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Sagrada Família: Comentário à Liturgia – “Felicidade modelar”

Igreja em Rede - formato diocese

Felicidade modelar

No Domingo da Sagrada Família, mais uma vez o salmo responsorial pode dar o tom a uma meditação mais profunda da liturgia deste dia, que parte do presépio, centrado em Jesus, Maria e José, modelo das famílias de todos os tempos, não pela sua configuração (pai, mãe e apenas um filho), mas pela santidade vivida no seio familiar. Neste dia canta-se o Salmo 127 (ou 128 na tradição hebraica), cujo tema é a bênção do trabalho produtivo e da família fecunda. Bênção de Deus que é a condição de sucesso da vida humana, pois só com ela o trabalho prospera e a vida humana frutifica. Quem recebe essa bênção é “feliz”, porque “teme o Senhor”. Este “temor de Deus” é uma expressão sapiencial relativamente comum na Bíblia, que, mais do que uma conduta de respeito e medo de um Deus potente e implacável, é sobretudo uma atitude global de vivência religiosa, que implica a consciência da justiça de Deus e da sua paternidade. Por isso inclui também o amor e a dedicação.

O ponto de vista do salmista é o do marido, que compara a sua esposa e os seus filhos à videira e à oliveira. A videira é o símbolo tradicional de Israel enquanto comunidade plantada e cultivada por Deus, e chamada a produzir frutos no diálogo da aliança com o seu Senhor. Aqui a imagem é aplicada à mulher enquanto geradora de vida. Como uma vinha luxuriante, carregada de grandes cachos de uvas e de abundantes folhas, é sinal de prosperidade e vida, assim também a mulher fecunda, rodeada pelos seus numerosos filhos, é expressão de felicidade e bem-estar. Também a oliveira é um emblema de Israel, do próprio Deus, da prosperidade e da alegria, da justiça e da sabedoria. A oliveira sobrevive ao dilúvio (cf. Gn 8,11) e segundo a tradição rabínica, nunca deixou de ser cultivada na terra. Aqui o símbolo é aplicado aos numerosos filhos, cheios de uma seiva vivificante, como uma oliveira majestosa.

Certamente que alguns elementos deste salmo parecem longínquos da vida cristã moderna, onde as mulheres não são apenas cuidadoras do lar nem Jerusalém é o centro espiritual da vida religiosa. Mas o próprio poema “espiritualiza” de algum modo a sua mensagem. Mais do que uma cidade concreta, Sião / Jerusalém é aqui a área salvífica e materna que gera a comunidade de Israel, o lugar onde se geram as bênçãos divinas. É a Igreja, onde o Senhor permanece e abençoa o seu povo.

Não se trata, no entanto, de um Deus distribuidor automático de recompensas e punições. Trata-se, isso sim, de garantir àqueles que trabalham e vivem no seio familiar com Ele que não o fazem em vão. Neste sentido, o salmista providencia-nos um útil elemento de ligação da Família de Nazaré com as famílias de hoje, tão diferentes e tão iguais: na medida em que há uma abertura a Deus da vida toda dos membros da família (trabalho, estudo, relações pessoais), então há uma vida abençoada!

Padre Daniel Nascimento

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26 de Dezembro de 2020