Homilia do Bispo de Setúbal, D. José Ornelas, por ocasião da bênção e lançamento da primeira pedra da Igreja de Nossa Senhora da Rosa, na Paróquia da Charneca de Caparica.
1. O sentido daquilo que fazemos
Na primeira leitura (Zc 9, 9-10), o profeta Zacarias, em tempos de mudança de cultura, de lutas e guerras, anuncia a vinda de Deus para a cidade, não como um guerreiro montado a cavalo ou em carros de combate, mas como humilde homem de família do povo, montado num jumentinho (num carro utilitário ou numa bicicleta): Um líder que anuncia paz e por fim à violência, não apenas na cidade e no país, mas no relacionamento com as outras nações e povos.
Esta é a primeira palavra de interpretação deste lançamento da primeira pedra para a construção desta Igreja: uma casa de paz, onde entre o Senhor da paz, da fraternidade, da universalidade que acolhe as diferentes raças e culturas.
No Evangelho, esta figura torna-se muito concreta no anúncio de Jesus: Vinde a mim, vós todos que andais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei. Este deve ser o anúncio e o anúncio que se coloca, como convite a entrar na igreja, em qualquer Igreja, desde agora, em nome do dono da casa que se vai construir. As portas desta casa devem estar sempre abertas para quem precisa: os atingidos pela pandemia e suas consequências pandemia e do seu sentido e das pandemias que hão de vir para a sociedade e a vida das pessoas. Casa para acolher o convite do Senhor da paz, do Bom Pastor e Mestre que indica caminhos, do Senhor que cura feridas, de Deus que nos faz olhar para o alto.
2. A casa que marca uma cultura, no meio da cidade
“Nós somos pedras vivas da Igreja do Senhor”. Não serve de nada construir casas se dentro não se encontra família, amigos, convidados. O abrigo das intempéries é fundamental (veja-se os emigrantes e os sem abrigo). Mas se as pessoas não se entenderem, não se ajudarem, não partilharem carinho, aconchego e vida, para que serve a casa? Corre o perigo de ser casa de violência, de desagregação.
Sobre esta pedra, que é Cristo, deve crescer uma comunidade que faça cultura na cidade: cultura de acolhimento, de partilha, de vida, de defesa dos mais frágeis. Esta Igreja, não simplesmente as suas paredes, deve ser um laboratório de acolhimento da diversidade, de fraternidade na condição humana, diante do Pai do céu, de solidariedade e partilha perante a fragilidade e as crises da vida.
3. Um desafio: Aprendei de mim…
“Aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração”. A presença do Senhor nesta sua casa é o motor e modelo da família que aqui se reúne. Jesus pronuncia estas palavras ao receber os discípulos que tinham ido em missão (curando doentes, desalienando/libertando pessoas, anunciando o Reino de Deus e criando esperança). Eles regressam para junto do Mestre e anunciam o que fizeram. Sim porque uma igreja, embora esteja solidamente alicerça sobre a pedra inicial, é muito móvel, naqueles que envia: está constantemente atenta ao mundo onde é enviada, particularmente aos que mais precisam.
Mas não está aqui numa atitude de poder, de controlo ou simplesmente de propaganda. Tem de distinguir-se pela atitude carinhosa da humildade e da mansidão, para que chega e para quem precisa ou de quem vai ao encontro na missão. Mais: a Igreja tem de ser transparência do Coração do Pai do Céu, que é o dono da casa. O acolhimento dos mais pequenos…
É com estes sentimentos que vamos agora acolher o Senhor na Eucaristia e, no fim, abençoar a primeira pedra da nova Igreja.
Recordemos que fazemos tudo isto ainda em pandemia. Não me incomoda nada que digamos que esta igreja nasce nesta pandemia, dizendo que não perdemos a fé nem a esperança com esta violenta crise. Sabemos que vamos superá-la e estamos a construir hoje esse futuro. Nesta pedra vai a nossa fé no Senhor, fundamento da Igreja, a nossa adesão ao seu projeto de mundo novo e de superação das crises, a nossa vontade de não nos fecharmos dentro dos nossos espaços, mas de ter sempre a porta para a missão a que o Senhor nos chama, de ir ao encontro de todos “os que andam cansados e oprimidos”, levando libertação, dignidade e paz.
+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal
Fotos: Ricardo Perna