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Quaresma/D. José Ornelas: “Se este mundo não está bem, não podemos estar simplesmente a olhar e condenar”

No IV Domingo da Quaresma, o Bispo de Setúbal lembrou que Deus, nos tempos de maior tribulação, “não fica a ver”, “não se conforma com o nosso afastamento”, “toma parte no nosso drama”, “caminha connosco” e entra na nossa humanidade “para cuidar, para reconstruir, para criar futuro e esperança”.

D. José Ornelas presidiu à Eucaristia na Sé de Setúbal, sem a presença física de fiéis. Em virtude do recomeço das Eucaristias comunitárias, a partir de 15 de março, esta foi a última transmissão do ciclo de missas dominicais com emissão digital.

Na homilia, o prelado explica que a Palavra de Deus deste domingo propõe uma reflexão “sobre a nossa responsabilidade perante os dons que Deus nos dá para uma vida feliz e com sentido, a nível individual, relacional e com as perspetivas de vida em plenitude que apenas Ele nos pode oferecer”.

A primeira leitura é tirada do Livro das Crónicas, que faz uma leitura da história do povo eleito, Israel, à luz da sua fidelidade ou afastamento da Aliança com Deus. O autor reflete sobre a profunda crise política, social e religiosa que se abateu sobre a nação, (século VII a.C.) pela invasão do imperador de Babilónia, que deixou o país totalmente destruído, as cidades reduzidas a escombros, a maioria da população morta ou deportada para Babilónia, e um pequeno resto humilde de pessoas, reduzidas à miséria no país.”

Lembra D. José Ornelas que podemos encontrar situações semelhantes nos dias de hoje, com contornos diferentes, em países como o Iraque, o Iémen, o Afeganistão ou o Norte de Moçambique. Se algumas situações têm causas naturais, outras são provocadas pelo individualismo humano ou interesses políticos, económicos e militares.

No episódio bíblico narrado, explica o bispo diocesano, o autor sagrado chama a estas desgraças o “castigo de Deus”, ou “ira de Deus”, não como punição ao povo mas como forma de evidenciar o afastamento do homem da Lei de Deus: “A ira de Deus é contra o mal, não contra o homem.”

Na verdade, “Deus toma parte neste drama do povo. Não fica simplesmente e ver o espetáculo de autodestruição da humanidade e de cada pessoa, mas olha sempre com misericórdia e torna possível o renascer da vida.”

No exílio, Ele envia profetas, que interpretam a história e criam o sonho de um mundo novo. Eles falam das consequências dramáticas dos desvios do povo, mas igualmente da misericórdia e da força recriadora do Espírito de Deus, no coração das pessoas.”

“Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna”.

No Evangelho, D. José Ornelas lembrou estas palavras de Jesus no diálogo com o ancião Nicodemos. Na análise do prelado, Deus “não ficou a ver, não enviou profetas, veio Ele próprio, no seu Filho.” Veio para o meio de nós, para um mundo desavindo e destruído, ao ponto de assumir as consequências dos desvarios humanos, aceitando mesmo a morte.

“Esse é o amor afetivo e efetivo de Deus”, afirma, salientando que Deus não enviou o Filho para condenar o mundo mas para o salvar e que a condenação “não vem de Deus, mas da ausência de Deus, do Seu Espírito, dos seus critérios de vida”.

Deus não é uma máquina de calcular virtudes e pecados, boas e más ações: mete-se uma boa ação e sai uma recompensa; mete-se uma asneira e sai um castigo. Deus não é isso, como nenhum Pai nem nenhuma mãe é. De Deus, vem apenas o bem, o amor e vida.”

O Bispo de Setúbal acrescenta que “Jesus não abandonou essa família, essa humanidade em desordem, mas entrou nela para cuidar, para reconstruir, para criar futuro e esperança. Ele guia-nos neste caminho da Quaresma. Não rejeita o desafio da reconstrução, da reconciliação, do amor que é capaz de se recompor.”

 

“Deus nunca volta as costas. E Ele também gostaria que nós não lhe voltássemos as costas, pois isso significaria ficarmos reduzidos à nossa fragilidade, sujeita a modos de pensar e de agir que levam por caminhos de sofrimento e de morte.” Por outro lado, se Ele não fica a ver, “se este mundo não está bem, não podemos estar simplesmente a olhar e condenar”.

Os horizontes da nossa esperança não se limitam ao mundo que vemos e experimentamos, que será sempre limitado: conhecerá dor, desastres e o fim existencial da nossa vida. Deus oferece-nos mais do que isso e para além disso: a participação na sua vida, na sua família. Entendendo isto, entenderemos muitas outras coisas na nossa vida, começando por elevar os olhos ao céu, para o Pai de onde vem a vida na totalidade, com gratidão, alegria e paz.”

“Daí nasce um modo novo de verdadeira autoestima, porque somos realmente amados/as por Deus e por Ele protegidos, mesmo nas horas mais difíceis. Por isso, seremos capazes de amar como Deus ama, e até mesmo dar a vida sem pretensões de heroísmo ou de pessimismo deprimente, mas com confiança nas mãos poderosas e carinhosas do Pai do Céu, que sempre nos amparam e guiam”, concluiu.

Regresso às celebrações em comunidade

No final da Eucaristia, D. José Ornelas justificou o término do ciclo de transmissão das Eucaristias dominicais nos canais da Diocese “porque é bom que cada um de nós se vá reabituando a celebrar nas comunidades”.

Reconhece que “estas transmissões foram muito úteis e necessárias” mas recorda que a celebração da Eucaristia tem lugar na “presença da comunidade”. O bispo diocesano apelou ainda que o retorno das celebrações comunitárias seja feito com “responsabilidade”, “para que este regresso traga vida e não infeção ou contágio, colocando em perigo a vida das pessoas”.

“Isto é o que nos habituámos a fazer, e iremos continuar com força redobrada. Que o Senhor nos ajude a ser reconstrutores de vida a partir desta Quaresma”, exortou.

JM

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16 de Março de 2021