Liturgia de Sábado da Oitava da Páscoa
Comentário do Padre Daniel Moreira Miguel
[Não é demais recordar que o texto bíblico vale infinitamente mais do que qualquer outro texto. Por isso recomendo: leia-se o comentário depois de lidas as leituras. A leitura meditada das Escrituras poderá até tornar inútil este comentário. Tanto melhor.]
A primeira leitura deste Sábado da Oitava Pascal dá-nos conta da má vontade dos anciãos do povo para receber o Evangelho que Pedro e João anunciavam. É fácil perceber a sua relutância: a nova corrente religiosa fazia-lhes concorrência. Mas além de se sentirem ameaçados, estavam também surpreendidos e perplexos com o que sucedia.
É que Pedro e João tinham feito um milagre e alguns desses anciãos tinham visto o coxo curado. Não podiam negar que o milagre se tinha realizado. Não podiam acusar Pedro e João de serem falsos curandeiros.
Diante da sua perplexidade, a consequência mais racional é que aderissem ao milagre que não podiam negar, que se deixassem interpelar pelo prodígio que viam, ou, pelo menos, que dessem o benefício da dúvida a Pedro e João – que os interrogassem sobre a mensagem que anunciavam e sobre os seus poderes milagrosos. Contudo, não se abriram à mensagem dos Apóstolos.
A moral da história parece fácil: que malvados por não terem acreditado no Senhor Jesus!
Mas o Evangelho não nos permite esta conclusão.
A menos que queiramos aplicar a mesma sentença aos discípulos… Também eles não acreditaram em Maria Madalena que lhe anunciava a Ressurreição. Também eles não deram crédito aos dois outros discípulos que viram o Senhor. E, mesmo depois de O verem, não queriam acreditar.
A nossa tendência será inevitavelmente desculpar a pouca Fé dos discípulos, com os quais simpatizamos, mas sermos implacáveis com a incredulidade dos anciãos do povo, com os quais não nos identificamos.
Porém, como também nós vivemos momentos de incredulidade e de dúvida, será bom lembrar que afinal também somos discípulos incrédulos e muito parecidos com aqueles anciãos. Essa constatação obriga-nos a ser um pouco mais indulgentes com estes que não creem.
A verdade é que o Evangelho é coisa difícil de aceitar. Acreditar não é automático. Tentamos falar de Jesus aos nossos e tantas vezes não corre bem. Não somos bem acolhidos. Não obtemos resultados. Semeamos e colhemos pouco, ou nada. E o mesmo pode já ter acontecido connosco: alguém falar-nos das coisas de Deus e nós sem querer ouvir…
É que o Evangelho se transmite misteriosamente de pessoa a pessoa. Por isso é tão difícil de transmitir.
Uma coisa sabemos: quando começamos a acreditar, queremos que os outros à nossa volta também passem a acreditar. Por isso é que Maria Madalena foi logo anunciar aos discípulos que o Senhor estava vivo. Por isso é que os dois que viram o Senhor, imediatamente O foram comunicar aos outros. Correspondiam já ao pedido de Jesus: «Ide por todo o mundo e proclamai o Evangelho».
Anunciar para que os outros acreditem ajuda-nos a crescer na Fé. Mas isso não vai lá só com palavras. A Fé é um dom de Deus. Por isso se queremos ajudar alguém a descobri-la, algumas vezes teremos de falar explicitamente de Jesus. Mas antes disso será preciso preparar o terreno: será preciso rezar (muito) por essa pessoa, pedindo a Deus que se lhe manifeste e lhe conceda a graça de se abrir à Fé.
Sem a oração não conseguiremos progredir na evangelização.
Padre Daniel Moreira Miguel