Liturgia de terça-feira da III Semana da Quaresma
Comentário do padre Luís Matos Ferreira, Vigário Episcopal para a Pastoral e Pároco de S. Paulo
“Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou-Lhe: «Se meu irmão me ofender, quantas vezes deverei perdoar-lhe? Até sete vezes?» Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18, 21 – 22)
Tempo de Quaresma é tempo de conversão. Tempo de Quaresma é tempo de rever a vida para orientar tudo o que somos para o Senhor da vida. Tempo de Quaresma é tempo de perdão. Quaresma é tempo de perdoar e ser perdoado.
O cristianismo ensina-nos que Deus é bom e que nós devemos aprender e viver a bondade do Senhor. Porém, o pecado opõe-se à bondade que o Senhor nos pede. O pecado é sinónimo de egoísmo e de falta de perdão e, embora tantas vezes o peçamos ao Pai na oração que o Senhor nos ensinou, não o conseguimos viver na nossa vida.
Viver a experiência real do cristianismo é viver a experiência de sermos cristãos bons e perdoados, é viver o realismo de sermos pessoas que humildemente pedem perdão ao seu Senhor. Sabemos pedir perdão a Deus, mas muitas vezes não conseguimos perdoar ao nosso irmão. E quantas vezes devemos perdoar ao nosso irmão? “setenta vezes sete”. Jesus dá uma resposta com uma multiplicação de números concretos, mas que tem um resultado infinito, isto é, SEMPRE. A Quaresma é tempo de aprendermos a saber perdoar SEMPRE e perdoar TUDO: pedir perdão a Deus, pedir perdão a quem ofendi, pedir perdão a mim próprio, pedir perdão pelo que não fiz.
Tempo de Quaresma é tempo de nos aproximarmos de Jesus como Pedro e pedir: “Senhor, ajuda-me a perdoar”; “Senhor perdoa-me”; “Senhor que o meu irmão me perdoe”; “Senhor ajuda-me a viver diariamente a experiência do perdão, o Teu perdão”; “Senhor dá-me a graça de ser um filho que perdoa como o Pai”.
A Quaresma neste ano 2020 será uma Quaresma única na história da Igreja. Será marcada pela privação da Eucaristia presencial, pela privação do contacto com as nossas comunidades paroquiais, pela privação do local de trabalho e do contacto real com os amigos e muitos de nós com os próprios familiares. Enfim, a Quaresma de 2020 será a Quaresma de “quarentena” como forma de nos prevenirmos contra a pandemia do coronavírus. Estamos isolados nas nossas casas, estamos privados da vida habitual, estamos impedidos de vivermos a experiência da fé habitual.
Neste contexto de isolamento social a Quaresma 2020 poderá e deverá ser o tempo para cada um de nós poder aproveitar e fazer a experiência duma boa revisão de vida e poder viver interiormente a conta do perdão: “setenta vezes sete”.
Na nossa oração pessoal e familiar que podemos fazer nas nossas casas nesta hora difícil para Portugal e para muitos países do nosso mundo, peçamos ao Senhor com insistência, com coração humilde e contrito e com um interior desejo de perdão a oração de Azarias: «Por amor do vosso nome, Senhor, não nos abandoneis para sempre e não anuleis a vossa aliança» (Dan 3, 24 – 25). A oração do puro de coração, a oração de quem pede perdão porque vive o perdão, a oração simples mas insistente e suplicante junto do Senhor tem muito poder. Isolados mas não sós; privados mas em comunhão.
Quaresma 2020 será diferente: será a Quaresma da minha, da nossa conversão no perdão.
Quaresma 2020 será marcada pela pandemia do coronavírus que atingirá mortalmente muitas pessoas. Porém, poderá fazer-se o milagre do “vírus” da minha falta de perdão, do meu limitado perdão, ser curado na Quaresma 2020. «Não nos deixeis ficar envergonhados, mas tratai-nos segundo a vossa bondade e segundo a abundância da vossa misericórdia. Livrai-nos pelo vosso admirável poder e dai glória, Senhor, ao vosso nome» (Dan 3, 42 – 43).
Quaresma 2020: tempo único de um vírus que me pode ajudar a viver o PERDÃO.
Padre Luís Matos Ferreira