A propósito deste tempo litúrgico especial que toda a Igreja vive e que acaba de terminar, o tempo quaresmal, em preparação para a solenidade das solenidades – a Festa da Páscoa, da celebração da Ressurreição de Jesus, onde se enraíza nossa fé e nossa esperança, gostaríamos de vos apresentar um livro que tivesse ligado a uma Irmandade cuja sua devoção fosse em memória da paixão de Cristo e da sua morte na cruz. A cruz como instrumento de salvação, fonte de santidade e símbolo revelador da vitória Cristo sobre o pecado, a morte e o mal.
Este tempo de quarenta dias, que antecedeu à Semana Santa que estamos agora a viver, deve ser encarado como um período de retiro coletivo, durante os quais a Igreja propõe aos seus fiéis o exemplo de Cristo em seu retiro no deserto. E que desde o século IV, se manifestou como um período de penitência e de renovação, com a prática do jejum e da abstinência.
Quaresma é então, a oportunidade de vivermos cristãmente a simplicidade, o despojamento, o deixar para trás aquilo que é empecilho ao nosso crescimento espiritual, o cultivo do “ser” e não o de “parecer” e o de “ter”. Em suma, é o momento à conversão, à verdadeira mudança interior, que nos leva ao serviço, à doação e ao amor e dedicação ao próximo. É um tempo de reflexão e de recolhimento, para alcançar o melhor de nós mesmos, quebrando os “cadeados” dos defeitos ainda em nós, a fim de retomarmos este caminho terrestre sob as coordenadas das virtudes, cuja “bússola” é Cristo.
Durante a quaresma, uma das tradições e exercícios espirituais realizados pela Igreja é a Via-sacra (Via Crucis, em latim), que teve a sua origem na época das Cruzadas, entre os sécs. XI e XIII, no qual os fiéis percorriam os lugares sagrados da Paixão de Cristo. Esta prática devocional religiosa, ainda hoje realizada, nos ajuda a reviver e a meditar na paixão e morte do Senhor Jesus, Aquele que deu a vida pela salvação da humanidade, e aprendendo com Ele e com sua Mãe, que esteve sempre ao seu lado, o “caminho da cruz”.
Deste modo, vimos neste mês apresentar o “Livro dos Acórdãos e Eleições da Irmandade do Senhor Jesus da Via-Sacra e Nossa Senhora da Graça”, entre os anos de 1772 e 1862, pertencente ao acervo documental histórico do Seminário Maior de S. Paulo de Almada. Este manuscrito, com encadernação em pele, contém o registo dos termos de eleição dos Irmãos e autos de posse; dos acórdãos da mesa; dos termos de posse que conferem aos capelões, no exercício do seu presbitério na capela do Espírito Santo, o compromisso de celebrarem missas pelos irmãos vivos e defuntos desta Irmandade, todos os domingos e dias santos. Nestes acórdãos destacam-se, o de 25 de março de 1731, referente à sentida homenagem feita ao irmão perfeito João Luís Lourenço, pelos grandes benefícios que este havia realizado pela Irmandade, com execução de uma moldura dourada com a sua foto e a legenda – “Dos benefícios que nos fazem, havemos estar sempre lembrados” [fl.122]; bem como, o acórdão de a 14 de agosto de 1845, relacionado com o falecimento deste insigne benfeitor e perfeito desta Irmandade (em 26 de junho desse ano) e respetiva descrição de suas cerimónias fúnebres, no qual foi sepultado sob o altar da Ermida do Espírito Santo [fls.139- 149 v].
A Irmandade do Senhor Jesus da Via-Sacra e Senhora da Graça foi ereta na Ermida do Espírito Santo e confirmou seus estatutos em 1747, tendo como devoção o Senhor Jesus da Via-Sacra ou Senhor dos Passos e a Nossa Senhora da Graça, celebrando sua festa no dia da exaltação da Santa Cruz, a 14 de setembro, ou na dominga seguinte ao dito dia. Esta Irmandade acabou por ser extinta por Alvará do Governo Civil de Lisboa, a 5 de outubro de 1886, cujos seus bens a Junta de Paróquia de Almada veio a tomar posse e conservar.
Alexandra Figueiredo, Centro de Documentação de Instituições Religiosas e de Família (Centro Social Paroquial Padre Ricardo Gameiro)
Nota: O Centro de Documentação de Instituições Religiosas e da Família, tutelado pelo Centro Social Paroquial Padre Ricardo Gameiro, pretende salvaguardar e dar a conhecer o património documental existente nas paróquias da Diocese de Setúbal. Com este objetivo realiza a inventariação, tratamento arquivístico, conservação e digitalização deste tipo de acervos, e agora também, a divulgação da rúbrica o “Livro do Mês do Centro de Documentação”, para difundir o seu acervo digital, de modo a que a informação seja de todos. Mais informações, aqui.