(Reportagem do jornalista Ricardo Perna, da Família Cristã)
Terminou ontem a visita do Cardeal Luis Antonio Tagle a Portugal com a visita à Cáritas Diocesana de Setúbal, uma das várias estruturas diocesanas visitadas pelo atual presidente da Caritas Internationalis, que supervisiona todas as estruturas da Cáritas a nível mundial. Aproveitando a vinda a Fátima para presidir às celebrações do 13 de maio, o cardeal ficou mais dias para conhecer a realidade da Cáritas no nosso país. Depois de uma visita às instalações da Cáritas em Setúbal, o cardeal celebrou missa na igreja da Anunciada, em Setúbal.
Perante uma assembleia composta por utentes da Cáritas, funcionários e colaboradores, D. Luis Antonio Tagle fez um pequeno balanço desta visita a «projetos cheios de amor». «Vi a mão de Deus nas muitas coisas maravilhosas que fazem, no serviço aos pobres e aos frágeis. É fruto de um coração que se abre a Deus, para a necessidade dos homens», afirmou na homilia.
O cardeal falou ainda da necessidade de rezar, mas explicou, em jeito de provocação, que muitas pessoas optam por não rezar porque a oração é «perigosa». «A oração é perigosa, porque na oração, Deus fala e chama pelo nosso nome. E quando Ele chama, envia também. É por este motivo que muitas pessoas não querem rezar e contemplar: porque sabem que é perigoso».
Se rezassem, disse o Cardeal Tagle, «a oração muda a nossa vida», pelo que o prelado aconselhou que cada um faça silêncio na sua vida. «No nosso mundo de hoje há só barulho. Não queremos ter espaços de silêncio e contemplação, porque temos medo de escutar o coração e e a voz do Senhor. Mas quando o coração e a mente estão abertos, o Senhor fala», sustentou.
Sobre o tema dos refugiados, que lhe é muito caro, o Cardeal Tagle afirmou que «um refugiado, para mim, é como Cristo que fala», que lhe fala a um «coração aberto à memória de Jesus, do seu sofrimento, mas também da esperança que nos traz». Lembrou que, estando num campo de refugiados, falou com uns voluntários que estavam lá a trabalhar e perguntou o que os levava a estar ali. «Uma das voluntárias respondeu-me “os meus avós foram refugiados”. Os refugiados não são estrangeiros, são meus irmãos e minhas irmãs», reforçou, concluindo com o apelo de, «como Saulo e Barnabé», cada um «preparar o seu coração» para «escutar o Senhor, segui-l’O e entregar-me, na Sua missão aos outros».
No final da missa, os sorrisos e a boa disposição do Cardeal Tagle passaram para o exterior. Convidado por D. José Ornelas, bispo de Setúbal que concelebrou, foram ambos para o exterior da igreja, onde cumprimentaram todas as pessoas que saíam. Um abraço, um beijo, uma selfie, uma palavra de agradecimento e entusiasmo, todos faziam questão de estar junto do cardeal, mesmo que não se conseguissem fazer compreender. Luis Antonio Tagle não se fez rogado e a todos acedeu com um sorriso.
Um tempo «excitante» para se ser sacerdote na Igreja
Ainda dentro da igreja, aguardavam-no os seminaristas da diocese, que vieram desde Almada para estar com o cardeal ali, ou não fosse este um dos principais da Igreja nos dias de hoje, apontado por muitos como o futuro Papa, em virtude não só do seu trabalho na Caritas, mas também nas Filipinas e nas várias comissões da Igreja onde tem assento, e sobretudo por ser um acérrimo defensor do Papa Francisco e da sua linha de atuação.
Num pequeno encontro com os seminaristas, o Cardeal Tagle explicou que tem uma predileção pela formação dos sacerdotes, pois trabalhou muitas anos nessa área, e deixou um conselho aos seminaristas. «Sejam honestos para convosco próprios e respondam de forma honesta ao vossos diretor espiritual e bispo. O pior que vos pode acontecer é fingirem ser outra pessoa e esconderem coisas de vocês próprios e dos vossos colegas», advertiu.
O prelado estimulou os seminaristas a nunca deixarem de se formar e aprender. «O que aprendem no seminário vai ajudar-vos na vida, mas há coisas que estão sempre a mudar. A vossa capacidade para crescerem e apreenderem sobre o que está a acontecer no mundo é muito importante. Não sabemos como vai ser o mundo daqui a 5 anos, e vocês vão ser padres nessa altura», disse.
No entanto, e mesmo não sabendo como vai estar o mundo, o Cardeal Tagle sabe que este é um tempo «excitante» para se ser sacerdote e deu o exemplo de muitas conversões que estão a acontecer da parte de muçulmanos, mesmo que não se possam assumir em público. «Em algumas paróquias de Manila, alguns muçulmanos vêm pedir o batismo, e há muitas conversões, mas não podemos falar disso por causa das consequências. Nem mudam o nome nem dizem abertamente que o fizeram… mas há algo a acontecer, uma nova vida, até na China. O meu avô era chinês, migrante. Lá as pessoas sussurram-nos que acreditam em Jesus Cristo e afastam-se. São tempos excitantes, não tenham medo do dia de hoje», exortou.
O bispo de Setúbal já assumiu publicamente que, apesar da reduzida quantidade de sacerdotes na sua diocese, dará a sua bênção a todos os que desejem fazer missão lá fora. O Cardeal Tagle concorda, e abre as portas do seu próprio país. «Somos 110 milhões de pessoas, e um país pequeno. É uma porta para outras partes do mundo. Se algum de vós quiser ser missionário da diocese serão bem-vindos», assegurou, antes de confirmar que pensa da mesma maneira que o prelado de Setúbal. «Não temos tantos padres como queríamos, dão-nos jeito mais, mas se algum quiser ir em missão eu ajudo, porque mesmo na nossa pobreza partilhamos, e nessa partilha crescemos», defendeu.
Terminado o encontro, seguiram, a pé, desde a Igreja até às instalações da Cáritas de Setúbal, onde os aguardavam utentes sem abrigo e portadores de HIV para um jantar convívio com o Cardeal Tagle. Rodearam-no à sua chegada, a pedir a sua bênção, a falar de futebol ou a partilhar vivências, e a todos o cardeal acedeu, sem pressas, sem discursos feitos. Os sorrisos e as fotografias antecederam o jantar, servido na sala da Cáritas que costuma servir as refeições aos seus utentes.
No final, e depois de três utentes terem mostrado os seus dotes de cantores, terminando com uma versão de “What a wonderful world”, que o cardeal aplaudiu muito, D. Luis Antonio Tagle agradeceu a todos o acolhimento e «o bem que a Cáritas está a fazer em favor da dignidade do ser humano». «O que vi aqui, hoje, vou partilhar com os outros membros da Caritas Internacionalis, na assembleia que vai ter lugar já este mês. Aqui, os nossos irmãos estão a receber, não apenas comida, bebida e duche. A pessoa humana precisa de outros meios e a formação musical que vocês aqui têm, é algo de muito importante e especial para o crescimento do ser humano, com dignidade. Que desta casa, para a Diocese e para o mundo, possais sempre cantar “What a wonderful world”», pediu, com um sorriso.
Texto e Fotos: Ricardo Perna, Família Cristã