Liturgia de Festa de São Bento
Comentário à liturgia de hoje pelo Padre Constantino Alves, Pároco da Paróquia de Nª Srª da Conceição, Setúbal
“Se receberes as minhas palavras e guardares cuidadosamente os meus mandamentos,… chegarás ao conhecimento de Deus.” Provérbios 2, 1-9
«Nós deixámos tudo e seguimos-te. Qual será a nossa recompensa?». Jesus respondeu-lhes: “…todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna”. Mateus 19, 27-29
As Leituras que ancoram a memória e celebração da Festa de S. Bento, Abade e Padroeiro da Europa, remetem-nos para dois eixos fundamentais da espiritualidade e vida cristãs: em Deus vivemos, nos movemos e existimos e o Reino, os seus valores e tarefa das nossas vidas.
S. Bento, nascido em Núrcia, no ano 480, incorporou duma forma original e enraizada, historicamente, esta sabedoria da vida.
A sua fama atraiu-lhe discípulos. Organizou para eles a vida conventual, inicialmente em doze pequenos mosteiros à volta de Subiaco e, depois, no célebre convento de Monte Cassino. Chamado por Pio XII “Pai da Europa“, S. Bento foi proclamado por Paulo VI patrono do mesmo continente, em 1964.
A busca apaixonada de Deus, pela escuta atenta da Palavra, meditada e guardada no coração é o ensinamento preciso que um pai dá ao seu filho, segundo esta página do livro dos Provérbios.
S. Bento utiliza o mesmo estilo literário ao introduzir a Regra que escreve para os seus monges: “Escuta, filho, os preceitos do Mestre, e inclina o ouvido do teu coração; recebe de boa vontade e executa eficazmente o conselho de um bom pai“.
O espírito da Regra de São Bento resume-se em dois pontos: (pax – «paz»), e ainda o tradicional ora et labora («reza e trabalha»), súmula da vida que cada monge deve levar. Esta escola de “serviço ao Senhor” é construída à volta da Palavra de Deus (Lectio Divina), da Liturgia de louvor.
As comunidades beneditinas deveriam preservar a civilização, a cultura, a paz e o amor num contexto de violência, corrupção e saqueamento, que marcava o Império Romano e mais tarde uma Europa quase despedaçada e estilhaçada por lutas fratricidas por reinos e domínios feudais.
A promessa de Jesus – “todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá por herança a vida eterna”* – realizava-se nesses oásis de fraternidade.
Todos somos convidados e exortados, nos estados e condições de nossas vidas, a colocarmos Deus e o seu Reino como prioridades fundamentais e a experimentar estados e caminhos de realização, alegria e felicidade.
A Europa, hoje, em profunda crise, debate-se com egoísmos e fechamentos. Cavam-se e aprofundam-se injustiças e pobrezas, alimenta-se a xenofobia e o racismo. Sofre-se a tentação de soluções individualistas para o flagelo da pandemia de Covid-19.
A Europa precisa de se reorientar, redefinir critérios e regressar ao sonho dos seus fundadores a um desenvolvimento económico inclusivo e sustentável, ecológico e justo e “retomar a sua alma”, no fundo à intuição beneditina.
Dá-nos, Senhor, um coração que acolha a Tua Palavra e que nos deixemos transformar por ela pois só dá fruto quem a acolhe no coração e medita e quem se deixa transformar por ela.
Padre Constantino Alves