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Leigos: colaboradores, participantes ou protagonistas?

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Decorreu, nestes dias (16 de março) um tempo de formação para o clero da diocese de Setúbal, sobre ‘Os fiéis leigos na Igreja e no mundo: é hora dos leigos, mas parece que o relógio parou’ com o Padre Amaro Gonçalo, pároco da Senhora da Hora, Matosinhos.

Comentário do Padre António Sílvio Couto, Pároco da Moita.

Os trinta e sete participantes em zoom, escutaram algumas observações mais pastorais do que teológicas – segundo disse o palestrante – sobre a dimensão laical da Igreja católica e como tudo isso se exprime na dimensão de sinodalidade missionária.

Reportando-se regularmente à sua experiência de pároco, o Padre Amaro Gonçalo incidiu a sua comunicação sobre documentos do Papa Francisco, citando-os de forma tácita ou explícita, naquilo que valorizam os leigos na Igreja e no mundo.

Eis algumas citações da primeira comunicação do palestrante:

  • É a hora dos leigos diz-se muitas vezes, mas parece que o relógio parou’, diz o Papa Francisco.
  • A época atual terá como protagonistas da missão todos os fiéis batizados, e sobretudo os fiéis leigos, que são a grande maioria dos membros do Povo de Deus.
  • É importante darmo-nos conta de que há um mal-entendido de base quando se fala da missão dos leigos, colocando-a exclusivamente em contexto eclesial, ou seja, que “tarefas” se lhes deve confiar na dinamização da vida da IgrejaSer leigo é ser leigo, não é ser um substituto do padre.
  • “Se o coração da identidade do sacerdote está na consagração do pão eucarístico, o centro da missão dos leigos está na consagração do mundo, segundo o projeto de Deus” – diz-nos o Papa Francisco.
  • Os cristãos estão no mundo não para conquistar território, para ocupar espaços, mas para desenvolver processos.
  • Não é o pastor que deve dizer ao leigo o que fazer e dizer, ele sabe tanto e melhor que nós.
  • Uma Igreja viva precisa de leigos comprometidos na sua missão, de verdadeiros interlocutores com as pessoas que vivem no campo ou na cidade.

Partindo destes pensamentos, permeados com múltiplas citações do Papa Francisco, podemos colocar a questão se, muitas das vezes, eclesiasticamente, não queremos ter leigos que possam ser colaboradores, isto é, sob a tutela do padre, mais como prolongamento da nossa ação do que como intervenientes na sua missão? Com algum jeito damos lugar aos leigos, não para que integrem um autêntico processo de evangelização, mas que componham o ramalhete das coisas litúrgicas…

Como dizia, de forma profética, o Padre Amaro Gonçalo, será que temos leigos que se tornam discípulos? Efetivamente, os leigos que colaboram connosco são dos que concordam com o que dizemos ou damos-lhes ferramentas para pensarem por si e em espírito de Igreja?

 

Sinodalidade missionária

Num segundo momento da sua comunicação o Padre Amaro Gonçalo trouxe-nos desafios, nisso que designou de ‘sinodalidade missionária’, expressão que aparece no documento final do sínodo dos jovens, de outubro de 2018.

Novamente respigamos aspetos do subtema apresentado:

  • Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar «é mais do que ouvir». É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender.
  • Não estamos ali para defender uma “agenda”, uma ‘ideologia’ … O objetivo não é chegar a acordo por meio de uma competição entre posições opostas, mas caminhar juntos, a fim de encontrarmos a vontade de Deus, deixando que as diferenças se harmonizem.

O padre Amaro Gonçalo deteve-se por algum tempo sobre o documento da Comissão Teológica Internacional: ‘A sinodalidade na vida e na missão da Igreja’ (2.3.2018) e, posteriormente, sobre a Constituição Episcopalis Communio, de 15.09.2018.

Finalizou a comunicação com três desafios lançados à Diocese de Setúbal, que, em breve, iniciará o seu caminho sinodal em vista dos cinquenta anos da sua criação… e a próxima JMJ. Eis as propostas:

  • Passar do “ide e ensinai” ao “ide e escutai”…para uma Igreja da escuta.
  • Passar de uma Igreja paternalista, a uma Igreja ‘caminheira’ e ‘companheira’, uma Igreja que caminha e acompanha os mais novos e confia neles.
  • Passar de uma Igreja clericalista, autoritária, a uma Igreja sinodal, participativa e corresponsável.

Nestas propostas e desafios – pertinentes e audazes – sinto que será preciso adultar muito mais os ‘nossos’ leigos, desde os mais novos até aos já encadernados nestas coisas religiosas.

Nesta apreciação daquilo que foi dito e de quanto por aqui vivemos, veio-me à lembrança uma observação do nosso anterior bispo diocesano: não tenha ilusões, os cristãos que estão na Igreja (a palavra poderá também dizer do templo), na nossa diocese, são iguais aos do norte do país, tradicionais, ritualistas e defensores das suas devoções… que, quando tocadas, desencadeiam reações cá como lá.

É verdade: dos quase vinte e quatro anos de presença na Diocese de Setúbal, vejo-me, tantas vezes, sem recetividade nem abertura como conheci, noutros tempos, na região do Minho…

De facto, não consigo ver – como desejaria – os leigos como protagonistas nem capazes de gerar sinodalidade, como nos falava o Papa Francisco e, só espero, que o tempo de Sínodo em que vamos entrar não seja uma oportunidade perdida, tanto pelo clericalismo eclesiástico como esse outro camuflado nos leigos… É verdade: precisamos de aprender a escutar-nos, mesmo nos de fora do templo!

Padre António Sílvio Couto

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17 de Março de 2021