comprehensive-camels

A Palavra do Papa: surpresa vs admiração, a via sacra diária, a visão dinâmica e o farol no meio da tempestade

20210330-a-palavra-do-papa-francisco (1)

No início da Semana Santa, o Santo Padre pede “a graça do assombro”. Exorta-nos a ver o rosto dos irmãos e irmãs, especialmente os que sofre com a crise climática. Na Audiência-Geral, realçou os tempos do Tríduo Pascal, “dias centrais do ano litúrgico”.

Justiça: “eminente virtude cardeal”

“Convido todos aqueles que são chamados a trabalhar pela causa da justiça – uma eminente virtude cardeal – a não temer perder tempo dedicando-o abundantemente à oração. Na oração, e somente na oração, haurimos de Deus, da sua Palavra, aquela serenidade interior que nos permite cumprir as nossas obrigações com magnanimidade, equidade e previdência.”

Estas são palavras do Papa Francisco no discurso proferido na manhã de sábado na Sala das Bênçãos, no Vaticano, no âmbito da inauguração do 92º ano judiciário do Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano.

Na ocasião, o Pontífice comentou as modificações normativas que têm caracterizado o ordenamento jurídico vaticano nos últimos anos.

“Elas serão mais eficazes na medida em que forem acompanhadas por outras reformas na esfera penal, sobretudo na luta e repressão dos crimes financeiros, e pela intensificação de outras atividades destinadas a facilitar e acelerar a cooperação internacional entre órgãos de investigação vaticanos e instituições similares noutros países, bem como pelas iniciativas tomadas pela polícia judiciária do nosso Estado”, enfatizou.

O Santo Padre exortou que todas as iniciativas realizadas “possam sempre inspirar-se nos princípios fundadores da vida eclesial e, ao mesmo tempo, levar em conta os parâmetros e ‘boas práticas’ atuais a nível internacional, e parecer exemplares, como é exigido de uma realidade como a Igreja Católica.”

“Todos aqueles que trabalham neste campo, e todos aqueles que ocupam posições institucionais, devem, portanto, comportar-se de tal forma que, embora denotando um arrependimento ativo – quando necessário – em relação ao passado, sejam também irrepreensíveis e exemplares para o presente e o futuro”, concluiu.

Domingo de Ramos: “da admiração à surpresa”

O Papa Francisco presidiu à missa do Domingo de Ramos, início da Semana Santa, na Basílica de São Pedro. Com uma presença limitada de fiéis, a celebração teve início com a tradicional bênção dos ramos, que recorda a entrada triunfante de Jesus em Jerusalém.

“Nesta Semana Santa, ergamos o olhar para a cruz a fim de recebermos a graça do assombro”, disse o Pontífice na sua homilia, destacando, entre outros, a necessidade de se passar da admiração à surpresa.

Todos os anos, disse, esta liturgia cria em nós uma atitude de espanto, de surpresa: “passamos da alegria de acolher Jesus, que entra em Jerusalém, à tristeza de O ver condenado à morte e crucificado. É uma atitude interior que nos acompanhará ao longo da Semana Santa. Abramo-nos, pois, a esta surpresa”, exortou.

“Jesus começa logo por nos surpreender. O seu povo acolhe-O solenemente, mas Ele entra em Jerusalém num jumentinho”, continuou Francisco. Pela Páscoa, o seu povo espera o poderoso libertador, mas Jesus vem cumprir a Páscoa com o seu sacrifício.

Que se passou com aquele povo que, em poucos dias, passou dos ‘hossanas’ a Jesus ao grito ‘crucifica-O’? Aquelas pessoas seguiam mais uma imagem de Messias do que o Messias. Admiravam Jesus, mas não estavam prontas para se deixar surpreender por Ele.”

A surpresa é diferente da admiração, destacou. A admiração pode ser mundana, porque busca os próprios gostos e anseios; a surpresa, ao contrário, permanece aberta ao outro, à sua novidade, frisou o Papa, acrescentando:

“Também hoje há muitos que admiram Jesus: falou bem, amou e perdoou, o seu exemplo mudou a história… Admiram-No, mas a vida deles não muda. Porque não basta admirar Jesus; é preciso segui-Lo no seu caminho, deixar-se interpelar por Ele: passar da admiração à surpresa.”

Para Francisco, o que mais nos surpreende é “o fato de Ele chegar à glória pelo caminho da humilhação. Triunfa acolhendo a dor e a morte, que nós, súcubos à admiração e ao sucesso, evitaríamos”.

Jesus sobe à cruz para descer ao nosso sofrimento. Prova os nossos piores estados de ânimo: o falimento, a rejeição geral, a traição do amigo e até o abandono de Deus. Experimenta na sua carne as nossas contradições mais dilacerantes e, assim, as redime e transforma. O seu amor aproxima-se das nossas fragilidades, chega até onde mais nos envergonhamos.”

Peçamos a graça do assombro. A vida cristã, sem surpresa, torna-se cinzenta, disse o Pontífice. “Como se pode testemunhar a alegria de ter encontrado Jesus, se não nos deixamos surpreender cada dia pelo seu amor espantoso, que nos perdoa e faz recomeçar?”

Se a fé perde o assombro, torna-se surda: já não sente a maravilha da graça, deixa de sentir o gosto do Pão da vida e da Palavra, fica sem perceber a beleza dos irmãos e o dom da criação. Nesta Semana Santa, ergamos o olhar para a cruz a fim de recebermos a graça do assombro, exortou o Papa.

Angelus: “Jesus assume o peso do mal”

Ao término da Eucarisitia, antes da bênção final da Missa deste Domingo de Ramos, Francisco conduziu o Angelus, ressaltando que esta é a segunda vez que vivemos a Semana Santa em contacto de pandemia.

“Nesta situação histórica e social, o que Deus faz? Toma a cruz. Jesus toma a sua cruz, ou seja, assume o peso do mal que tal realidade implica, o mal físico, psicológico e sobretudo espiritual, porque o Maligno se aproveita das crises para semear desconfiança, desespero e discórdia”, continuou o Pontífice.

“E nós? O que devemos fazer? A Virgem Maria, a Mãe de Jesus que é também sua primeira discípula, mostra-nos. Ela seguiu o seu Filho. Tomou sobre si a sua própria parcela de sofrimento, de escuridão, de abatimento, e percorreu o caminho da paixão, mantendo a lâmpada da fé acesa no seu coração. Com a graça de Deus, também nós podemos fazer este caminho”, exortou o Papa, acrescentando:

Ao longo da via-sacra diária, encontramos os rostos de tantos irmãos e irmãs em dificuldade: não passemos adiante, deixemos que o coração seja movido à compaixão e aproximemo-nos. No momento, como o Cirineu, poderemos pensar: “Por quê logo eu?” Mas depois descobriremos o presente que, sem nosso mérito, nos foi dado. Que Nossa Senhora, que sempre nos precede no caminho da fé, nos ajude.”

O Sumo Pontífice aproveitou a ocasião para apelar à oração pelas vítimas da violência no atentado extremista ocorrido no fim de semana na Catedral de Makassar, Sul da Indonésia. Pensa-se que o ataque tenha deixado 14 feridos.

Sacerdotes: olhar de ternura, reconciliação e fraternidade

Francisco recebeu em audiência na segunda-feira, 29 de março, na Sala Clementina, no Vaticano, os membros da Comunidade do Pontifício Colégio Mexicano.

O Papa ressaltou à comunidade do Pontifício Colégio Mexicano de Roma que os problemas atuais exigem dos sacerdotes a necessidade de se configurarem ao Senhor e ao olhar de amor com que Ele nos contempla. “Ao conformar o nosso olhar com o seu, o nosso se transforma em olhar de ternura, reconciliação e fraternidade”, disse Francisco.

Depois de explicar as três dimensões, o Santo Padre concluiu afirmando as necessidades de harmonização das dimensões académica, espiritual, humana e pastoral na formação do clero. “Ao mesmo tempo, precisamos nos consciencializar das nossas deficiências pessoais e comunitárias, bem como das negligências e faltas que temos que corrigir na nossa vida. Somos chamados a não subestimar as tentações mundanas que podem levar a um conhecimento pessoal insuficiente, a atitudes autorreferenciais, ao consumismo e às várias formas de evasão das nossas responsabilidades” acrescentou.

O Papa concluiu, pedindo a Nossa Senhora de Guadalupe e a São José para que cuidem de todo o Clero do México e da comunidade do Pontifício Colégio Mexicano.

Crise climática: “Ver ou não ver, eis a questão!”

Foi apresentado esta terça-feira o livro “Orientações Pastorais sobre as Pessoas Deslocadas pela Crise Climática”, organizado pela Secção Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que conta com um prefácio do Papa Francisco.

A nota do Pontífice apresenta a obra como “um guia repleto de factos, interpretações políticas e propostas relevantes …mas, – continua o Papa – desde logo, sugiro que adaptemos o famoso “ser ou não ser” de Hamlet e afirmemos: ‘Ver ou não ver, eis a questão!’ Tudo começa com a capacidade de ver de cada um, sim, a minha e a vossa”.

Francisco destaca a nossa indiferença: “Somos submersos por notícias e imagens de povos inteiros desenraizados devido a cataclismos climáticos e forçados a migrar. Mas o efeito que estas histórias produzem em nós e a nossa resposta (…) dependem da nossa capacidade de ver o sofrimento contido em cada história.

O facto de as pessoas se deslocarem porque o seu habitat local se tornou inabitável, pode parecer um processo natural, algo inevitável. No entanto, a deterioração climática resulta muito frequentemente de escolhas erradas e atividade destrutiva, egoísmo e negligência que colocam a humanidade em conflito com a criação, a nossa casa comum”.

O Papa alerta ainda que “números impressionantes e crescentes de deslocados pela crise climática estão rapidamente a tornar-se uma emergência grave do nosso tempo”. “As pessoas expulsas dos seus lares pela crise climática necessitam ser acolhidas, protegidas, promovidas e integradas. Elas querem recomeçar. Para criar um novo futuro para os seus filhos, precisam ter condições e ser ajudadas. Acolher, proteger, promover e integrar são verbos que implicam uma ação útil. Retiremos, uma a uma, as barreiras que bloqueiam o caminho dos deslocados, o que os reprime e marginaliza, os impede de trabalhar e ir à escola, tudo o que os torna invisíveis e nega a sua dignidade”.

Por fim o Pontífice afirma que “Não vamos superar crises como as alterações climáticas ou a COVID-19 refugiando-nos no individualismo, mas apenas com o esforço de “muitos em conjunto”, através do encontro, do diálogo e da cooperação”.

Audiência Geral: “A Cruz de Cristo é como um farol”

“Já imersos na atmosfera espiritual da Semana Santa, estamos na vigília do Tríduo pascal. De amanhã até domingo, viveremos os dias centrais do Ano” litúrgico, celebrando o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor”, disse Francisco no início de sua catequese na Audiência Geral desta quarta-feira. “O Tríduo Pascal” foi o tema da catequese.

O Papa recordou que “na noite de Quinta-feira Santa, ao entrarmos no Tríduo pascal, reviveremos na Missa in Coena Domini o que aconteceu na Última Ceia. É a noite em que Cristo entregou aos seus discípulos o testamento do seu amor na Eucaristia, não como uma lembrança, mas como um memorial, como a sua presença perene”.

“A Sexta-feira Santa é um dia de penitência, jejum e oração”, recordou o Papa. “Através dos textos da Sagrada Escritura e das orações litúrgicas, estaremos como que reunidos no Calvário para celebrar a Paixão e a Morte Redentora de Jesus Cristo. Teremos na mente e no coração o sofrimento dos doentes, dos pobres, dos descartados deste mundo; recordaremos os “cordeiros imolados”, vítimas inocentes de guerras, ditaduras, violência diária, abortos. Levaremos diante da imagem do Deus crucificado, em oração, os muitos, demasiados crucificados de hoje, que só d’Ele podem receber o conforto e o significado do seu sofrimento.”

A seguir, o Papa recordou que “o Sábado Santo é o dia do silêncio: há um grande silêncio em toda a Terra; um silêncio, vivido no pranto e na perplexidade dos primeiros discípulos, perturbados com a morte ignominiosa de Jesus. Enquanto o Verbo está em silêncio, enquanto a Vida está no túmulo, aqueles que tinham esperança n’Ele são postos à prova, sentem-se órfãos, talvez até órfãos de Deus. Este sábado é inclusive o dia de Maria: também ela o vive em lágrimas, mas o seu coração está cheio de fé, cheio de esperança, cheio de amor”.

Na escuridão do Sábado santo, irromperão a alegria e a luz com os ritos da Vigília pascal e o canto jubiloso do Aleluia”, frisou o Papa.

“Será um encontro de fé com o Cristo ressuscitado, e a alegria pascal continuará ao longo dos cinquenta dias que se seguirão. Aquele que foi crucificado, ressuscitou! O Ressuscitado nos dá a certeza de que o bem triunfa sempre sobre o mal, que a vida vence sempre a morte. O Ressuscitado é a confirmação de que Jesus tem razão em tudo: em prometer-nos vida para além da morte e perdão para além dos pecados.”

O Papa concluiu lembrando o contexto pandémico das celebrações. “Em tantas situações de sofrimento, especialmente quando quem as padece são indivíduos, famílias e povos já provados pela pobreza, calamidade ou conflito, a Cruz de Cristo é como um farol que aponta o porto para os navios ainda a flutuar num mar tempestuoso. A Cruz de Cristo é o sinal de esperança que não desilude; e diz-nos que nem uma lágrima, nem sequer um gemido, são perdidos no desígnio de salvação de Deus. Peçamos ao Senhor que nos dê a graça de servir, de reconhecer esse Senhor e de não nos deixar pagar para esquecê-lo.”

JM (com recursos do portal Vatican News)

Partilhe nas redes sociais!
31 de Março de 2021