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Missa Crismal: “Novos caminhos de missão” em tempo de pandemia

Esta quinta-feira, dia 16 de julho, na festa de Nossa Senhora do Carmo, recordando a manhã de Quinta-feira Santa, decorreu na Sé a Missa Crismal presidida pelo Bispo diocesano, D. José Ornelas, na presença do clero da Diocese de Setúbal.

A Missa Crismal, habitualmente celebrada no início do Tríduo Pascal, foi adiada para o dia da criação canónica da Diocese, este ano a assinalar o seu 45º aniversário, em virtude da situação pandémica que o mundo atravessa e que impossibilitou a normal celebração da Páscoa.

Ao acolher o clero e a assembleia, D. José Ornelas considerou apropriado celebrar a Missa Crismal neste dia, “pois a bênção dos óleos que santificam os fiéis lança um olhar iluminador sobre a vida e a missão da Igreja.”

 

“É bom vermo-nos uns aos outros, os representantes das comunidades da Diocese e os ministros ordenados (presbíteros e diáconos) com o bispo, à volta do altar do Senhor, para invocarmos o seu Espírito que nos guia nos seus caminhos, para irmos ao encontro daqueles que precisam do óleo da consolação, da força e da santificação para fazer crescer a nossa Igreja”, acrescentou o prelado.

Nesta Eucaristia, para além da renovação das promessas sacerdotais, foram abençoados os óleos dos catecúmenos e dos enfermos e consagrado o óleo do crisma. Os “santos óleos” serão administrados ao longo do ano nas paróquias, nos sacramentos, para fortificar e santificar o percurso da vida cristã.

Foram ainda assinalados os jubileus sacerdotais do Padre José Gomes Lopes Gusmão e do Padre José Manuel Teixeira de Abreu, que completaram, respetivamente, no passado mês de junho, 50 e 25 anos de ordenação presbiteral.

Leia, na íntegra, a Homilia de D. José Ornelas.

Homilia de D. José Ornelas

Invocar a bênção de Deus para os óleos sacramentais da Igreja é sempre algo de solene, que é sublinhado pelo lugar que ocupa, no contexto da celebração do mistério pascal do Senhor, na quinta-feira santa, com a presença do bispo, rodeado pelo presbitério e os diáconos, na presença do povo de Deus.

É este óleo que vamos abençoar em nome do Senhor. Não serve apenas para embelezar simbolicamente gestos isolados de piedade, mas exprime, salvificamente, a ligação dos gestos que fazemos ao mistério fundamental da nossa fé: a encarnação, vida, morte e ressurreição do Senhor Jesus e a sua presença operante e santificadora na Igreja através do seu Espírito.

Gostaria, por isso, de refletir convosco sobre o significado destes três óleos que vamos abençoar e sobre o que este gesto significa para a nossa Igreja, especialmente no contexto difícil em que nos encontramos, como Igreja e como sociedade humana em todo o mundo.

 

Uma Igreja guiada pelo Espírito e ao seu serviço: o óleo do Crisma

O primeiro e fundamental destes óleos é o do Crisma, que sacramentalmente exprime e confere o dom fundamental de Deus ao ser humano: o Espírito Santo.

Este óleo aponta para o dom que o apóstolo João contemplou, brotando do Coração aberto de Jesus na cruz, para fazer de nós pessoas novas, dando-nos a possibilidade de partilhar a sua vida de Filho e chamar a Deus nosso Pai. É o Espírito que o Senhor ressuscitado envia sobre Maria, os discípulos e as discípulas no Dia de Pentecostes, criando a Igreja, fermento de nova humanidade, formada por todos os povos da terra. É o dom que nos torna irmãos e irmãs numa só Igreja, oriundos de todas as nações e culturas.

Este é, por isso, o óleo que assinala a abertura das portas da Igreja, com todos os seus dons, na força transformadora da água do batismo. Com ele são confirmados, na idade adulta, os filhos e filhas da Igreja, para que sejam apóstolos transformadores da humanidade, no sacramento do Crisma. Com ele são consagrados para o serviço do Evangelho e colaboradores especiais da missão de Cristo Bom Pastor, os diáconos, presbíteros e bispos, para que, através da sua vida e ação, possam ser agentes do Espírito que receberam em ordem à santificação dos irmãos e à construção da Igreja. Com o mesmo óleo, se assinalam também as igrejas e particularmente o altar, manifestando a santidade da Igreja viva que nelas se reúne e do mistério central da Eucaristia que nelas se celebra. Estes não são gestos isolados, mas expressão do Espírito que está na origem, na vida e na missão da Igreja. É isto que o óleo do Crisma exprime e sacramentalmente realiza.

Para todos, mas especialmente para aqueles que administram, o óleo santo é motivo de alegria (“óleo da alegria”, como lhe chama o salmo 45,8), de ação de graças e igualmente caminho de transformação e desafio. Este óleo designa e forma o coração da Igreja, em cada um dos seus membros, tornando-os homens e mulheres que vivem e agem segundo o Espírito e que se deixam guiar por Ele. Particularmente em nós, que recebemos a graça de tornar presente a força deste óleo, o Espírito gera uma atitude de alegria, ação de graças e humildade naquilo que fazemos, porque sabemos que não é de nós que provêm os dons que por nós passam, mas do Espírito de Deus.

Essa mesma atitude torna-nos fraternos, porque somos filhos e filhas do Pai do céu, que nos dá o seu Espírito, na medida da função que cada um tem na Igreja. Por isso, à luz do óleo do Crisma, aprendemos a construir comunidades dinamizadas pelos dons que o Espírito concede individualmente, para a utilidade de todos, sem lutas de poder, mas com a autoridade própria de quem serve na Casa do Único e Grande Senhor, a exemplo de Cristo, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pelo seu povo.

Nestes meses de pandemia, vimos esta ação do Espírito, agindo em novas formas e por novas pessoas e canais: nas famílias, nas plataformas digitais, na renovação da capacidade de implicação e solidariedade, dentro e fora da Igreja. Na Igreja pós-pandemia, não queremos simplesmente voltar ao que era. O Espírito vai guiar-nos, porque vão abrir-se novas portas e necessidades, a requerer novas respostas e nova criatividade. Vamos precisar de tudo isso nos tempos que estão adiante e o Espírito do óleo do Crisma vai estar connosco!

 

Uma Igreja compassiva e misericordiosa: o óleo dos enfermos

Em Jesus, Bom Samaritano da humanidade, encontramos a imagem mais clara deste óleo que se destina aos que sofrem. Na parábola de Jesus, o samaritano é um refugiado ao contrário: é o descriminado que não descrimina, o esquecido que não esquece nem deixa ninguém para trás, o saudável que assume a dor e as feridas dos que caem à beira da estrada da vida, o estrangeiro e herege que revela a verdadeira atitude de fé. O próprio Jesus se torna próximo com “com-paixão” diante da fome da multidão. Fazer nosso o sofrimento, a necessidade e a falta de esperança dos outros é que nos prepara para sermos dispensadores deste óleo em nome do Senhor.

Enviando os seus discípulos, Jesus manda que usem este óleo para a cura dos enfermos, no âmbito de um sério aviso a que estejam próximos dos mais necessitados e anunciem boas novas aos pobres, tornando claro que Deus nunca abandona os que nele confiam.

A nós se dirige o desafio deste óleo para quem sofre, particularmente nestes tempos de pandemia, seja no diz respeito à doença (hospitais, lares, isolamento), seja nas suas consequências, como a fome, o desemprego, a injustiça e a falta de sentido para a vida. Foi importante ter assumido comportamentos responsáveis para conter a doença, mas será cada vez mais necessário que o óleo da consolação, da solidariedade e da esperança, seja efetivo para que ninguém fique esquecido.

A nossa Igreja tem despertado para iniciativas de solidariedade reveladoras da caridade do Evangelho, que têm ajudado muitos milhares de famílias, com a generosidade, criatividade e a capacidade de muitos irmãos e irmãs. É necessário não cansar, pois a luta vai ser ainda longa e árdua.

E não nos esqueçamos que “nem só de pão vive o homem”. É basicamente importante dar o pão para a mesa, para a inteligência, mas igualmente para o coração e para o espírito. É necessário dar condições e razões de viver, pela proximidade e disponibilidade para partilhar e acompanhar, mas igualmente para ajudar e encontrar novos caminhos da esperança na superação da crise, e na colaboração de um Mundo Novo que só Deus pode oferecer. Este é o caminho apontado pelo segundo óleo.

 

Uma Igreja em Missão: o óleo dos catecúmenos

Uma Igreja guiada pelo Espírito, uma Igreja que sente compaixão pela multidão faminta de pão e de vida, torna-se uma Igreja que vai ter a alegria de usar o óleo dos catecúmenos para acolher e preparar novos irmãos e irmãs para o dom do óleo da alegria de filhos e filhas de Deus.

Espero que a pandemia nos tenha despertado e mobilizado para novos caminhos de missão, desde o bispo, presbíteros e diáconos, aos catequistas e a cada membro das nossas comunidades e movimentos. Verificámos que se podem abrir novos caminhos à comunicação e à interpelação. Mas também nos demos conta que não podemos ter apenas uma Igreja virtual.

O óleo dos catecúmenos mostra-nos a fé como uma caminhada até à Igreja, à comunidade. Neste caminho, podemos fazer uso de muitos meios, mas o encontro com a comunidade torna-se necessário, como consequência do encontro com Cristo. No desconfinamento, verificámos que podemos e sabemos encontrar formas adaptadas aos perigos e dificuldades ainda presentes. Há que criar condições para que isso se vá tornando cada vez mais possível, para os que já estão dentro, os mais velhos, mas igualmente os jovens e as crianças. Mas é igualmente necessário lançar caminhos para os que estão fora, para os que buscam meios e sentido de vida. Em cada uma das nossas comunidades, o catecumenato de adultos deve ser visto como uma prioridade pastoral. Nós, ministros dos óleos santos, temos de equilibrar a nossa atenção, o nosso tempo e coração, entre aqueles que estão dentro e a preocupação pelos que ainda estão fora, como faz o Bom Pastor com a ovelha perdida.

Por aquilo que se diz, a pandemia vai ainda durar algum tempo. Certamente não serão fáceis os tempos que temos por diante, no nosso país, no mundo inteiro e também na Igreja. Por isso celebramos com fé, em unidade e com esperança a bênção dos óleos santos, cujo dinamismo orienta e dá esperança o nosso caminho.

Que o Senhor, Pastor da Igreja, nos renove com o seu Espírito e nos dê um coração de irmãos e irmãs, para construirmos juntos, e com a colaboração de todos, a Sua Igreja. Que Ele nos dê um coração misericordioso e capaz de compadecer-se de quem precisa, dentro e fora da Igreja, para que a nossa Igreja se abra à missão de um novo Pentecostes, ao aproximar-se dos 50 anos da sua existência. E que o nosso Coração se abra à confiança: “Não sei aonde Deus me leva, mas sei que Ele me conduz”.

+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal

 

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16 de Julho de 2020