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Igreja em Rede: Homilia de D. José Ornelas na Eucaristia do V Domingo da Páscoa

2017-05-MAI-Msg-Comunicacao-Social

O tempo pascal que estamos a viver até ao Pentecostes ajuda-nos a tomar consciência do significado para nós da vida, morte e ressurreição de Jesus. Ele veio até nós, enviado pelo Pai, que quis, através dele, comunicar-nos plenamente a sua vida, fazer-nos entrar na sua família e libertar-nos das nossas limitações, dando-nos a sua vida que não acaba nem na morte, pelo dom do seu Espírito Santo.

No evangelho de hoje (Jo 14,1-12) o evangelista João diz-nos como Jesus, na sua última ceia com os discípulos, anuncia que vai deixá-los: vai passar pela morte, mas que isso não é o fim da vida. Ele vai ressuscitar e abrir também para eles (e para nós), o caminho para a vida que não acaba. Diz mesmo que vai “preparar um lugar” para eles junto do Pai. Isto é: eles seguiram Jesus nesta, aprendendo com Ele uma nova forma de viver e transformar este mundo à luz do projeto de Deus, hão de segui-lo também na morte, a fim de participarem com Ele na vida definitiva junto do Pai. Para eles, como para Jesus, o sofrimento e a morte não são o fim do existir, mas fazem parte da vida nesta terra e abrem caminho para a vida total junto de Deus.

Esta é a primeira indicação desta Eucaristia: pela sua Palavra, pelo dom do seu Espírito, pela atualização deste dom nos sacramentos da Igreja, o Senhor ressuscitado convida-nos a seguir os seus passos, transformando e melhorando este mundo, e a segui-lo também até um mundo novo, livre do sofrimento e da morte.

Mas, este caminho que Jesus nos propõe não é um percurso solitário de cada um com Cristo. Não! Aderir a Ele, acreditar nele, tem uma primeira consequência: aderir ao grupo daqueles que ouvem a sua Palavra e a põem em prática. Por isso, Ele foi chamando discípulos que formaram um grupo e, uma vez ressuscitado, enviou sobre eles o Espírito Santo e mandou-os a convocar outros, de todos os povos da  terra, para formarem uma comunidade maior, a sua Igreja, fermento de um mundo novo.

De facto, Jesus não vem chamar-nos diretamente para o céu. Essa é a meta do nosso caminho, mas não ficamos aqui apenas à espera dessa bem-aventurança eterna. A palavra e o seguimento de Jesus chamam-nos a transformar este mundo, como Ele fez. A Igreja é chamada a ser um laboratório do mundo novo, pregado e sonhado por Jesus, onde as pessoas se entendem, se ajudam e partilham os dons que recebem de Deus.

É essa imagem da Igreja que encontramos na descrição dos Atos dos Apóstolos (At 6,1-7), o livro da Bíblia que nos traça a imagem inicial da Igreja, a partir do Pentecostes.  É um texto muito inspirador, também para nós hoje.

E a primeira coisa que nos diz esta narração é que a comunidade cristã não é perfeita, mas é constantemente chamada a converter-se, a caminhar, a encontrar caminhos de justiça, de fraternidade e amor recíproco. Diz-se, de facto, que “tendo aumentado o número dos discípulos, os de língua grega começaram a murmurar contra os hebreus, porque no serviço diário não se fazia caso das suas viúvas”. Esta era uma Igreja missionária e aumentou o número dos seus participantes, que praticavam a partilha dos bens, de modo que entre eles não havia quem passasse mal, porque quem tinha repartia com quem não tinha nada (cf. Act 4,32-37). Mas, a primeira comunidade de Jerusalém, (como as nossas) tinha pessoas de diversas origens: os judeus da Palestina, de língua aramaica e os imigrantes oriundos de todo o império romano, que falavam grego e eram mais pobres. Surgem divergências e murmurações, pois parece que, nessa partilha de bens, não se dava atenção às viúvas pobres dos imigrantes. Esta será sempre um realidade a ter em conta na Igreja que caminha, que se abre, que se defronta com novos desafios. A Igreja não é perfeita, mas está sempre a caminho, sempre a purificar-se, pela ação do Espírito que a anima.

O caso é levado aos apóstolos, os responsáveis da comunidade. Estes não escondem as imperfeições da comunidade; não fecham os olhos a quem precisa, nem à injustiça. Antes de mais, reúnem a comunidade (não decidem sozinhos) para encontrarem a solução para o problema, procurando caminhos de comunhão e de fraternidade, conforme tinham aprendido das palavras e ações de Jesus.

É juntos que procuram a solução para as dificuldades, os apóstolos e a comunidade. Os apóstolos apresentam depois a solução, que passa por organizar melhor a comunidade, a fim de que não haja injustiças e ninguém fique esquecido. Os apóstolos, primeiros responsáveis da comunidade, não reivindicam para si o controlo de tudo. Não decidem sozinhos, mas reúnem a comunidade para decidir. Além disso, eles reconhecem que, como há diversas necessidades, também há pessoas com qualidades para cada uma delas. Por isso elegem outros irmãos para esses serviços. Escolhem gente dos diferentes grupos, para que a comunhão seja diversificada e impõem-lhes as mãos, sinal da comunicação do Espírito, para operarem em nome e segundo o estilo do Senhor ressuscitado.

O resultado foi uma reorganização da comunidade, acentuando o seu caráter comunitário, a participação na busca de soluções e a articulação dos serviços para o bem de todos. A comunidade reorganiza-se em função da sua identidade e fidelidade a Deus (oração), em ordem à missão (anúncio da Palavra) e em ordem à caridade para com quem precisa. Os eleitos para estas funções têm o nome de “diáconos”, que significa “servos”. Administrar, governar, coordenar, na perspetiva do Evangelho, é sempre um servir, como dizia Jesus de si mesmo: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela multidão” (Jo 10,45).

É uma imagem linda e desafiadora para a nossa Igreja. Uma Igreja capaz de se mobilizar e organizar para permanecer em comunhão com o seu Pastor e entre os irmãos e para responder aos desafios de cada tempo e situação. Guiada pelo Espírito, a Igreja é chamada a mudar o que é preciso, para ser fiel à sua identidade e à sua missão, em cada tempo e lugar. Uma Igreja que sabe que não é perfeita, mas não se resigna à miséria, à injustiça e às desigualdades e procura sempre converter-se e encontrar soluções novas para problemas novos, movida, não por interesses mesquinhos de importâncias e rivalidades, mas pelo amor que vai ao encontro daqueles que mais precisam e reconcilia os desavindos.

Ao longo desta pandemia, a nossa Igreja de Setúbal tem sido generosa e criativa, para ajudar a comunidade a ficar unida durante o confinamento, através das transmissões das celebrações que deram um contributo precioso para avivar a oração e meditação familiar, mantendo a ligação comunitária e levando mais longe a palavra de Deus e a presença da Igreja. Este esforço vai continuar, agora que esperamos o recomeço das celebrações presenciais das comunidades.

Mas defrontamo-nos com um enorme desafio, que tem semelhanças com aquilo que ouvimos na primeira leitura de hoje: cuidar daqueles que passam necessidade, em consequência do desemprego, da falta de meios, da exclusão social. Já agora, as nossas paróquias e instituições estão a dar ajuda a mais de 4.000 famílias (correspondente a cerca de 13.000 pessoas). Será necessário potenciar os meios necessários para atender ao número de casos que não cessa de crescer. Como a primeira comunidade de Jerusalém, vamos pôr ao serviço de quem precisa os meios que podemos partilhar e vamos organizar-nos melhor para partilhar e servir, face às crescentes necessidades que nos rodeiam.

As nossas igrejas, os nossos templos vão abrir-se, e espero que seja possível antes do que tem sido anunciado. Vão abrir-se para as nossas celebrações, que nos estão a fazer falta. Mas vão abrir-se também para a partilha com aqueles que mais precisam. Todos somos chamados a colaborar, seja na partilha de bens e meios que fazem falta, seja nos serviços de organização e distribuição. Sejamos todos generosos! Peço aos nossos jovens, que mostraram tanta presença e competência ao serviço da comunidade nos meses passados, que não recuem, mas que tragam outros colegas para esta campanha de solidariedade.

A Diocese, presidida pelo Bispo e feita pelas paróquias, também se está a organizar para ajudar a que a todas as comunidades chegue a generosidade de quem partilha. Estamos para lançar uma campanha de recolha e distribuição de recursos em toda a Diocese. A Diocese não substitui as paróquias, mas pode ajudar que quem tem mais possa ajudar a quem menos possui. A Cáritas diocesana, que é a expressão da caridade de toda a Igreja de Setúbal, porá ao serviço deste projeto toda a sua experiência e serviços, para que possamos colocar todos os nossas recursos ao serviço de quem está a ser mais atingido por esta crise, para que ninguém seja deixado sozinho.

Todos os que quiserem partilhar e colaborar, dirijam-se, antes de mais, à sua paróquia, bem como todos os que precisam de ajuda. Se desejarem, dirijam-se também à Diocese, através da Cáritas, para que possamos colocar ao serviço de todos os dons que Deus generosamente nos concede. Uma conta será criada para receber, de pessoas e empresas, a ajuda para todos.

Que este período crítico que estamos a viver e vai certamente prolongar-se ainda por muito tempo, nos veja unidos em Igreja, fiéis ao Senhor ressuscitado que nos dá força, generosidade e esperança, de modo que possamos ultrapassar a crise, reconfirmados na fé, unidos e solidários na partilha e solícitos e misericordiosos na atenção a quem mais precisa.

+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal

 

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11 de Maio de 2020