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Opinião: ‘Igreja em catacumbas’ – hoje como ontem?

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Texto de opinião do Padre António Sílvio Couto

Estes tempos de pandemia vieram revelar algo de muito complexo sobre a Igreja – dizemo-lo da sua expressão ‘católica’ sem esquecer outras denominações – na vivência comunitária ou em condições de maior constrangimento, nas coisas de âmbito social ou nas referências à família, na sua verificação diocesana ou paroquial, mas também nos grupos de compromisso em apostolado organizado.

Estamos a viver um tempo idêntico ao das igrejas em condição de catacumba, isto é, de perseguição ou de resistência, de minoria e não mais de cristandade, de procura na reinvenção de sabermos estar, depois de tantos que já por cá estiveram, de saber anunciar Jesus sem pressupor que já O conhecem…

1. Igreja em catacumbas. Quando se fala na história da Igreja do tempo das catacumbas (até ao século V) precisamos de localizar-nos numa época de expansão do cristianismo sujeito a perseguições, em confronto com o paganismo romano maioritário, refugiando-se os cristãos nos espaços subterrâneos onde estavam sepultados os restos mortais dos ‘seus’ mártires e de quantos pagaram com a vida o seguimento de Jesus. Recorde-se que a imagem-simbólica deste tempo intenso e duro é a figura de ‘Cristo-bom pastor’ carregando aos ombros uma ovelha, como discípulo querido e amado.

2. Perseguição ou resistência? Os cristãos com tantos dos seus pastores estavam inflamados da força do Espírito Santo e preferiam, à semelhança de São Ireneu, morrerem trucidados pelos dentes das feras do que abjurarem da sua fé. Não há nada de romântico nesta fase do ser cristão, mas uma força capaz de viver a perseguição, tal a dinâmica espiritual bebida nos evangelhos e nos escritos dos padres apostólicos. Com a pandemia não vimos tantos a acobardarem-se e a quedarem-se diante da televisão do que a, com rigor e confiança, estarem com os seus? O zoom resolveu, mas não solucionou a acomodação!

3. Minoria, já não cristandade. Designada, em meados do século vinte, como ‘cristandade profana’, continuamos a recorrer aos rituais religiosos-sacramentais como alheamento das condições em Igreja. Já não há mais coincidência entre sociedade e Igreja (cristianismo/catolicismo) nem os que professam a fé em Cristo têm superioridade aos outros cidadãos. Por vezes acontece precisamente o contrário: ser cristão, afirmá-lo e mostrá-lo, com sinais mesmo exteriores, torna-se complicado senão mesmo perigoso. Da limpeza dos crucifixos nos espaços públicos, exigida pelo laicismo exacerbado de muitos mentores políticos, fomos passando à exclusão ostensiva e provocatória de tudo quanto cheire a sinal de fé cristã. Questiono porque continuam a respeitar o ritmo social de certas festas – Natal, Páscoa, feriados religiosos – com base em preconceitos e/ou tiques de ignorância… Quando acordaremos para sabermos ser e estar como minoria num mundo paganizado, ateu e amoral?

4. Procura: refontalização na renovação. Decorridos mais de cinquenta anos do tempo do Concílio Vaticano II ainda não aprendemos a cultivar uma forma de ser Igreja que não reproduza rituais vazios, não promova festas à custa dos santos, não faça da religião um ato social de descrentes.

O problema está aí: para uns tantos parece preferível recorrer à missa em latim como subterfúgio para a escuta da Palavra que converta; outros entretêm-se no croché de língua a discutir quem será mais importante…no seu grupo, movimento, paróquia ou diocese; há quem prefira umas rezas de devoção do que dedicar tempo a ler, meditar e tentar viver o que está na Sagrada Escritura…

5. Novas catacumbas. As igrejas esvaziam-se, os grupos e movimentos envelhecem, as congregações religiosas fecham e vendem as casas por falta de vocações, os seminários recebem o que chega porque o saldo é baixo, as irmandades e confrarias estiolaram-se por falta de novos associados, as autarquias abocanham as festas (religiosas e não só) por ausência de cristãos desinstalados, órgãos de comunicação social entram em colapso pelo desinteresse da maioria dos cristãos…muitas vezes ignorantes que se tornam ignorados. Aí, nas catacumbas para onde nos querem enfiar, temos de acordar e suplicar ao Espírito de Deus que venha renovar a face da terra – como suplicamos nas orações do tempo de Pentecostes. Não podemos seguir uma tendência de revivalismo – no meu tempo é que era, quando era mais novo – nem tão pouco queremos retomar uma fase de inquisição, em busca de hereges ou de culpados, de vítimas nem de réus…

6. Sugestões para um novo espírito de Igreja. Porque vivi, por graça especial de Deus, sobretudo nos tempos de jovem, de formação no seminário e nos primeiros anos de vida de padre, momentos que me fizeram crer que estávamos a viver um novo Pentecostes, ouso propor algumas linhas de conduta…de forma despretensiosa e humilde:

  • Igreja de irmãos fiéis na fé, pela esperança para a caridade: de olhos novos; 
  • Igreja serva, servidora, mas não servil: de joelhos só diante de Deus;
  • Igreja de rosto compassivo e presença misericordiosa para dentro e com os de fora: de mãos abertas;
  • Igreja profética nas palavras, nos gestos e com sinais: de boca em louvor permanente;
  • Igreja que suja as mãos de trabalho, mas não de favores para com ninguém: de pés em caminho.

Temos de mudar de registo, cada um por si e todos em conversão. Daqui a 50 anos ainda haverá fé nesta terra?

Padre António Sílvio Couto

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21 de Julho de 2021