a Ermida de São Sebastião. A escolha do local em que a nova igreja foi erigida (próximo do rio), a expensas da população local, foi determinada pelo crescimento demográfico e por um novo contexto económico, decorrente do desenvolvimento das actividades ligadas ao rio, levando a um ganho de importância da zona ribeirinha, para a qual afluíam os principais arruamentos da Aldeia Galega e onde existia o porto.

A Igreja do Divino Espírito Santo, tal como a conhecemos actualmente, resulta de várias campanhas construtivas e decorativas ao longo dos séculos, em consequência do contínuo desenvolvimento populacional e da contribuição de entidades locais, como as famílias abastadas ou a Ordem de Santiago.

No segundo momento da noite, o foco recaiu sobre uma escultura representando São Tiago, que faz parte do acervo da Igreja paroquial do Montijo e que serviu de pretexto para uma viagem pela iconografia medieval portuguesa relativa à representação deste Santo. A investigadora em História da Arte e especialista na área da escultura medieval, Carla Varela Fernandes, interveio sob o tema “Representar Santiago em Portugal na Idade Média. Reflexões e exemplos a partir da imagem de Santiago da Matriz de Montijo”.

A oradora começou por apresentar alguns dados acerca da imagem de altar de São Tiago, em pedra policromada, e também alguns enigmas de leitura artística que a mesma encerra. Trata-se de uma imagem de São Tiago Maior na sua dupla representação iconográfica de Apóstolo de Cristo e peregrino (numa alusão ao Santuário de Compostela, enorme centro de peregrinação do século XI ao século XV).

Esta tipologia iconográfica foi a que mais sucesso teve na representação de São Tiago na Idade Média, remontando ao século XIII, e que os fiéis reconhecem com maior facilidade, apesar de posteriormente terem surgido outras variantes: o Santo é representado com os atributos de peregrino, como a vieira, o chapeirão, o bordão e uma esmoleira ou sacola para transporte dos mantimentos ou para a recolha de esmolas. A imagem de São Tiago do Montijo apresenta todos estes elementos, mas com algumas ‘nuances’ próprias: é o caso da forma como o bordão termina, não em esfera ou num tau (como habitualmente acontece); a sacola, colocada a tiracolo, guarda o livro (que é uma alusão ao Evangelho e ao papel evangelizador do Apóstolo), facto que torna esta imagem absolutamente diferente de todas as imagens que se conhecem da mesma época (pois não é conhecida nenhuma outra que represente o livro guardado na sacola).

Uma dificuldade que a peça apresenta refere-se à sua datação e à sua autoria, pois só pelo método comparativo (de analogias formais) das suas características com características escultóricas semelhantes de outras imagens cuja autoria está identificada é possível colocar a hipótese de esta ser uma obra da mão artística de Diogo Pires, o Velho, escultor português da transição dos séculos XV-XVI, ou da oficina do mesmo.

A este tipo iconográfico do Apóstolo e peregrino juntam-se outras formas de representar São Tiago, que a investigadora documentou com bastantes exemplos: no contexto das batalhas da Reconquista Cristã, nomeadamente na sequência da grande aparição do Santo na batalha de Clavijo, surge a figura de São Tiago como Cavaleiro de Cristo, modelo de virtudes de cavalaria, que irá a evoluir, no século XIV, para a representação do modelo iconográfico de São Tiago Mata-Mouros.

O “Com Arte e com Alma” prossegue no próximo dia 10 de Abril, na Igreja de Nossa Senhora da Consolação, na Arrentela, sessão em que será dado um grande relevo ao trabalho artístico presente no tecto desta igreja.

Mais informações em www.artesacra.diocese-setubal.pt e em www.facebook.com/artesacra.diocesesetubal

L. Silva

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09 de Março de 2018