Liturgia de Quinta-feira da IV Semana da Quaresma
Comentário do padre Casimiro Henriques, Pároco de São Sebastião e Coração de Maria e diretor da Comissão Diocesana de Arte Sacara
O Profeta Jeremias (31, 33) diz que o próprio Deus imprimirá a Lei na alma do seu povo, gravando-a no seu coração, criando assim uma relação de intimidade entre Deus e Povo.
Este, podemos dizer, é o sonho de Deus: criar uma relação de verdadeiro amor com o seu Povo, que o leve a afastar-se dos ídolos e a optar definitivamente pelo seu Deus. Contudo, o Povo vive constantemente a dicotomia fidelidade-infidelidade, e é neste drama que os profetas se movem, esforçando-se por mostrar o zelo de Deus em não querer um povo dividido com outros deuses.
O próprio Moisés vive esta tensão conforme narra a primeira leitura. Enquanto ele está com Deus, escutando-O, recebendo as suas leis, o Povo cansado de O esperar acaba por se sentir abandonado e imediatamente arranja um substituto para adorar.
O tempo de deserto é um tempo de purificação, e é isto mesmo que percebemos no texto. Quantas tradições egípcias não se infiltraram nas famílias de Israel. Neste tempos de silêncio divino, tudo isso surge espontaneamente e pela noite constroem um bezerro de ouro e adoram-no. Deus resgata o seu povo, e eles adoram outro Deus.
Este é sempre o risco das nossas vidas. Será bastante Deus satisfazer os nossos pedidos de hoje e de amanhã? Afinal de contas, numa sociedade evoluída e cientificamente esclarecida, que espaço têm tantas superstições, cultos pagãos, adivinhações, espiritualidades e até cultos satânicos?
Certamente, não estaremos tão longe deste povo do deserto e das inquietações que viviam no seu tempo.
No Evangelho, Jesus confronta os Judeus com esta realidade. É sempre mais fácil afastarmo-nos de Deus do que nos aproximarmos dele. Porquê? Porque na maioria das vezes queremos um Deus que nos satisfaça, mais do que aceitar a sua vontade. Os Judeus não estão disponíveis para aceitar Jesus, porque Ele apresenta um Deus fora dos seus parâmetros. Dizem os Judeus que seguem Moisés, mas Jesus relembra-os que nem Moisés eles seguiram, por isso mesmo o próprio Moisés será o seu juiz. Na verdade, querem seguir Moisés porque já deturparam toda a lei recebida, e quando o Senhor lhes apresenta a Lei apurada e de regresso ao essencial, acham-na crua e sem saber. O mundo das aparências e da ilusão é sempre mais sedutor e apetecível.
Por isso, termina Jesus no Evangelho de hoje, a acusação que pesa sobre os judeus não é aquela que Jesus lhes fará, mas é esse afastamento permanente da Lei de Deus quer ensinada por Moisés ou por Jesus.
Deus não é, nem pode, ser o fruto das minhas projeções e apetites. Assim, ou sei verdadeiramente colocar-me à escuta para me tornar disponível para fazer o seu caminho, ou então corro o perigo da minha história com Deus ser apenas uma ilusão que criei para minha satisfação.
Padre Casimiro Henriques, Pároco de São Sebastião e Coração de Maria e diretor da Comissão Diocesana de Arte Sacara