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As sete palavras de Jesus na cruz: homilia de D. José Ornelas na Celebração da Paixão do Senhor

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A reflexão sobre as palavras de Jesus na cruz, as últimas palavras do seu percurso humano, nesta terra, têm todo um grande relevo ao longo dos séculos. Hoje, tomaremos esse como tema da nossa meditação, que se afigura particularmente motivadora para nos ajudar a olhar com atitude de fé e esperança para o tempo desafiador que vivemos, com a pandemia que atinge toda a humanidade. O que aqui quero apresentar são mais linhas de reflexão do que um texto bem acabado. Que ele sirva para meditar e para rezar.

As sete palavras de Jesus na cruz, que nos trazem os quatro evangelhos são as seguintes:

  • Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? (Mc 15,33-36)
  • Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem. (Lc 23,34-35)
  • Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso (Lc 23,39-43)
  • Mulher, aí está o teu filho; filho, eis aí a tua mãe (Jo 19,25-27)
  • Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,44-46)
  • Tenho sede (Jo 19,28-29)
  • Tudo está consumado (Jo 19,30)

 

1. Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? (Mc 15,33-36)

Ao chegar o meio-dia, fez-se trevas por toda a terra, até às três da tarde. E às três da tarde, Jesus exclamou em alta voz: «Eloí, Eloí, lemá sabachtáni?», que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? Ao ouvi-lo, alguns que estavam ali disseram: «Está a chamar por Elias!»Um deles correu a embeber uma esponja em vinagre, pô-la numa cana e deu-lhe de beber, dizendo: «Esperemos, a ver se Elias vem tirá-lo dali.»

Esta exclamação de Jesus crucificado mostra, antes de mais, como Ele desceu realmente à condição humana, em todas as suas potencialidades e capacidades, mas igualmente à sua dramaticidade, dor e limitação. Confrontado com a oposição, a violência, a injustiça, a dor e a perspetiva da morte, Ele permanece fiel ao projeto do Pai do céu e do seu desígnio de criação de um mundo mais humano e aberto à plenitude da vida.

Na hora da crise, da violência, da morte, Jesus sente a angústia de qualquer ser humano, não só perante a morte física, mas igualmente perante o aparente desmoronar dos seus projetos. Ele sente a experiência do “abandono de Deus”, que contradiz a própria relação com Ele.

Mas não vive esta hora em oposição com Deus, mas rezando. As suas palavras são o início de um salmo – oração dos aflitos (Sl 22) – que começa com um doloroso lamento perante o que aparece como o abandono de Deus e termina com louvor perante a salvação que Ele concede aos que nele confiam.

Esta atitude orante – isto é, de ligação e comunhão com Deus – não aparece apenas aqui. Esteve presente ao longo da sua vida: no início da sua missão, no deserto, nas noites e manhãs em que se retirava, quando tinha de tomar decisões, no Jardim das Oliveiras, na horas das crises. Jesus viveu sempre em comunhão com o Pai e, nesta hora solene e dramática, essa relação faz-se mais forte.

Mas a oração de Jesus na cruz significa mais do que isso. Ele reza a oração do seu povo, com o seu povo, com toda a humanidade e pela humanidade à qual se tinha unido. O seu grito ao Pai é o grito da humanidade inteira. Ele sente bem a angústia dos homens: a fome das multidões, a sede de vida dos enfermos, dos pobres e injustiçados, a exclusão dos pecadores e dos que pensam diferente, as vítimas das opressões e os frustrados das revoltas violentas… Tudo isso se encontra neste grito de Jesus, na cruz de Jesus.

Este é também o grito da humanidade crente, o grito de nós todos, também nesta pandemia que atinge a humanidade: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” Não é um grito contra Deus, mas dirigido a Deus na dor e, por vezes, na difícil compreensão dos seus caminhos. No fundo um grito de sede e de confiança, para entender e aceitar o porquê de tudo isto e a meta aonde o caminho da vida nos leva.

A dor pode ter este efeito: reconhecer a própria limitação e levantar os olhos ao céu à procura de luz, de força, de caminho.

 

2. Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem (Lc 23,33-35)

Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, crucificaram-no a Ele e aos malfeitores, um à direita e outro à esquerda. Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Depois, deitaram sortes para dividirem entre si as suas vestes. O povo permanecia ali, a observar; e os chefes zombavam, dizendo: Salvou os outros; salve-se a si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito.

O evangelista Lucas refere três palavras muito iluminadoras de Jesus na cruz: as duas primeiras referem-se sobretudo à sua missão e àquilo que revela sobre o Pai e a terceira, para confiar nas suas mãos toda a sua vida.

A primeira destas palavras encontra-se no contexto da crucifixão entre dois ladrões e a troça das autoridades religiosas, que celebram a sua vitória sobre este herético, que ousara pôr em causa as verdades e privilégios sobre os quais tinham construído o seu poder: Salvou os outros; salve-se a si mesmo, se é o Messias de Deus, o Eleito.

Eles só conhecem a lógica do poder, do sucesso que exclui quem pensa diferente, ou desafia o seu poder despótico. O pior destes dirigentes é que pensam que são justos e têm o direito de condenar e de eliminar os outros, os que pensam diferente. Pior ainda é que não entendem quem é Deus, mas arrogam-se o direito de julgar em seu nome. Na realidade só conhecem a si mesmos e às suas certezas e dogmas. Se Deus intervém, com a sua misericórdia de Pai, desarranja este mundo autocêntrico. É em nome de Deus que eles julgam e condenam Deus feito homem. Este é o maior pecado, aquele que Jesus chama o “pecado contra o Espírito Santo”; aquele que não permite que Deus entre com a sua misericórdia na nossa vida, para transformá-la e salvá-la.

Jesus não veio condenar ninguém, nem mesmo esses que o condenam. Não entenderam o coração, a lógica de Deus. Mas, também para eles, como para Paulo, o perseguidor, está levantada a cruz da misericórdia e de perdão. A mão de Deus está estendida; é preciso que a outra se abra para a receber. Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.

 

3. Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso (Lc 23,39-43)

Ora, um dos malfeitores que tinham sido crucificados insultava-o, dizendo: Não és Tu o Messias? Salva-te a ti mesmo e a nós também. Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o: Nem sequer temes a Deus, tu que sofres o mesmo suplício? Quanto a nós, fez-se justiça, pois recebemos o castigo que as nossas acções mereciam; mas Ele nada praticou de condenável. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim, quando estiveres no teu Reino. Ele respondeu-lhe: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso.

Jesus termina a sua vida, como tinha sido anunciado pelo profeta que escutámos na primeira leitura: Será contado entre os malfeitores” (22-37). Para o evangelista, esta é a imagem da sua vida dedicada a redimir a humanidade pecadora, não de fora, mas a partir de dentro, do estar, sem pecado, entre os pecadores. Estes dois crucificados são os representantes de toda a humanidade merecedora de morte, aos olhos daqueles que se consideravam mais justos e excluem os outros. Mas esses são antes de mais pecadores, precisamente por isso: porque não o admitem.

Neste homem começa a revelar-se a missão de Jesus na sua plenitude. Ele vem em nome do Pai, para chamar, não os justos mas os pecadores (Lc 5,32; Lc 19,10). Por isso, convive com os pecadores e come com eles (Lc 19,7), vai à procura da ovelha perdida (Lc 15,1-7) e espera sempre o regresso do filho querido que se perdeu (Lc 15,11-32). Este homem era verdadeiramente pecador e assassino. O único mérito dele foi ter reconhecido e acolhido, naquele que foi crucificado ao seu lado, o justo de Deus, a porta para a vida. Esta é a sua profissão de fé, semelhante à do centurião, junto da cruz de Jesus já morto – um outro protagonista na execução de Jesus – que, vendo o que acontecera, exclamou: verdadeiramente este homem era justo (Lc 23,47). São os primeiros frutos da redenção. Este foi verdadeiramente associado à morte de Jesus e é o primeiro (um pecador inveterado) a participar na Sua ressurreição.

A palavra do ladrão assume a súplica de toda a humanidade. É a última palavra que Jesus escuta nesta terra: Jesus, lembra-te de mim, quando vieres no teu Reino (23,42). A Sua resposta a este grito é também, no evangelho de Lucas, a sua última palavra dirigida à humanidade, pecadora mas amada: Hoje estarás comigo no paraíso. É o resumo de todo o Evangelho, da Boa Nova para os pobres, da a missão que Jesus veio realizar, revelando e realizando o desígnio salvador do Pai, através do dom da Vida.

 

4. Mulher, aí está o teu filho; filho, eis aí a tua mãe (Jo 19,25-27)

Junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua mãe e a irmã da sua mãe, Maria, a mulher de Clopas, e Maria Madalena. Então, Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse à mãe: Mulher, eis o teu filho! Depois, disse ao discípulo: Eis a tua mãe! E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a em sua casa.

Como fora a vida de Jesus assim é a sua morte. Ele não viveu voltado para si, mas para a sua missão, para realizar o projeto do Pai para a humanidade. Também agora, na hora da aflição, não fica autocentrado na sua dor, mas olha ainda à sua volta e vê a mãe e o discípulo.

São, evidentemente, duas pessoas queridas de Jesus. Mas, além disso, são representantes de duas realidades fundamentais: A mãe representa o Israel fiel, filho de Abraão, o crente, com o qual Deus se comprometeu com amor fiel. É nesse povo e no seio desta mulher – Maria – que Ele entrou na nossa humanidade. O discípulo João corporiza a comunidade nascente de Jesus, a Igreja.

A palavra de Jesus também não pretende simplesmente assegurar o cuidado da sua mãe na velhice, embora isso também esteja incluído. Trata-se de mais. Ao povo de Israel, Jesus pede que reconheça como seu filho e seu futuro o seu discípulo, representante da nova aliança no seu sangue, na sua cruz. Israel não deve renegar-se a si mesmo nem ao seu passado, mas deve abrir-se, por esta mãe nova, a ter filhos de toda a humanidade, realizando a promessa feita a Abraão de ser bênção para todas as nações.

Ao discípulo, Jesus, do alto da cruz, diz que considera Maria e o seu povo como sua mãe. O discípulo, a Igreja, nasce da descendência de Abraão e de David. A nova aliança não veio abolir a primeira. Deus continua sempre fiel à aliança, mesmo quando Israel ou os discípulos de Jesus possam não o ser.

Não pode haver rivalidade, ódio e morte quando se levanta a cruz como sinal de salvação. Exercer violência em nome da cruz, contra quem quer que seja, é a maior blasfémia contra a cruz; é negação daquele que nela foi cravado por renunciar à violência e acreditar no amor gratuito, universal e salvado de Deus. Aos pés da cruz, reconheçam-se como blasfémia todas as guerras religiosas e ódios em nome de Deus e da cruz de Jesus. Muitas vezes, neste dia de sexta-feira santa, os cristãos saíam da igreja e iam matar judeus nos seus guetos: quão distantes da verdadeira perspetiva da cruz! Qual negação daquele que implorou perdão para os seus algozes!

E esta deve ser a norma para qualquer diálogo com outras formas de acreditar e outras religiões. Nega-se a Deus quando em seu nome se destrói o homem. A cruz é o sinal da paz e de perdão, mesmo à custa da vida oferecida por amor, para que não se propague o vírus do ódio destruidor.

 

5. Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito (Lc 23,44-46)

Por volta do meio-dia, as trevas cobriram toda a região até às três horas da tarde. O Sol tinha-se eclipsado e o véu do templo rasgou-se ao meio. Dando um forte grito, Jesus exclamou: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. Dito isto, expirou.

As três palavras finais de Jesus na cruz, vamos meditá-las em conjunto. São, de facto as últimas que Ele pronuncia, no seu percurso como homem nesta terra. São Lucas, faz uma leitura muito sóbria e iluminadora que resume a vida de Jesus: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. O Espírito é a vitalidade do homem, feito do pó da terra e do sopro (espírito) de Deus. Trata-se da vida humana na sua inteireza, dinamismo e capacidade. O que Jesus coloca nas mãos do Pai é o seu ser humano. A missão recebida do Pai é levada até se esgotar, até à ultima gota de sangue. Tudo isso, que recebeu de Deus e administrou em favor da humanidade, entrega nas mãos do Pai. Mas entrega também o seu ser Filho amado, que veio ao mundo e regressa com toda a humanidade resgatada e recriada.

Essa é também a atitude que Ele deixa aos seus: vivam inteiramente a vida, acolham os dons de Deus com gratidão e responsabilidade, colocando-os ao serviço do Seu projeto, oferecendo-se como serviço e como amor. Não tenham medo, que a vida que vocês têm e administram desse jeito está sempre nas mãos poderosas e carinhosas do Pai do Céu. E quando, como eu, chegarem ao fim do percurso da terra, entreguem tudo isso com coragem e paz nas mãos do Pai. O resto do percurso, só mesmo Ele pode criar e conduzir, porque estará para além daquilo que vocês podem construir, orientar e até sonhar. E não tenham medo: o Pai nunca vos deixará cair das suas mãos.

 

6. Tenho sede (Jo 19,28)

Depois disso, Jesus, sabendo que tudo se tinha cumprido, para se cumprir totalmente a Escritura, disse: Tenho sede!

João tem uma leitura semelhante, mas mais desenvolvida, que revela o sentido da morte de Jesus para o futuro da Igreja e da humanidade. Ele refere um grito de Jesus agonizante: sabendo que tudo se tinha cumprido, para se cumprir totalmente a Escritura, disse: Tenho sede!. É um grito que reassume toda a vida de Jesus no cumprimento da vontade do Pai. A sua vida foi isso mesmo: realizar o projeto do Pai de dar a vida em plenitude ao mundo. Mas parece que falta algo a cumprir, pois diz-se: para se cumprir totalmente a Escritura, disse: Tenho sede!

O grito de sede não denta apenas a fisiológica de um condenado desidratado, embora isso seja mais do que natural. Essa sede tem outro significado e é muito importante.  O tema da sede e da água, estava prometido desde o início do evangelho de S. João, desde as bodas de Caná, onde Jesus tinha transformado a água em vinho e tinha prometido que havia de chegar a hora de saciar, com o vinho da alegria este casamento onde faltava o vinho do amor (cf. Jo 2,1-12). À Samaritana, Ele tinha anunciado uma água que sacia a sede de felicidade e de vida (Jo 4,14); em Jerusalém, tinha prometido que “se alguém tem sede, venha a mim e beba aquele que crê em mim. Como diz a Escritura, das suas entranhas hão de correr rios de água viva». Ora Ele disse isto, referindo-se ao Espírito que haviam de receber os que nele acreditassem. Com efeito, ainda não tinham o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado.

Agora é a hora da glorificação de Jesus e a hora de dar essa água que jorra até à vida eterna. Jesus tem sede dessa água da vida que é o Espírito, que se recebe no Batismo. Sem o Espírito de Deus nós continuaríamos a ser apenas seres humanos destinados à morte e limitados na nossa maneira de pensar e de agir. É desse Espírito que Jesus tem sede e anuncia a sua manifestação, a partir da sua humanidade glorificada no seu regresso ao Pai. Ele tinha dito que era necessário que fosse para o Pai, para enviar o Espírito (cf. Jo 15,5-7). Quando isso acontecer, Ele já não poderá mais falar com a língua dos homens; estará já junto do Pai, de onde enviará o Espírito.

Por isso, o grito de sede de Jesus liga-se, por assim dizer, com a primeira palavra na cruz: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? Essa exclamação e pedido de sentido e socorro recebe agora uma resposta: Só o Espírito de Jesus morto e ressuscitado pode saciar verdadeiramente o ser humano na sua demanda de felicidade e vida. Sem o dom do Espírito, a sua missão não estaria terminada. Por isso, faltava de facto uma profecia para cumprir. Agora sim, depois de ter anunciado o dom do Espírito, Jesus pode dizer que a sua missão como homem, nesta terra está plenamente cumprida e exclamou:

 

7. Tudo está consumado (Jo 19, 29-35)

Havia ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre uma esponja fixada num ramo de hissopo, chegaram-lha à boca. Quando tomou o vinagre, Jesus disse: Tudo está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. Como era o dia da Preparação da Páscoa, para evitar que no sábado ficassem os corpos na cruz, porque aquele sábado era um dia muito solene, os judeus pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. Os soldados foram e quebraram as pernas ao primeiro e também ao outro que tinha sido crucificado juntamente. Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas. Porém, um dos soldados traspassou-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água. Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o seu testemunho é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também.

O evangelista João, depois de parar em contemplação diante da morte de Jesus, continua revelando o sinal que cumpre as Escrituras e o projeto de Deus solenemente prometido pela sede de Jesus. É algo de tão importante que João faz dessa contemplação o ponto de chegada de todo o Evangelho: o dom do Espírito que jorra do peito trespassado de Jesus na cruz.

Os soldados partiram as pernas aos que tinham sido crucificados com Jesus, para que morressem de sufocação, não podendo apoiar-se nos pés para respirar. Chegando a Jesus, não se deram a esse trabalho, pois viram que estava já morto, mas trespassar-lhe o peito, e saiu sangue e água. O sangue é o sinal da vida, da vida levada até à morte violenta. Era por isso que João tinha explicado o modo de agir de Jesus, no início da narração da paixão: Tendo amado os seus que estavam no mundo, levou até ao extremo o seu amor por eles (Jo 13,1). A água é a promessa feita por Jesus ao longo do Evangelho, o dom do Espírito. A humanidade de Jesus, como expressão total do amor (o sangue) e o dom do Espírito do Pai (a água prometida) são o coroamento da missão de Jesus nesta terra, que introduzem na humanidade um novo dinamismo. A criação prodigiosa do homem, atinge uma nova dimensão ao participar do Espírito, da vida de Deus.

É à luz deste sinal que S. João anuncia o valor recriador e salvador da morte de Jesus: Sem o dom do Espírito, fruto da morte e ressurreição  de Jesus, a sua missão poderia ser notável, mas não traria bem substancialmente novo à humanidade. É o Espírito de Deus que nos permite viver realizando o projeto de Jesus de anunciar a Boa nova aos pobres, de dar vista aos cegos de libertar os prisioneiros e anunciar a misericórdia de Deus. É igualmente esse Espírito que nos liberta definitivamente das nossas limitações e fragilidades, fazendo-nos participar da morte e ressurreição de Jesus. É pelo Espírito que a morte de Jesus é verdadeiramente salvadora e radicalmente libertadora.

Aos pés da cruz, acolhemos este Espírito que brota do Coração aberto de Jesus, expressão do seu amor humano levado até ao dom da vida, manifestação do amor fiel de Deus que nunca deixa nenhum dos seus filhos cair no aniquilamento da morte.

Esta é a fé, a vida e a esperança que hoje professamos e anunciamos aos pés da cruz do Senhor.

+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal

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11 de Abril de 2020