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Igreja em Rede: Quinta-feira da Oitava da Páscoa – “Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia” (Lc 24, 35-48)

Igreja em Rede - formato diocese

Liturgia de Quinta-feira da Oitava da Páscoa

Comentário do Padre António Pires, Pároco da Costa da Caparica

Sermos cada um Simão de Cirene, o Convocado (aggareuein)

Nesta Oitava da Páscoa foi-me pedido que partilhasse convosco algumas reflexões. Faço-o com simplicidade, recorrendo com liberdade aos Evangelhos dos III, IV, e V Domingos da Quaresma; ao da Sexta-feira Santa; e aos de Terça-feira, Quarta-feira e Quinta-feira da Oitava da Páscoa, sem qualquer preocupação em anotar as citações.

Simão de Cirene

Tenho pena de que Simão de Cirene não tenha partilhado connosco o que viu e sentiu quando carregou a cruz de um homem exangue. Penso que não o fez porque não conseguiu descrever aquilo que não pode ser descrito. Carregou uma cruz que não era dele e, pela convocação, essa cruz passou a ser dele.

Sinto como ele, quando vejo diariamente dezenas, até hoje centenas de pessoas, que procuram o serviço da Igreja e que carregam uma cruz com muitos nomes: medo, doença, fome, solidão. Cruz que passou a ser também a nossa. Em boa verdade, todos hoje somos Simão de Cirene.

E, sendo Simão de Cirene, como não convocar aqueles que, em liberdade, responderam ao chamado?

Rabuni, a samaritana e Maria Madalena

Penso nas duas, rezo com elas, e não me é fácil fazê-lo. Sou como a samaritana agarrada ao poço e também como Maria Madalena, escrava do choro.  Eu, talvez mais escravo da ruminação. «Rabuni, dá-me dessa água», disse uma. «Não me prendas», disse Jesus a outra.  Não, não fiques presa.

Ambas se sentem livres para iniciar uma nova ocupação, a de lavadoras de pés. Com dificuldade estendo os meus pés para que elas mos lavem, e sinto um sopro nos meus ouvidos: «Abre-te». Uma nova ocupação: lavador de pés. Uma nova arte. E eu, tão enferrujado e desajeitado. Descurei a ginástica (do serviço), notei isso na Oração Universal da Sexta-feira Santa…

O cego de nascença e os cegos de Emaús

Também os convoco nesta Oitava da Páscoa. Gosto de os ouvir. Falam para que eu os oiça. Forço-me a ouvi-los, apesar de me ocuparem muito tempo. Sou mais cego que eles e habituei-me às selfies espirituais. Sou rápido nos julgamentos: Quem pecou? Ele, ou a família? Deixa de ser pecador!

A minha cegueira é uma pobreza. «Queres ver?», pergunta Jesus ao cego. Claro que quero ver. Ele, eu, nós queremos ver. Quem não quer ver? Mas as narrativas são muito longas, a do cego de nascença e as dos discípulos de Emaús. Não se fez luz na rapidez de dois minutos com que eu acendi o círio pascal. Mas, ao acendê-lo, fi-lo com o mesmo «ardor no coração».

Também eles, agora que vêem, se vão tornar lavadores de pés. Por isso os escuto e tento imitá-los à medida que vou permitido que eles me lavem os pés. «Senhor, fica connosco» nestes dias que são noite. Ele fica, alimenta-Se dos alimentos do serviço da Igreja, essa verdadeira multiplicação dos pães. Tenho quase a certeza de que eles, o cego e os discípulos de Emaús, me tocam nos olhos. Sou como o outro cego: ainda não estou completamente curado, ainda confundo «as árvores com os homens».

As irmãs e Lázaro, os discípulos e o Ressuscitado

Escuto as irmãs de Lázaro e os amigos que se queixam de Jesus. Eles têm razão: «Senhor, se estivesses aqui, ele não teria morrido»; «Se fosses amigo, ele não teria morrido.» São estas as frases que também eu Lhe digo diariamente. E respondo com dificuldade à Sua provocação: «Acreditas?» Acredito, eu sei que és o Senhor.  E Ele acrescenta: «Então porque estais perturbados, porque se levantam esses pensamentos nos vossos corações?». Oiço o chamamento que Ele faz a Lázaro: «Sai cá para fora.» «Vede as minhas mãos e os meus pés; sou Eu, sou Eu mesmo. Tocai e vede-Me».

Também eles se vão tornar verdadeiros lavadores de pés. Eu já usufruo desse seu serviço. Mas sou como Lázaro, ainda me atrapalho com as ligaduras que me enfaixavam.

Nestes dias que são noite, obrigo-me a sentar-me. Sentimos o peso da cruz. E deixo que eles me lavem os pés. Aprendo com eles, quero ser um aggareuein, um requisitado.

Padre António Pires

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16 de Abril de 2020