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Igreja em Rede: III Domingo da Quaresma – “Fonte da água que jorra para a vida eterna” (Jo 4, 5-42)

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Liturgia do dia aqui.

Comentário à Liturgia do III Domingo da Quaresma por D. José Ornelas, Bispo de Setúbal

A liturgia deste terceiro domingo da Quaresma vem ao nosso encontro num tempo de grande preocupação e responsabilidade, mergulhados, como estamos, numa crise, muito grave crise de saúde a nível mundial. Nas igrejas do nosso país, não se está a celebrar a Eucaristia com a presença da comunidade, para evitar que a pandemia se alastre fora de controle.

Não significa isso que esquecemos a Deus, em tempo de pandemia. Pelo contrário, sabemos que Ele acompanha sempre o seu povo, sobretudo nos tempos de crise e de sofrimento. É isso que nos diz a primeira leitura de hoje: No deserto, Ele torna possível o caminho para a liberdade, a um povo cansado e desanimado, que duvida da Sua presença e pergunta: “o Senhor está ou não no meio de nós?”. A água brotada do rochedo é o sinal que atesta a fidelidade de Deus para com o seu povo, mesmo quando a situação parece desesperada e a própria fé desfalece.

Esta é a primeira palavra que as leituras de hoje nos trazem. No Egito, o povo de Israel tinha-se habituado a uma vida resignada, contentando-se com o pão dos escravos, deixando aos seus senhores a gestão do seu futuro. O caminho do deserto para a liberdade parece uma loucura para muitos e perguntam se vale a pena tanto cansaço e tanto sacrifício.

Deus nunca está longe das nossas crises, desilusões e desconfianças. A crise que agora vivemos veio deitar por terra muitos dos nossos hábitos e vai-nos obrigando a reavaliar aquilo que é mais importante na vida de cada um, das nossas famílias e da sociedade. Vem também fazer-nos perceber que somos individualmente frágeis e só podemos ter sucesso se estivermos juntos e cada um fizer a sua parte. Esta crise atinge todos e passa todas as fronteiras e camadas sociais, atingindo ricos e pobres. Um pobre atingido pelo vírus pode desencadear um desastre, tanto como um rico. Ou encontramos cidadania para todos, ou não haverá segurança para ninguém. A nossa terra prometida tem de ser feita com nova solidariedade e novos valores. A crise mostra-nos, ainda, que tudo aquilo que podemos e sabemos não é capaz de saciar a nossa sede de vida e de felicidade em plenitude. Um simples vírus pode pôr em cheque os cálculos das nossas finanças, o nosso estilo de vida, os muros ilusórios da nossa segurança, a nossa periclitante saúde e toda a nossa vida.

É dessa sede e da sua saciedade que nos fala o Evangelho de hoje, no diálogo de Jesus com a Samaritana, uma estrangeira e até adversa à interpretação religiosa seguida pelos judeus. Jesus atravessa a fronteira das tradições, dos preconceitos e das interpretações sectárias da fé, para entrar em diálogo com esta mulher e propor-lhe um caminho de gradual convergência na busca da água que sacia realmente a sede, da vida que só Ele pode dar.

Neste caminho de Quaresma, no meio da nossa pandemia, Jesus convida-nos a colocarmo-nos, com o cântaro da água com que vamos tentando apagar as nossas sedes, junto ao poço da tradição de sempre e dos costumes enraizados, para escutarmos o cantar da água nova e regeneradora que Ele mesmo vem oferecer. Talvez aconteça algo semelhante ao que se deu com a mulher de Samaria, que “abandonou o seu cântaro” das águas inúteis e partiu ligeira a anunciar na cidade, que já tinha outra sede e começava a saciá-la com uma água nova.

+ José Ornelas Carvalho

Bispo de Setúbal

 

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15 de Março de 2020