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Igreja em Rede: Segunda-feira da V Semana da Quaresma – “Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra” (Jo 8, 1-11)

Igreja em Rede - formato diocese

Liturgia de Segunda-Feira da V Semana da Quaresma

Comentário do padre Leonel Neves, pároco de Quinta do Anjo

“O Senhor salva o justo e perdoa o pecador arrependido”

Na liturgia da palavra que hoje nos é proposta, é nos apresentada uma visão da acção de Nosso Senhor que nos pode confundir, aliás neste evangelho de hoje são desmontadas as falsas religiosidades e o errado cumprimento da Lei.

Vemos como os escribas e fariseus apresentam uma mulher surpreendida em adultério e questionam Jesus sobre a aplicação da Lei. Uma visão meramente superficial, podia levar-nos até a compreender bem esta atitude, como se fosse um teste que estivessem a fazer a Jesus para realmente confirmarem que era o Messias. Mas, sabemos muito bem que este teste era no fundo uma armadilha! Não só queriam encostar Jesus à parede como não se importavam de instrumentalizar aquela mulher. Certamente muitos dos que a apresentavam, dando a ideia que eram muito fiéis e cumpridores da Lei, no fundo eram cúmplices do seu pecado. Muitos dos que estavam ali teriam usado aquela mulher praticando adultério com ela! Daí podemos para já concluir que a cumplicidade no pecado gera a acusação, nunca a amizade! Quando eu sou cúmplice de alguém no mal, essa atitude corrói a nossa relação, afasta-nos, dá-nos sentimentos de acusação para com o outro.

Vamos agora a primeira leitura, pois aqui vemos uma situação que nos parece mais fácil de compreender, se como já disse tivermos um olhar meramente superficial da questão. Vemos como Susana sofre uma grande injustiça. Tal como Jesus no evangelho, é encostada à parede: ou diz a verdade e é acusada de adultério, ou acaba mesmo por cometer adultério. Esta situação deve incomodar-nos! Pois estamos diante de uma grande injustiça! Não se vê um caminho que ela possa percorrer e arranjar uma solução! Parece que não tem outra hipótese se não aceitar a proposta dos velhos! Quantas vezes não caímos em mentiras, não alinhamos em esquemas pecaminosos para nos safar? Muitas vezes também nós sofremos este tipo de situações e achamos que não há outro remédio do que colaborar na mentira, mesmo que isso prejudique os outros! Para não falar se no nosso caso não acabamos por ser como aqueles velhos! E era aqui que eu queria mais sublinhar a sua acção! Nestes dois homens, vemos a grande necessidade que o homem tem da misericórdia de Deus! A expressão do profeta Daniel “envelheceste nos vossos pecados” é fortíssima! Vemos como estes dois homens viveram toda a vida no mal, envolvidos em esquemas maliciosos! Vemos a humanidade decaída a necessitar da graça de Deus para a restaurar! São pessoas que põem a sua esperança na sua manhosice, a sua “chico espertice”, acham que assim é que se deve viver a vida! Assim desta forma é que nos “safamos”. Quem vive no mundo, diariamente é confrontado com situações destas! Com situações em que parece que temos de entrar no “esquema” se não somos prejudicados! Susana dá-nos um claro exemplo que não! Ela permanece fiel à verdade, e confia que Deus a vai ajudar! E como fruto da sua confiança, Nosso Senhor faz surgir o profeta Daniel! Também neste tempo que vivemos, agora limitados e com medo do futuro somos chamados a depositar a nossa confiança em Nosso Senhor! Nunca como antes nos devemos sentir nas Suas Mãos! Entregando toda a nossa vida n’Ele, como Susana aqui nos serve de exemplo! O Senhor quando menos pensamos vai-se manifestar! A sua graça e misericórdia sempre nos acompanha!

  Voltemos ao evangelho, até porque aqui encontramos esta última ideia ainda mais aprofundada! O Senhor não só salva o justo do mal, como perdoa o pecador arrependido! No julgamento da mulher surpreendida em fragante adultério, não se está a cumprir propriamente uma injustiça! Ao contrário de Susana, esta mulher pecou! Agora, a forma como se quer aplicar a Lei, deturpa completamente aquilo que Nosso Senhor acima de tudo quer e nos pediu. Aquilo que Nosso Senhor quer acima de tudo é a nossa conversão, quer nos dar o Seu perdão. Assim como queria que aqueles dois velhos da primeira leitura se convertessem e arrependessem do seu errado caminho, também deseja isso para todos os pecadores! É essa a mensagem que dissemos no início desta Quaresma “arrependei-vos e acreditai no Evangelho”.

Gostava de aprofundar ainda mais um pouco esta questão do convite à conversão. Somos muitas vezes acusados (nós cristãos) de julgarmos os outros, de os condenarmos. De facto, há aquilo uma visão errada da nossa acção! Segundo um velho adagio “nós condenamos o pecado, mas absolvemos o pecador”, ou seja temos de separar o pecado do pecador! A nossa missão é a todo o custo anunciar a conversão, pedido que as pessoas conheçam e sigam a Jesus e façam caminho para se libertar do pecado! Nunca por violência, mas sempre por caridade! Se aqueles escribas e fariseus fossem verdadeiramente justos em vez de apresentarem aquela mulher para ser apedrejada, apresentavam-na com o desejo da sua conversão, de a ajudar a libertar-se daquela vida! Como Santa Mónica sempre pediu a conversão do seu filho Santo Agostinho, nunca lhe pediu que fizesse justiça de uma forma violenta! Assim, nós Igreja temos a missão de rezar, pedir, chorar pela conversão dos pecadores, e não o seu aniquilamento! Como em Fátima, Nossa Senhora pediu orações e penitências pela conversão dos pecadores, não pediu uma “guerra santa” contra os infiéis! É esta a nossa missão! Por isso é que a lógica de Jesus nos confunde! Ele não quer uma justiça a qualquer preço, mas acima de tudo a conversão daquela pessoa, pois tem sede da sua alma! O Senhor tem sede da nossa conversão! A forma para abrirmos o coração de Deus é através do arrependimento! Quando pedimos perdão, o Senhor escancara os caudais da Sua Graça.

Para terminar só uma palavrinha sobre o salmo. De facto, não poderia ser mais bem escolhido para estas leituras! O salmo do Bom Pastor, relembra-nos aquilo que eu já falei, que verdadeiramente neste momento nos devemos sentir nas mãos de Deus e abandonar-nos totalmente n’Ele. Num período difícil da minha vida, serviu-me de consolo esta ultima estrofe do salmo:

“A bondade e a graça hão-de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.”

Foi a frase bíblica que eu escolhi para colocar na minha pajela de missa nova. Sempre que passo algum momento difícil, tenho sempre presente esta passagem que me conforta e dá confiança e esperança no futuro, sabendo é claro que ter esperança é muito mais do que ter pensamento positivo ou acreditar que o dia de amanhã será melhor que o dia de hoje, ter esperança cristã é saber convictamente que quem tem a última palavra sobre todas as realidades é Nosso Senhor.

Deixava-vos ainda uma oração que eu sempre faço no momento da pós-comunhão, depois de comungar o Corpo e o Sangue do Senhor. É uma oração do Beato Carlos de Foucauld, que se chama oração do abandono:

Meu Pai,
Eu me abandono a Ti,
Faz de mim o que quiseres.
O que fizeres de mim,
Eu Te agradeço.

Estou pronto para tudo, aceito tudo.
Desde que a Tua vontade se faça em mim
E em tudo o que Tu criastes,
Nada mais quero, meu Deus.

Nas Tuas mãos entrego a minha vida.
Eu Te a dou, meu Deus,
Com todo o amor do meu coração,
Porque Te amo
E é para mim uma necessidade de amor dar-me,
Entregar-me nas Tuas mãos sem medida
Com uma confiança infinita
Porque Tu és…
Meu Pai!

 

Padre Leonel Neves

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30 de Março de 2020