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Corpo de Deus: D. José Ornelas presidiu a Eucaristia na Sé de Setúbal

Homilia da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue do Senhor, celebrada na Sé de Setúbal com exposição do Santíssimo Sacramento.

Celebrar a Solenidade do Corpo e Sangue do Senhor, neste tempo ainda de contenção, mas, também, num processo de saída do grande confinamento a que nos levou a pandemia que assolou o mundo. Esta celebração, hoje, dá-nos uma perspetiva de transição, de desafio e de esperança, que se concentram na celebração da Eucaristia.

As três leituras que acabámos de proclamar ajudam-nos a dar sentido a este tempo à luz da Eucaristia que hoje celebramos.

Deus torna possível o caminho

A primeira leitura, tirada do livro do Deuteronómio, traz-nos um trecho do discurso de Moisés, o líder enviado por Deus para libertar o povo da escravidão do Egito e conduzi-lo, através do deserto, até à terra que Deus lhe prometera.

Moisés fala do caminho acabado de percorrer, durante 40 anos, mostrando as dificuldades do percurso, mas igualmente a sua importância e sobretudo, a presença libertadora de Deus, sem o qual a caminhada não teria sido possível.

Deus não quer o mal, nem a escravidão, o sofrimento ou a morte. Por isso enviou Moisés como libertador para a liberdade. Mas esse caminho, para a liberdade, a dignidade e a paz não é um caminho fácil. Para chegar à terra da promessa, é preciso percorrer um deserto árido e seco, contar com a escassez de alimento e de água e tantas outras dificuldades naturais, para além da oposição de inimigos insidiosos.

Deus conhece a situação difícil do seu povo e nunca deixa de estar ao seu lado, nos momentos mais críticos da caminhada. As dificuldades foram provas difíceis, mas foram ocasião para o povo sair retemperado e reforçado. Deus nunca desiste do seu povo e, sem Ele, não teria sido possível atingir a terra onde eles estão prestes a entrar.

A água do rochedo e o maná (o pão do céu) são fenómenos naturais no Sinai, mas são sobretudo sinais de que Deus nunca abandona o seu povo peregrino da pátria que lhe oferece. Esta é a grande mensagem que Israel conservará para as gerações futuras. Com esse pão Deus não só saciou a fome dos estômagos, mas saciou a fome e sede do coração desencorajado e temeroso, para tornar possível o futuro.

Hoje, esta é a primeira mensagem para nós. Encontramo-nos, de algum modo, como os israelitas, num período de transição do deserto da pandemia. Não foram fáceis estes meses, nem o serão os próximos diante de nós. As dificuldades não nos farão sucumbir, se tivermos o olhar posto no caminho e nos objetivos que nos movem. E sobretudo se tivermos o coração bem firme na presença de Deus que nunca nos abandona, nem no sofrimento e mesmo na morte. O pão que Ele vem partilhar connosco é sinal dessa presença libertadora e salvadora.

Deus reúne o seu povo e prepara a mesa da comunhão e da vida

Na segunda Leitura, São Paulo fala-nos diretamente da Eucaristia, banquete que Deus prepara para o seu povo, reunido pela vida, morte e ressurreição de Jesus. Um povo que provém de todos os povos da terra, mas que é reunido pelo Senhor Jesus, que se torna presente no meio dos seus, na Eucaristia.

Uma pessoa só não transforma o mundo. O Pão e o Vinho, Corpo e Sangue, do Senhor são alimento e bebida que alimentam esta nova família, este novo povo, vindo de todas as raças, culturas e línguas da terra formando um novo povo, sem descriminações ou exclusão de ninguém. A reunião da comunidade é já sinal desse mundo novo, sempre imperfeito, mas sempre a caminho.

Nestes dias temos visto o mundo erguer-se para condenar o racismo, a injustiça e a exclusão. A Eucaristia é a expressão do sonho de Deus de fazer chegar a toda a humanidade o pão da dignidade, da solidariedade e da vida e o vinho da generosidade, da alegria, do amor. Não se pode participar na eucaristia e ser racista, não se pode partilhar o pão de Deus e dizer a um irmão que se senta ao meu lado “vai para a tua terra!”. A Eucaristia faz da Igreja um laboratório do mundo segundo o projeto de Deus.

Receber o dom de Deus e partilhá-lo

O caminho para transformar o mundo é-nos apresentado no capítulo 6 do Evangelho de S. João. Jesus começa por compadecer-se da multidão que acorre a Ele, porque tem sede de vida, de saúde, de esperança, de justiça… Jesus compadece-se desta multidão e começa por falar ao seu coração e abrir os olhos à esperança.

Depois, movido de compaixão, porque estavam famintos, Ele dá graças a Deus e  multiplica para eles o pão. Eram poucos pães que um rapazito tinha trazido para a sua fome, mas que, como Jesus, ao ver que todos tinham fome, começou a pensar que o seu pão não podia ser só para a fome dele. Por isso, colocou o pão nas mãos de Jesus. E, quando uma comunidade coloca o pão que tem nas mãos de Jesus, Ele dá graças e o pão multiplica-se e chega para todos.

Este é o primeiro sinal transformador da Eucaristia que celebramos. Colocamos sobre o altar os nossos dons que se tornarão pão de vida para todos, com a presença transformadora de Jesus. A Eucaristia transforma-nos em gente que partilha, que multiplica, que distribui. Nos tempos que estamos a viver, esta dimensão será muito importante, para que ninguém fique abandonado e o necessário para viver. Esta é a primeira dimensão da nossa partilha eucarística..

Mas, no trecho do Evangelho de hoje, Jesus vai muito mais além. Cada um só pode partilhar aquilo que possui, como o menino que entregou o pão da sua sacola para matar a fome da multidão. Mas Jesus sabe que a nossa sede não se sacia apenas do pão das nossas mesas e das nossas sacolas. Há um pão que só Ele pode dar que é o Espírito, que nos faz participar da vida de Deus. A nossa partilha não chega para saciar a nossa fome de vida.

Como homem Ele veio partilhar a nossa vida, drama e esperança e infundir em nós outra vida, outra esperança. Mas também veio partilhar connosco a sua vida de Filho de Deus, o seu Espírito. Essa é a solidariedade e a compaixão simbolizadas pelo menino que oferece aquilo que tinha. Na Eucaristia, Jesus oferece aquilo que é, como Filho de Deus. Estender a mão para receber e comer (interiorizar, viver) esta forma de ser homem novo (comer a carne de Jesus) é a única forma de ter parte na vida de Deus. Por isso Jesus declara solenemente: “Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a Carne do Filho do homem e não beberdes o seu Sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a mina Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna.”

É por isso que, a Eucaristia é o centro e o resumo da vida cristã. Não é apenas um ato de piedade; é o assumir em si (comer e beber) o ser de Jesus, pelo seu Espírito: a sua maneira de viver, de pensar, de tratar os outros, especialmente quem mais precisa. É viver unido ao Pai, participando no mundo reconciliado e anunciando, desde agora, o banquete definitivo na casa do Pai.

Por isso, é tempo de voltarmos à comunidade. Foi necessário o confinamento, mas, com responsabilidade e em segurança, temos de refazer os laços de fraternidade que o Senhor cria com o seu Corpo e Sangue, geradores de vida, de comunhão e de missão. Como vedes, é possível vir à Igreja e celebrar com alegria e segurança. Para isso se tomaram providências e se conta com a responsabilidade de todos.

Vivamos assim com confiança este dia, a partir das três dimensões que a Eucaristia nos convida a tornar realidade na nossa vida:

A fé e confiança na presença de Jesus presente em toda a nossa vida pessoal e da Igreja e especialmente no dom central da Eucaristia;

A comunhão fraterna com os irmãos e irmãs que fazem da celebração da Eucaristia a fonte da unidade, da partilha, no Corpo e Sangue de Jesus.

O acolhimento do maior dom de Deus que é o dom do seu Espírito, presente no Pão que se transforma na vida de Jesus que nos alimenta no caminho até a meta da vida junto de Deus.

+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal

 

Corpo de Deus: Eucaristia presidida por D. José Ornelas, na Sé, e jornada de adoração ao Santíssimo Sacramento nas Paróquias da Diocese

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12 de Junho de 2020