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Igreja em Rede: D. José Ornelas celebrou Solenidade da Santíssima Trindade em Pegões

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Homilia da Eucaristia presidida por D. José Ornelas, Bispo de Setúbal, na Paróquia de Pegões no passado domingo.

A solenidade da Santíssima Trindade que hoje celebramos, convida-nos a deixar-nos fascinar e transformar pela revelação do amor prodigioso de Deus que vem sempre ao nosso encontro em qualquer situação da nossa vida.

Nós aprendemos a falar de Deus único Senhor do universo e das nossas vidas e começamos no credo dizendo “Creio em um só Deus”. Mas, ao mesmo tempo, reconhecemos que Ele é Pai que nos ama com imensa ternura; que é Filho, em Jesus, manifestação do Seu amor em forma humana; e é Espírito Santo, que nos transforma e nos insere na Sua própria vida, no seu amor e no seu poder que nos livra de todo o mal e da própria morte.

Esta ideia de um Deus trino não é uma teoria sobre Deus (a ninguém viria a ideia de falar nestes termos, se não fosse o modo de ser, de agir e de falar de Jesus). Deixemo-nos conduzir pelas leituras que escutámos, para procurar entender e deixar-nos guiar à luz do rosto de Deus.

 

“Mostra-me o teu rosto”

A primeira leitura fala-nos do pedido de Moisés a Deus, perante a fadiga que sentia para falar dele ao seu povo e para conduzi-lo pelo caminho da liberdade, da justiça e da dignidade. O povo tinha acabado de cometer o pior pecado contra Deus, que foi afastar-se dele para ir atrás de outros deuses, que não salvam, que não têm vida. A Moisés, Deus diz que, longe da sua presença e das suas orientações, o povo não tem futuro e caminha para a morte. Por isso, Moisés pede a Deus que mostre o seu rosto, que lhe faça perceber, e ao povo, quem é o Deus que os chama e qual o futuro a que os conduz.

Deus acede ao pedido de Moisés, mas diz-lhe: “Não podes ver a minha face!”, isto é, Deus está muito acima daquilo que tu e o teu povo pode entender e dominar. Mas Vou passar diante de ti e vou pronunciar o meu nome, para que entendas quem Eu sou, “depois ver-me-ás por detrás, depois de eu ter passado”. Estas palavras, que precedem o texto da primeira leitura dizem duas coisas fundamentais:

  • Deus é imensamente maior daquilo que nós podemos saber e dizer acerca dele. Não somos nós que fazemos discursos e definimos quem Deus é, mas é Ele que se revela e nos vai mostrando quem Ele é.
  • Moisés e o povo hão de sempre aprender a conhecer Deus quando Ele passar nas suas vidas, quando receberem a sua Palavra que os guia, quando experimentarem a sua presença libertadora e congregadora, que torna possível a felicidade, a paz, o futuro.
  • Desse modo, cuidando do seu povo, Deus ensina-os a reconhece-Lo como seu Senhor e guia que os ama. É algo de semelhante ao que acontece nas nossas famílias: os filhos, ao nascer, começam a conhecer os pais e a dar-se conta que deles tudo esperam e tudo recebem. Pelo contato com a mãe, pelo alimentar-se ao seu peito, pelo som da sua voz e da do pai, pelo conforto e carinho que deles recebem. Daí nascerá também o amor com que vão olhar para os pais.

Mas, em seguida, Deus apresenta-se, em palavras humanas, mostrando aquilo que é essencial que Moisés e o povo tenham sempre presente. Passando diante de Moisés, Deus explica o que significa o Seu nome: “O Senhor! O Senhor! Deus misericordioso e clemente, lento para a ira, cheio de ternura e de fidelidade.” Perante um povo que é sempre frágil, tem falta de compreensão e segue outras tendências que levam por caminhos errados, Deus não se comporta como um juiz frio e punitivo. Ele é um Deus misericordioso e clemente perante as falhas do seu povo, como um pai e uma mãe perantes os seus filhos. Não é um juiz severo, mas é lento para a ira e sempre pronto para mostrar ternura e fidelidade para com o seu povo. Isto é, mesmo que o povo seja infiel à aliança, Deus permanecerá sempre fiel e cheio de amor e cuidado.

 

O Filho que mostra o imenso do amor do Pai do Céu

O trecho do Evangelho de São João que hoje lemos continua esta apresentação de Deus, agora de uma forma muito mais clara, porque assume uma forma humana – um homem como nós – em Jesus, que Deus chama de seu Filho amado.

O próprio Jesus revela a razão que levou Deus a enviá-Lo ao mundo: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.”

Deus não é o juiz que dá salvação e condenação. Ele é sempre salvação. Nós só pudemos sair da salvação se nos separarmos de Deus. Se tivermos dúvidas sobre o modo como Deus olha para nós e nos trata, olhemos para a vida, morte e ressurreição de Jesus. Como enviado do Pai do céu, Ele fez-se homem como nós, sofreu o nosso sofrimento, experimentou as nossas alegrias, as nossas frustrações, anseios e esperanças, até a nossa morte. Mas a morte não tem poder sobre Ele e está vivo, para nos dar vida.

O Espírito que nos faz filhos/as de Deus

Mas Jesus não veio apenas dar o exemplo do que é a vida e o amor de Deus. Ele veio introduzir-nos nessa família e no modo de ser de Deus. Ensinou-nos a chamar Deus como “Pai nosso”, pelo Espírito que nos torna seus filhos/as. Pelo batismo, como crianças recém-nascidas, nós aprendemos a identificar Aquele que nos ama com amor de Pai/de Mãe. Esta ligação amorosa da criança com os pais é fundamental. Sem ela a vida não seria possível.

Também é assim na relação com Deus. É o Espírito de amor de Deus que nos agrega à Sua família, tornando-nos filhos/as como Jesus. Com Ele, nosso irmão mais velho, aprendemos a ser filhos/as do Pai do Céu. Essa é a raiz da nossa alegria, da nossa esperança e também do nosso modo de viver, porque, no Espírito que recebemos, vamos aprendendo a pensar e agir como o Pai do céu.

 

Como filhos/as de Deus, aprendemos os gestos do Pai, no seu Espírito, guiados pelo exemplo de Jesus, nosso irmão mais velho. Por isso, como Ele, enchemo-nos de sentimentos e atitudes de amor, de serviço, de partilha dos dons que recebemos por aqueles que mais precisam.

Assim, olhar para Deus não é apenas um ato de piedade: é um dinamismo que transforma a vida e as atitudes e nos leva a transformar o mundo. Neste tempo marcado pela grande crise da pandemia, olhar para Deus dá-nos dois sentimentos fundamentais:

Primeiro dá-nos uma grande confiança no poder e no amor do Pai do céu. Enchemo-nos de responsabilidade na defesa da vida (nossa e dos outros), mas também nos sentimos livres do medo e da angústia, porque a nossa vida está nas mãos do Grande Senhor, o Pai do céu que nos quer bem.

Em segundo lugar, aprendemos de Deus, pelo exemplo de Jesus, a cuidar deste mundo, a partilhar com quem precisa, a ser pessoas de transformação, através de atitudes de misericórdia, de partilha, de esperança. Porque recebemos o dom do Espírito de Jesus, empenham-nos na construção de um mundo melhor, sem nunca perder de vista que o nosso caminho há de terminar nos braços de felicidade e vida do Pai do céu.

É isso que celebramos hoje dizendo, “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Que o Senhor nos dê sempre a alegria e paz de nos considerarmos filhos e filhas de Deus e, à luz do projeto do Pai, transformarmos este mundo e esta vida como Ele nos ensina.

+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal

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09 de Junho de 2020