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Liturgia Diária: Homilia de D. José Ornelas no XII Domingo do Tempo Comum

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O Bispo de Setúbal celebrou a Eucaristia este domingo na Igreja de Nossa Senhora da Graça e na Comunidade de Santa Marta do Pinhal, na Paróquia de Corroios.

As leituras deste domingo XII do ano, convidam-nos a olhar para a adesão ao Evangelho e para o seguimento de Jesus com todo o realismo e alegria. Ser discípulo/a comporta a alegria profunda do coração, na confiança, no compromisso, na missão, na esperança entre nós. Mas contém igualmente uma consciência das lutas e, por vezes, sofrimento e morte que a adesão ao Senhor comporta. Em todas estas situações, os discípulos são chamados a olhar com confiança para Deus que os acompanha no caminho da vida, mesmo nas circunstâncias mais dramáticas que ela pode comportar. Por causas externas, como se verifica neste tempo de pandemia, como na vida familiar e social, como na vivência da fé, a Palavra de Deus que escutamos dá-nos sabedoria para discernir e força para lutar e viver na fidelidade, colaborando na construção de um mundo renovado, guiados pelo Espírito do Senhor.

A primeira leitura fala-nos do profeta Jeremias, que viveu num tempo extremamente difícil, em Israel (650-580 aC), marcado por injustiças sociais e miséria e por manobras bélicas do rei e dos grandes, que destruíram e enlutaram o país, levaram para o exílio forçado em Babilónia a população mais válida e deitaram por terra os sinais de festa, de futuro e de esperança.

Homem de espírito sensível e pacífico, Jeremias dá-se conta da injustiça que grassa no país e da arrogância da classe política e militar, que causa a miséria dos mais pobres, enquanto entra numa ideologia militarista que acabará por levar à desgraça toda população.

O profeta sente toda esta irracionalidade e denuncia a situação política, social e económica, anunciando a desgraça que está para chegar, e a destruição da cidade e do próprio templo. Não só não foi escutado pelos grandes do país, como também foi acusado de traição e falta de patriotismo, metido numa masmorra onde por pouco escapou à morte.

Jeremias, protótipo dos profetas perseguidos, mostra que quem pretende reagir contra a injustiça e a tirania e criar um mundo novo, não pode esperar ter vida fácil.  Foi assim com os profetas, com Jesus, com os apóstolos e todos os grandes homens que quiseram transformar a humanidade. Pensemos em gente do nosso tempo,  como Mahatma Gandi, Luther King, o bispo Óscar Romero, Nelson Mandela e os milhares de mártires anónimos que, em cada ano, marcam com a vida a estrada da liberdade, da justiça e da paz.

No Evangelho do domingo passado, ouvimos como Jesus envia em missão os discípulos para anunciar o Reino de Deus, criar um mundo novo, a partir da imitação daquilo que Ele mesmo fez: dar esperança aos mais fragilizados, desprezados e excluídos, por causa da doença, da economia, da cultura, do modo de adorar a Deus. Esse há de ser um caminho de fraternidade, gerador de liberdade, de alegria, de esperança.

O Evangelho que lemos hoje é a continuação desse discurso de envio de Jesus. Diz-lhes que, enquanto anunciam e realizam a alegria, a libertação, a justiça, a fraternidade e a paz,  devem também contar com a oposição de quem não quer que as coisas mudem, a começar mesmo dentro dos sistemas religiosos que, tantas vezes reagem com oposição, divisão e violência, porque se consideram donos da verdade e donos de Deus, desprezando todos os que não pensam como eles. Foi isso que aconteceu com Jesus e os seus discípulos devem estar preparados para situações semelhantes.

Quando se encontrarem nessas dificuldades, diz Jesus, não respondam à violência com violência. Essa é a receita que os homens conhecem para transformar o mundo: a violência e a guerra. O resultado é redobrada violência, morte e destruição. Se não forem escutados, nem acolhidos, os discípulos devem passar adiante. A fé e os projetos válidos que criam humanização, justiça e paz duradouros, não se impõem pela força; a violência é a negação de Deus, que é amor; é fundada na atitude do Senhor Jesus, que pede o perdão para os que o assassinam. O esforço, o sofrimento e mesmo a morte dos anunciadores do Evangelho, dos criadores de vida e nova cultura, não são a sua derrota, mas o dom supremo do amor que não desiste, porque está fundado sobre alicerces firmes.

O discípulo de Jesus, a exemplo do seu Senhor e Mestre, não põe em si a sua confiança, nem a esperança de sucesso. Quanto mais se dedica ao serviço do Evangelho, mas se despoja dos seus bens, da sua carreira, e das suas razões e defesas, até a disponibilidade para oferecer tudo, até à vida, para que nasça esse Reino de justiça, de fraternidade e paz. [Não falo apenas dos missionários que vão por esse mundo fora enfrentando perigos. Falo de papás e mamãs, que lutam tenazmente para cuidar dos seus filhos, de gente honesta que luta contra a corrupção e exploração dos mais débeis; de jovens que enfrentam oposição e troça, por assumirem atitudes de defesa dos valores irrenunciáveis da própria fé. Os exemplos poderiam ser inumeráveis hoje, em tantas partes do mundo, também entre nós.

Em todas estas situações, o discípulo sabe que Deus tem um GPS infalível, que o segue sempre e lhe dá a força e a esperança, mesmo quando parece que faltam as forças, quando enfrenta dificuldades e oposição, quando se confronta com a violência, a calúnia e a morte. Deus, em quem esperam, é mais forte do que tudo isso e permite-lhes realizar a própria missão mesmo no meio dos dramas da vida.

Neste tempo em que nos confrontamos com a pandemia que causou tantas dificuldades, dramas e mortes, é bom vermos onde colocamos a nossa esperança e a nossa força. Deus vem dizer-nos que nunca nos deixa sozinhos e abandonados. Que nos tem na sua mão poderosa e carinhosa. Aponta-nos o caminho do próprio Jesus que enfrentou todas as nossas dificuldades e abriu, através dos dramas da vida, o caminho da transformação do mundo, não pela violência, mas pelo amor e o dom da vida.

Vamos sair desta pandemia com a colaboração responsável de todos. E como saímos, como pessoas, como sociedade, como Igreja? o Evangelho de hoje, aponta-nos um caminho: sejamos gente que não se deixa levar pelo egoísmo nem pelo medo. Havemos de criar um mundo em saída, em missão par curar as feridas que a pandemia está causando. Não podemos fechar os olhos ao sofrimento que nos rodeia. Jesus chama-nos a sermos Igreja missionária entre os que sofrem sobretudo por serem esquecidos e postos de parte.

Não será um caminho fácil, o que temos por diante, mas o Senhor que nos envia nessa missão até aos confins da terra ao serviço do Evangelho promete, que, onde quer vamos Ele estará connosco. E mesmo que o nosso corpo cansado caia ao serviço da missão que nos confiou, onde quer que seja, o Pai enviará os seus anjos que os recolherão dos quatro cantos da terra, para a grande festa da vida no seu Reino.

Que o Senhor nos dê um coração de discípulos e de apóstolos para transformar e construir o mundo novo por meio do seu Evangelho. Que nos liberte de todos os males, mas sobretudo do medo e da falta de confiança no seu amor e no seu poder, para colaborarmos no surgir de um mundo mais justo, fraterno, na alegria do Evangelho, a partir da nossa família, da nossa comunidade, na transformação do nosso país e do mundo.

+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal

 

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22 de Junho de 2020