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Liturgia: Homilia de D. José Ornelas no XIV Domingo do Tempo Comum, Dia Diocesano da Juventude

D. José Ornelas presidiu à Eucaristia no passado Domingo, dia 5 de julho, na Igreja de São João Baptista, Paróquia de Vale de Milhaços. Na ocasião, assinalou-se o Dia Diocesano da Juventude.

1. Um olhar sobre a pandemia

Como dizia ao início, a nossa vida e os nossos planos foram alterados pela pandemia que nos atingiu, abalando e condicionando a nossa vida pessoal, familiar, de estudo ou trabalho, e também a nossa participação na vida da Igreja. E a situação está longe de estar normalizada, com consequências dramáticas para tantas pessoas e famílias.

Perante estas dificuldades que atingiram o mundo inteiro, não faltaram respostas nos mais variados setores. Sublinho, antes de mais, o sentido de responsabilidade coletiva que nasceu como resposta ao vírus. Percebemos que a vida de todos dependia da atitude de cada um e aceitámos (pelo menos na fase inicial) as privações a que o confinamento nos obrigou. Assumimos a consciência de que estamos todos no mesmo barco e que temos de cuidar uns dos outros, para nos salvarmos todos, ou todos seremos atingidos pela pandemia.

Mas não ficámos apenas conscientes da gravidade dos males. Surgiram novas correntes de solidariedade para responder às necessidades crescentes que nos rodeiam; as paróquias e a Diocese lançaram campanhas de solidariedade que têm dado ajuda a quem mais precisa; acentuámos o valor da família e o seu papel decisivo na proteção da vida e na criação de laços decisivos de afeto e superação de crises; deitámos mais atenção à Palavra de Deus, a uma comunhão que se faz próxima, mesmo à distância; ficámos mais atentos à presença de Deus que nos segue, onde quer que estejamos.

E vós, jovens, estivestes aí, bem presentes: na organização de plataformas de comunicação para celebrar em casa, unindo-nos em conjunto, à Paróquia, à Diocese, à Igreja. Estivestes na linha da frente, assumindo papéis de solidariedade com quem mais precisa; no regresso às celebrações, fostes um grupo bem presente no acolhimento, na preparação de ambientes, na organização dos espaços celebrativos, no serviço da comunidade. Esta foi uma atitude inteligente e caritativa, de partilha e de esperança.

Mas já não foi assim no desconfinamento, a nível social, em muitas partes. Muitos estavam já cansados e deixaram-se andar: queriam voltar ao que era antes. O resultado está à vista, com o regresso preocupante das infeções. Este retrocesso mostra-nos que o mundo após a pandemia não pode ser apenas um “regresso ao que era antes”. Temos de aprender positivamente o que significa cuidar uns dos outros, no avanço para uma realidade nova, para criar uma sociedade renovada, seja quais forem as situações com que tenhamos de nos defrontar.

O vírus vai ser vencido, mas não deixemos que as outras pandemias que contagiam o mundo voltem a instalar-se. Como o controlo da pandemia, também o futuro depende de nós todos, em conjunto. Não percamos o património da solidariedade, da criatividade e da participação que surgiram nestes meses. Vai ser bem necessário, porque o tempo que temos à nossa frente não vai ser fácil.

 

2. A sugestão da Palavra de Deus

A Palavra de Deus que hoje nos é dirigida dá-nos uma grande luz que dá sentido ao caminho que estamos a fazer, ainda na pandemia, e inspira o futuro que Deus nos convida a construir.

Na primeira leitura (Zc 9,9-10), o profeta Zacarias, em tempos de mudança cultural, de lutas e guerras, anuncia a vinda de Deus para a cidade como libertador e curador das feridas da injustiça, da violência e da guerra. Não vem como um guerreiro montado a cavalo ou em carro de combate, mas como humilde pai de família do povo simples, montado num jumentinho (num carro utilitário ou numa bicicleta): Um líder que anuncia e inicia um futuro de paz e o fim da violência, não apenas na cidade e no país, mas no relacionamento com as outras nações e povos. Um construtor de laços de paz e prosperidade para toda a humanidade.

A primeira inspiração para o tempo que queremos construir é a atitude deste enviado de Deus: Aceitar e reconhecer a atitude de fragilidade como ocasião de desenvolver a confiança em Deus e a capacidade de construir juntos um mundo melhor.

A transformação do mundo requer a mudança de atitudes, antes de mais, a rejeição da violência e a construção da solidariedade. O mundo que se segue a esta crise, pode ser mais humano, se aprendermos a cuidar melhor uns dos outros, e da natureza, velando para que todos tenham o necessário, que ninguém seja deixado para trás. A pandemia ensinou-nos que, neste mundo, ou todos estamos sãos, ou então, todo o mundo pode ficar infetado. A paz, a dignidade e a justiça têm de ser para todos, para todas as nações. Os focos de miséria, de guerra e de injustiça são como o vírus: rapidamente infetam a todos. Por isso a construção da paz, da justiça e da universalidade da solidariedade tem de ser parte do nosso programa de futuro, para que ninguém seja deixado para trás. É preciso um coração novo para um mundo novo.

O Evangelho de hoje mostra-nos a imagem fundamental dessa transformação no Coração de Jesus. Antes de mais, Jesus tem uma atitude de confiança, alegria e louvor perante a ação que Deus vai realizando no mundo: “Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos”. Dar graças deste modo é reconhecer que Deus está ativo no mundo (neste caso, na ação de Jesus e dos discípulos). Essa comunhão com Deus afasta o medo e o desânimo e dá alegria e energia para criar novas atitudes e criar um novo mundo.

A partir desta consciência da presença de Deus que o enviou e opera através dele, Jesus mesmo se apresenta como fonte de confiança, de alegria e de cuidado dos que andam cansados e oprimidos: “Vinde a mim, vós todos que andais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei!”

Este convite à proximidade, à confiança e à paz interior (do coração) é, antes de mais, dirigido a cada um de nós, que, tantas vezes nos sentimos desorientados, afetados pela doença e pelas circunstâncias da vida, sem alegria nem energia para viver e gerar vida. No seu percurso terreno, Jesus foi esse enviado humilde de Deus, de que falava a primeira leitura, sem fanfarra nem poder político, mas cuidador dos que precisavam de saúde, de alento, de esperança, de energia para viver. Ele continua vivo e continua a convidar: Vinde a mim! Deixai que a minha vida vos dê força e alegria para viver e dar vida. Tende coragem, mesmo quando tiverdes de enfrentar dificuldades, pandemias e mesmo a morte: Eu passei pela morte e venci-a. Estou vivo ao vosso lado e nunca vos abandono.

Esse é também o convite que queremos que esteja à porta das nossas igrejas e que levemos estampado na cara com que olhamos aqueles que encontramos. Com Jesus e em seu nome, a atitude de convite e da mão estendida, tem de ser feita especialmente aos que mais precisam. Que, nos nossos gestos de acolhimento, esses sintam que há alguém que é presença de Deus que nunca os esquece nem os abandona.

Por isso, é igualmente um desafio e um programa, para assumir os mesmos sentimentos de Jesus: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração”. Isto é: rejeitai as atitudes de arrogância, de imposição violenta, de manipulação e exploração dos outros. Ponde-vos, ao serviço de uma cultura nova de cuidadores das feridas e dores daqueles que sentem o peso da vida, da miséria e da injustiça. Replicai o meu modo de ser, de amar, de cuidar. Esse é o caminho para a felicidade de cada um e para a construção de uma humanidade melhor.

Durante a pandemia, fomos exercitando muitas destas atitudes. Demos passos significativos, mas um longo e não fácil caminho está diante de nós. Jesus convida-nos a assumir, imitando-o, as atitudes corretas para construir uma sociedade nova, à imagem do Pai do céu, que olha com carinho, misericórdia para os seus filhos/as, especialmente para os que mais precisam.

Dando graças ao Senhor que nos acompanhou nas dificuldades deste ano, transformemos o nosso coração à imagem do Coração de Jesus, para enfrentarmos juntos os desafios do próximo ano com confiança no amor do Pai do céu e guiados pelo Espírito que nos dá vida.

+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal

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08 de Julho de 2020