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Igreja em Rede: Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo – “A minha carne é verdadeira comida, o meu sangue é verdadeira bebida.” (Jo 6, 51-58)

Igreja em Rede - formato diocese

Liturgia da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

Comentário à liturgia de hoje pelo Padre Daniel Nascimento

Na celebração da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo (ou Corpo de Deus, como habitualmente dizemos), é de uso comum um cântico que tem por refrão: “O Corpo de Jesus é alimento, o seu Sangue bebida verdadeira. Viverá para sempre o homem novo,  que tomar deste pão e deste vinho” (pode ouvir aqui, numa versão do coro da catedral de Coimbra). A letra recorda-nos imediatamente o Evangelho deste dia, tirado do capítulo 6 de São João, o chamado “discurso do Pão da Vida”, onde Jesus se identifica com o Pão que vem do Céu.

Para alguém medianamente instruído nas coisas bíblicas, ontem como hoje, isto recorda o “maná”, isto é, o pão dado por Deus ao povo de Israel que, conduzido por Moisés, atravessa o deserto em busca da terra prometida (como podemos ler nos livros do Êxodo e Números). Mas por várias vezes o povo murmura, revolta-se, quer voltar para trás, prefere a segurança da escravidão egípcia aos perigos da liberdade; aí intervém Deus, para assegurar ao povo que não caminha sozinho, que o Deus Salvador não os abandona.

Mas, ao contrário do alimento fornecido no deserto, o pão que é Jesus não sacia apenas a fome do momento: é alimento que dá a vida verdadeira, plena, eterna. É, portanto, alimento para a Igreja que somos. Este é um primeiro aspeto fundamental da celebração do sacramento da Eucaristia: esta é alimento, não tanto para o corpo como para a alma. Não é um mero símbolo ou recordação de coisas do passado, mas sim convívio com o Senhor e partilha dos seus dons. É onde nós, novo povo que caminha pelos desertos da vida (e quão desertos nos têm parecido ultimamente!) encontramos Aquele que verdadeiramente sacia.

Por outro lado, encontramos também no refrão do cântico uma referência ao “homem novo” que viverá para sempre. Esta expressão encontra-se nas cartas de São Paulo, que fala da necessidade de se despir do “homem velho”, aquele que está agarrado aos apetites humanos, e de ser “homem novo”, revestido de Cristo, que renova tudo e todos (Cl 3,9-10). Esta substituição do “homem velho”, o escravo do pecado, pelo “homem novo”, o discípulo, acontece na Cruz. E é para aí também que a Eucaristia nos remete, não só para o banquete da Última Ceia, mas também para a crucifixão do Senhor.

Diz-nos o Catecismo da Igreja Católica: “A Eucaristia é, pois, um sacrifício, porque representa (torna presente) o sacrifício da cruz, porque é dele o memorial” (CIC 1366). Esta palavra “memorial” é muito importante, porque vai mais além do sentido que normalmente damos a uma recordação ou à celebração de um aniversário. Os acontecimentos recordados tornam-se de certa forma presentes e atuais, para que conformem a vida do crente, ou seja, para que a sua vida seja, por assim dizer, moldada ou plasmada pelas mãos de Deus.

O banquete eucarístico não é então um simples convívio, uma vez que tem no centro Jesus, que nos amou e deu a vida por nós (Gl 2,20). É sacrifício, no sentido profundo da palavra: ação sagrada. A qual não “vemos” ou “assistimos”. “Participamos”, tomamos parte, não ficamos indiferentes, porque somos “mártires” (isto é, testemunhos) do amor interminável de Deus.

Nestes tempos de incerteza, haverá algo de melhor do que nos deixarmos fortalecer por este sacramento de salvação? É na resposta a esta pergunta que se joga o sentido da solenidade do Corpo de Deus.

Padre Daniel Nascimento

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11 de Junho de 2020