Uma ordenação sacerdotal é sempre uma celebração muito especial, a começar por aquele que é ordenado, hoje, o Diácono Cláudio Rodrigues. Mas é também para toda a Igreja a que ele pertence, incluindo, naturalmente, os seus pais e a restante família, bem como a comunidade cristã, onde o chamamento de Deus se fez ouvir e foi sendo respondido; a comunidade do seminário onde essa resposta do Cláudio foi sendo acompanhada, purificada e desenvolvida e toda a comunidade da Igreja onde já iniciou o seu ministério. E hoje, ele acaba de ser apresentado por aqueles que o acompanharam, para que, no meio dos irmãos, possa receber, através da imposição das mãos do Bispo e dos Presbíteros, o dom do Espírito Santo, para o serviço do povo de Deus.
Por isso, esta celebração tinha de contar com a presença da Igreja que acolhe, realiza e anuncia este sacramento fundamental para a sua vida. Não foi fácil conjugar esse desígnio de festa e de presença com as limitações que a pandemia nos impõe. Sabemos que houve interrogações e mesmo hesitações, pois não era claro se poderíamos ter presente uma comunidade que exprimisse a dimensão eclesial que este momento requer.
Impressionou-me, caríssimo Cláudio, a tua disponibilidade para aceitar as circunstâncias presentes e mesmo renunciar a tudo o que não é essencial, a fim de que a ordenação se tornasse possível: aceitar que não poderiam estar presentes todas as pessoas que quereriam estar aqui hoje, nem festas de justo convívio para celebrar a alegria. Em tempos difíceis, dizias, cingimo-nos ao essencial, podemos até mudar esquemas, para que o essencial possa ser colocado ao serviço do povo de Deus.
Esta é a primeira palavra que fica para o teu ministério: “buscar o essencial”. O dom de Deus para repartir pelos irmãos; todo o resto virá por acréscimo, como e quando Deus quiser. A Igreja celebra sempre a festa da alegria, mesmo na hora das dificuldades, das crises, das perplexidades. É precisamente no meio das trevas que faz falta a luz, é na doença que faz falta o médico, é na solidão que o amigo é valioso, é na pobreza que o dom é essencial, é no sofrimento e na morte que se faz presente a mão poderosa e salvadora de Deus. Leva sempre, caro Cláudio, para o teu ministério essa confiança na mão protetora e alentadora do Deus em quem acreditaste, do Senhor a quem começaste a seguir, do Espírito que hoje desce sobre ti. Deus não te promete uma vida fácil, mas assegura que estará sempre contigo onde quer que vás.
Neste contexto de decisão sobre o agendamento da ordenação, uma outra tua atitude me ficou gravada: dizias, que mesmo que fosse necessário sacrificar outras coisas, gostarias muito que a ordenação tivesse lugar nesta festa da Imaculada Conceição, Santa Maria da Graça, padroeira da nossa Diocese. E ela fez-te essa graça, de modo que pudéssemos estar aqui a celebrar a tua ordenação. E tens razão na escolha desta festa, pois Maria, a Cheia de Graça, Mãe e modelo da atitude e da missão da Igreja é a grande inspiradora e guia do ministério do Padre, daquele que continua, como ela começou, a levar Jesus ao mundo. Gostaria de recordar apenas alguns dos traços de Maria, particularmente iluminadores da vida do Presbítero:
A Palavra de Deus que ela aceitou que se realizasse na sua vida não foi sempre fácil. Mas, nas dificuldades, nas perseguições, nas próprias incompreensões sobre o percurso de Jesus, na dor e na morte, ela permaneceu sempre fiel ao sim que dera ao enviado de Deus: “Eis a serva do Senhor: aconteça em mim a Tua Palavra!”. Seja esta a palavra que a Mãe Maria, a Mãe Igreja, deixa hoje para o teu ministério. Sê fiel ao Senhor, na hora da alegria e do entusiasmo, mas também no tempo da crise, como esta pandemia, e de todas as dificuldades que certamente encontrarás. Lembra-te, hoje: Deus não te promete vida cómoda e fácil, mas assegura-te que estará contigo na missão que te confia. Por isso, busca-o constantemente, interpreta no diálogo com Ele os acontecimentos da vida, como a Cheia de graça, que “conservava tudo isso e meditava no seu coração”.
A fidelidade de Maria não está fixa no passado, mas faz dela Mãe jovem dinâmica e criativa. Logo depois do anúncio do Anjo, não se fechou em si, mas “levantou-se e pôs-se apressadamente a caminho para a montanha de Judá”, ao encontro de Isabel, a mãe do último profeta da primeira Aliança e o anunciador dos tempos novos. Esta visita é como que o ícone da vida de Maria e daqueles que, anunciam o Evangelho, no seio da Igreja: falam a partir da fidelidade de Deus nas gerações passadas, mas anunciam sempre a novidade, a Boa Notícia que o Espírito faz nascer em cada tempo e em cada situação.
Esta atitude de Maria é o centro da mensagem que a próxima Jornada Mundial da Juventude, como inspiração e caminho para os nossos jovens. Toma a sério esta atitude, no acolhimento e acompanhamento dos jovens que há de ser sempre uma parte importante do teu ministério. Ajuda-os a assumir esta atitude da Mãe e modelo da Igreja: aprofundar e a viver os prodígios de Deus naqueles que nos precederam e continuam a inspirar-nos com a sua vida e testemunho, mas a levantar-se, na força e na luz do Espírito, para levar à própria Igreja e ao mundo o vinho sempre renovado do amor e da força transformadora de Deus.
Contudo, o traço fundamental que Maria deixa à sua Igreja e especialmente àqueles que presidem é o ser Mãe: Mãe de Jesus, Mãe e modelo da Igreja. Mãe e modelo no acolhimento da Palavra e do projeto de Deus, na atitude de total desvelo para com o Filho, que cuida, alimenta, ensina a crescer, acarinha e defende, mesmo à custa de ter de ir para o exílio como refugiada, de aprender com a novidade que Ele representa, de segui-lo, sobretudo quando é rejeitado, injustiçado e condenado. Jesus mesmo consagra este papel maternal de Maria e estende-o à sua Igreja com uma das suas últimas palavras na cruz, chamando-a de “Mulher”, isto é, “Nova Eva”, com um papel alargado de ser Mãe do discípulo, representante de toda a Igreja e da nova humanidade: “Mulher, eis aí o teu filho! Filho, eis aí a tua Mãe”. Acolhe, caro Cláudio, no teu coração e nas tuas atitudes, o estilo dessa Mãe acolhedora, misericordiosa, discreta, mas sempre pronta a servir.
É com ela que os discípulos – nós todos – temos de aprender a formar uma Igreja materna e acolhedora, criativa e fecunda, pela fonte do Espírito que jorra do peito aberto de Jesus. Havemos de aprender dela, antes de tudo, a bem acolher, a consolar, a estar atentos aos que sofrem e precisam e também aos que erram. Não havemos de estar à espera de que cheguem a nós, mas havemos de levantar-nos e pôr-nos a caminho ao encontro dos excluídos e fragilizados. Havemos de acolher com mariana piedade as vítimas das cruzes da injustiça, da miséria, da fome e da exclusão. Resistindo às tentações de grandeza e poder, que dividem e oprimem, bem como ao espírito de seita que exclui e condena, o espírito materno/paterno é o que deve, antes de mais caraterizar o nosso ministério, na Igreja e no mundo.
Por isso, é bem inspirador o último quadro de Maria de Nazaré na Bíblia, que aparece nos Atos dos Apóstolos, onde se encontra no meio dos discípulos, em oração, na vinda do Espírito e na missão até aos confins da terra. Esta é a atitude perene que ela nos deixa a todos, mas especialmente ao nosso Presbitério:
Permanecer juntos na comunhão eclesial, particularmente no seio do Presbitério – a última oração que Jesus faz com os seus discípulos – capaz de superar e integrar as diferenças, pois provém do amor que é o maior de todos os dons e é o sinal credível da presença do Espírito na sua Igreja.
Perseverar na oração que escuta a voz de Deus, implorando o dom do Espírito, para bem discernir e para atuar segundo os seus critérios, afastando a tentação da vaidade de considerar-nos donos e senhores da Igreja e da missão.
Viver e construir uma Igreja missionária até aos confins da terra, indo ao encontro das pessoas, a começar pelos mais débeis e excluídos, levando o Evangelho da verdadeira maternidade/paternidade de Deus que Maria exemplifica e inspira.
É isso que vamos fazer juntos, caros irmãos e irmãs. Unidos como Igreja, à volta do altar do Senhor e acolhendo o exemplo de Maria, vamos pedir o dom do Espírito, que consagre ao seu serviço o nosso irmão Diácono Cláudio, para que possa ser sempre discípulo e apóstolo nesta Igreja materna, cuidadora e missionária.
+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal