comprehensive-camels

Epifania do Senhor: Comentário à Liturgia – “A caminho de Belém”

Igreja em Rede - formato diocese

A caminho de Belém

“Virão adorar-Vos, Senhor, todos os povos da terra”. Pelo tom deste refrão do salmo responsorial, a liturgia da Epifania do Senhor propõe uma meditação sobre o carácter universalizante da fé cristã. Uma das joias dos salmos, como já foi apelidado, o Salmo 71 (72) é também um clássico da liturgia do Natal e, a nível temático, uma página de teologia messiânica. Isto certamente do ponto de vista cristã, mas também judaico, já que o grande rabino medieval Rashi considerava que todo o salmo fala do Messias. De facto, um primeiro olhar para o texto aproxima-nos de um sentido mais literal que é monárquico: fala-se de um rei poderoso, abençoado e justo. Mas de uma forma subtil (até por detalhes gramaticais no original hebraico que necessitariam de mais espaço para explicar) o texto vai-se abrindo à expectativa de um rei diferente, de um rei-messias, que virá com o poder de Deus para conduzir o povo à salvação.

O poder deste Messias, reconhecido na pessoa de Jesus, alcança todos os confins da terra, simbolizados nas indicações geográficas que mais não fazem do que indicar norte, sul, este e oeste (Társis, por exemplo, na mundividência bíblica, aponta para o extremo ocidente, a localizar provavelmente na Península Ibérica). Não é, portanto, de desprezar a influência deste texto na “transformação” dos Magos (assim referidos no Evangelho de S. Mateus) em “Reis Magos”, que trazem as suas ofertas ao Menino, nem nas suas representações figurativas como homens com cor de pele diferente, como sinal de universalidade.

Finalmente, o salmo mostra-nos que um campo de ação privilegiado para este Rei-Messias são os pobres em geral. A palavra hebraica que geralmente se traduz como “pobre” alude ao gesto de curvar-se ou dobrar-se, do escravo diante do patrão, do exilado que não consegue estar direito, que deve responder ao superior que o interroga. O pobre é então aquele que está à mercê do poderoso, ao qual não consegue opor resistência, uma vez que é vítima de alguém mais forte do que ele. Esta perspetiva complementa-se com a do “oprimido”, que no hebraico literalmente significa “pessoa que deseja”, desejo que nasce da carência daquele a quem falta o mínimo para sobreviver. Um outro termo hebraico aqui utilizado é o que traduzimos por “fraco” ou “indigente”, aquele que já não tem forças.

Assim, pode-se dizer que o Messias cuida de três tipos de pobres, o humilhado, o necessitado e o escanzelado. Uma vez que a celebração da Epifania também recorda a maldade humana, através da figura do rei Herodes, agarrado ao seu poder e com medo de o perder face a um rei maior, talvez seja bom meditar na bondade que supõe toda a luta contra a pobreza. Será uma das formas de perceber a distinção entre o Rei-Messias Salvador e os “reis Herodes” deste mundo…

Padre Daniel Nascimento

Partilhe nas redes sociais!
02 de Janeiro de 2021