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Missa Crismal: “Continuar, com palavras e gestos, a presença misericordiosa de Deus na Igreja e no mundo”

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No início do Tríduo Pascal, decorreu na Sé de Setúbal, na manhã de hoje, 29 de março, a Missa Crismal presidida pelo Bispo de Setúbal, D. José Ornelas, e concelebrada pelo presbitério diocesano. Na saudação inicial, D. José Ornelas lembrou a Missa Crismal do ano passado, que contou com a presença dos três Bispos da diocese sadina, evocando a memória de D. Manuel Martins.

“No ano passado, tivemos a alegria de ter ainda connosco, nesta celebração, os nossos primeiros dois Bispo, D. Manuel da Silva Martins e D. Gilberto Canavarro dos Reis – disse – Neste ano, o nosso primeiro Bispos deixou-nos, mas temo-lo bem presente na nossa oração, bem como os Presbíteros e Diáconos da nossa Diocese que o Senhor já chamou a si, e que hoje estão próximos de nós na comunhão do Espírito que a todos vivifica. D. Gilberto dos Reis, por seu lado, enviou-me uma mensagem de saudação a toda a Diocese, particularmente ao seu clero, reafirmando a sua comunhão connosco, sempre, mas particularmente neste dia”.

Nesta Eucaristia, os presbíteros renovaram as suas promessas sacerdotais e abençoaram-se os óleos sacramentais que serão utilizados ao longo do ano, para fortificar e santificar o percurso da vida cristã. Para além do clero diocesano, foram muitos os religiosos e leigos que participaram na celebração eucarística na Igreja-mãe da Diocese de Setúbal.

Na homilia, especialmente dirigida ao clero diocesano, o Prelado afirmou que Cristo convida cada um dos sacerdotes a continuar, com palavras e gestos, a presença misericordiosa de Deus na Igreja e no mundo: “Antes de propor códigos morais, antes das normas e por cima delas, a nossa vida, o nosso modo de pensar, discernir, orientar e agir é chamado a ser este alegre e libertador anúncio da presença misericordiosa de Deus, em nome do qual agimos”.

“Na avaliação do nosso serviço, não creio que o Senhor nos vá censurar muito se deixarmos entrar na Igreja ou aproximar-se dele alguém que consideramos menos digno. Ele sabe bem lidar com essas pessoas, muito melhor que nós”, disse ainda D. José Ornelas, que apelou também aos sacerdotes para conservarem e dispensarem os dons de Deus.

“Não somos apenas aqueles que realizam cerimónias e ritos. Cristo quer que sejamos expressão daquilo que passa pelas nossas mãos e daquele que está na sua origem: o Espírito Santo. Não nos façamos grandes ao modo humano, no desempenho das nossas funções, mas tenhamos sempre muita alegria e muito gosto de ser servos livres e dispensadores liberais e cheios de compaixão daquilo que recebemos gratuitamente de Deus”, afirmou.

Leia, abaixo (depois da foto-galeria), a homilia completa do Bispo de Setúbal, D. José Ornelas.

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Homilia de D. José Ornelas na Missa Crismal 2018

Este encontro celebrativo na manhã da Quinta-feira Santa tem um significado muito especial em cada Igreja Diocesana. É o início do Tríduo Pascal, que se celebrará em cada comunidade paroquial. Mas esta Eucaristia tem lugar apenas na Igreja-Mãe de cada Diocese, contando possivelmente com os párocos e representantes das comunidades que a compõem.

Celebração da unidade na Igreja

Esta é, de facto, uma especial celebração de unidade da nossa Igreja de Setúbal. Somos diversificados, nas nossas origens, provimos de diferentes comunidades e temos sensibilidades variadas, mas somos todos irmãos e irmãs, nascidos do mesmo Espírito, tendo o mesmo Pai do céu, sendo convocados à volta da mesa da Eucaristia pelo Senhor Jesus.

Além disso, o Senhor reúne-nos na diversidade dos dons e das funções que dele recebemos para o serviço da sua Igreja: o Bispo, os Presbíteros e os Diáconos, no ministério ordenado ao serviço das comunidades; os religiosos/as e demais consagrados, na doação total a Deus e aos irmãos; os leigos/as, na formação da própria família e na construção da Igreja e da sociedade, com todas as suas competências e profissões.

É bom encontrar-nos, hoje, aqui, na igreja-mãe da nossa diocese para a solene celebração da desta santa Eucaristia. Tenhamos bem presente esta nossa assembleia, quando pensamos na Igreja que formamos todos juntos. Olhemos para ela com humildade, sabendo que não é perfeita, mas igualmente com alegria e esperança, sentindo-nos, cada um de nós, responsável pela sua vida, pela coerência evangélica e pelo anúncio missionário que lhe dá força.

Ungidos pelo Óleo Santo, para o serviço do povo de Deus

Esta manhã, a liturgia e a tradição da Igreja dão especial atenção a um dom especial de Deus à sua Igreja que é o dos ministros ordenados, isto é, daqueles que foram chamados e enriquecidos pelo Espírito de Deus para se dedicarem ao serviço do seu povo: o Bispo e os Presbíteros, bem como os Diáconos que com eles colaboram. No meio da nossa assembleia, que é a razão de ser do nosso serviço, quero orientar especialmente para estes servos do Evangelho, entre os quais me incluo, uma pequena reflexão que deriva da palavra que escutámos e da liturgia que estamos a celebrar.

Acabamos de proclamar a Palavra de Deus que une, indissoluvelmente, os dois motivos centrais desta celebração: o serviço aos mais débeis, pobres e desfavorecidos e a bênção dos óleos que exprimem sacramentalmente os dons do Espírito.

A primeira leitura e o Evangelho trazem-nos, com o testemunho dos dois testamentos, o resumo da missão de Jesus feito por Ele próprio. Lendo o profeta Isaías, Jesus aplica a si mesmo as palavras do profeta: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres. Enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos e a proclamar um ano favorável da parte do Senhor“. E, terminada a leitura, afirma: “Hoje cumpre-se esta leitura que acabais de ouvir“.

Deste modo, Jesus liga a unção do Espírito à missão de anunciar Boas notícias aos pobres. O nosso Mestre e modelo conhece bem o coração misericordioso do Pai que o envia e a sua especial predileção pelos que sofrem de todas as fragilidades, injustiças e sujeições humanas, muitas vezes causadas até em seu nome.

E, a Boa Notícia fundamental é Ele mesmo, Jesus, presença viva e eficaz do Pai entre os homens, na vida de todos os dias, que Ele toca pessoalmente. A sua Palavra e as suas atitudes são expressão de um Deus próximo, atento, cuidador da fragilidade humana, sem medo de entrar nos antros do vício, do crime, da corrupção, da doença, do abandono, que passa por cima dos tabus, preconceitos e normas para tocar a miséria e exclusão do leproso, que detém as pedras legais que se querem atirar à mulher adúltera, que passa para além das fronteiras e nacionalismos para ir ao encontro de todas as pobrezas e misérias.

Por isso chamaram-lhe herético, pouco sério, sem respeito pelas tradições. Ele, pelo contrário, chamava a essas normas de exclusão tradições humanas que, por vezes, adulteravam a imagem acolhedora e cuidadora do Pai. Por isso colocava os doentes e os aflitos no centro da comunidade, para que todos os tivessem bem presentes e se interessassem por eles.

Essa Boa Nova da sua presença exprime-se em sinais concretos segundo a Palavra de Deus que escutámos. Começa pela libertação de todas as opressões e escravidões que impedem uma vida digna. Exprime-se no dar vista aos cegos, para que possam ver as maravilhas de Deus e perceber que Ele passa nas suas vidas e cria horizontes para além do que o olho humano pode descortinar. Declara o fim de todas as opressões e injustiças causadas pela ganância da riqueza, da vaidade e do poder, para que possa surgir uma humanidade fraterna e solidária, onde todos tenham lugar à mesa do único Senhor e Pai do universo. E proclama um ano interminável da manifestação do amor poderoso e gratuito de Deus.

Hoje, Cristo nosso Mestre e modelo pede-nos e desafia-nos a continuar, com palavras e gestos, esta presença misericordiosa de Deus na sua Igreja e no mundo. Ele quer que, através do nosso modo de estar, mais do que pelas palavras que dizemos, se possa dizer: hoje volta a cumprir-se esta palavra libertadora de Deus.

Fomos chamados para este serviço da misericórdia, com atitudes e gestos concretos, como fez Jesus. Antes de propor códigos morais, antes das normas e por cima delas, a nossa vida, o nosso modo de pensar, discernir, orientar e agir é chamado a ser este alegre e libertador anúncio da presença misericordiosa de Deus, em nome do qual agimos. Esse é o motivo que nos move, a fonte da nossa alegria, a autoridade que exercemos em nome do Senhor da Igreja: a autoridade do acolhimento e da misericórdia.

Na avaliação do nosso serviço, não creio que o Senhor nos vá censurar muito se deixarmos entrar na Igreja ou aproximar-se dele alguém que consideramos menos digno. Ele sabe bem lidar com essas pessoas, muito melhor que nós. Mas espero que não dirija a nós as duras palavras dirigidas aos líderes religiosos do seu tempo, petrificados nas suas tradições do passado e nos formalismos dos seus ritos: Não estrastes e impedistes aqueles que estavam a entrar. Seguindo o nosso Senhor, que não veio para julgar, mas para acolher, reconciliar e salvar, também nós não fomos enviados como juízes, mas como dispensadores do Espírito que sara, levanta, acolhe e santifica. Nesse Espírito fomos também ungidos e somos dia a dia confirmados.

Dispensadores do Óleo Santo

Diz o ritual desta Eucaristia que, “no vestiário, o Bispo exorte os presbíteros a cuidarem dos óleos santos, a tratarem-nos com as honras devidas e a guardarem-nos com diligência“.

Acho que o sentido desta recomendação vai muito para além do cuidado com a condigna custódia e preservação dos óleos que vamos consagrar, por parte dos Presbíteros, e sobretudo do Bispo que procede à sua bênção. Tem a ver sobretudo com o que estes óleos nos dizem a nós, que acolhemos, conservamos e dispensamos os dons de Deus.

Conservar e dispensar os óleos consagrados significa, antes de mais, que todos os dons que dispensamos não são nossos, mas de Deus. Isso torna-nos humildes, mas diligentes, para que a ninguém faltem estes dons de vida. Mais do que isso, estes dons formam o nosso modo de estar na Igreja. Não somos apenas aqueles que realizam cerimónias e ritos. Cristo quer que sejamos expressão daquilo que passa pelas nossas mãos e daquele que está na sua origem: o Espírito Santo. Não nos façamos grandes ao modo humano, no desempenho das nossas funções, mas tenhamos sempre muita alegria e muito gosto de ser servos livres e dispensadores liberais e cheios de compaixão daquilo que recebemos gratuitamente de Deus.

O primeiro óleo é o óleo dos doentes, pois constitui a base de todo o agir de Deus e da Igreja: cuidar da fragilidade e do sofrimento. Conservar e ministrar este óleo, há de modelar o nosso modo de agir, segundo as atitudes de Cristo. Este é o óleo que está especialmente nas leituras que meditámos hoje. Somos enviados a cuidar da fragilidade dos irmãos doentes, desencaminhados, que erram na vida, de comunidades que não são perfeitas, da Igreja sempre peregrina, perseguida e sempre a purificar-se; de um mundo ferido pela pobreza, a exclusão e a guerra. Foi para isso que Jesus veio: para os pobres, para os doentes, para os pecadores. Ele ungiu-nos como o mesmo óleo para sermos não juízes, mas médicos que curam, que acolhem, que levantam, especialmente em todas as circunstâncias dolorosas da vida.

Desta atitude de atenção à fragilidade brota o segundo óleo: o óleo dos catecúmenos. Nós não somos primeiramente chamados a ser administradores de sacramentos ou gestores de paróquias. Antes de mais, os ministros ordenados são chamados a anunciar o Evangelho, dentro e fora da Igreja, para formar comunidades e comunidades missionárias que alimentam no seu caminho com os dons de Deus. Este óleo não pode ficar a criar ranço nas nossas sacristias. As nossas comunidades têm de sentir o odor do óleo dos catecúmenos. Há de sentir-se como estranho que haja comunidades não tenham adultos para batizar na Páscoa. Temos de ser todos missionários: bispo, padres, diáconos, religiosos/as, leigos/as. Somos chamados a sê-lo com a nossa palavra e sobretudo com as nossas atitudes. Essa é a maior atitude de misericórdia da unção do Espírito: o anúncio do Evangelho.

Finalmente, o óleo do Crisma é o coroamento e de toda a ação da Igreja e de todos os dons que Deus nos dá para a vida ao seu povo. É o óleo que, sacramentalmente, nos torna filhos e filhas de Deus no batismo. É um óleo perfumado que vem do carinho com que o Pai do céu nos olha. Esse brilho do óleo deve ver-se sempre na nossa forma de celebrar o batismo de crianças e adultos e das suas famílias e na forma como acolhemos esses irmãos e irmãs.

É o óleo da confirmação, que desafia jovens e adultos a assumirem-se, como Cristo, como ungidos para cuidar, para anunciar, ativamente, o Evangelho e colaborar na construção da Igreja e de um mundo, segundo o projeto de Deus. É nosso dever promover, integrar e coordenar esses dons, de modo que as nossas comunidades sejam edificadas pela presença ativa da unção com o óleo do Espírito.

É o óleo que recebemos, nós e todos aqueles que, de modo especial, o Senhor chama a serem ungidos pelo seu Espírito para continuarem a anunciar a Boa Nova aos pobres. É com alegria e humildade que recebemos este dom que nos transforma para sermos expressão, sempre imperfeita, do Bom Pastor. É com Ele que aprendemos o serviço de guiar, iluminar, reconciliar e dar a vida, escutando o seu convite: “aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração” (Mt 11,21).

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29 de Março de 2018