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Irmã Fátima Ferraz, fmns: “Há sempre muita coisa por fazer: o que é preciso é sair do sofá”

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Depois de oito anos ao serviço da Igreja na cidade de Setúbal, a Irmã Fátima Ferraz, das Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora, ruma este mês a Santo Tirso, Diocese do Porto, para continuar a sua missão. Em entrevista, conta-nos um pouco do seu caminho de vida e faz um balanço da experiência pastoral na Diocese.

 

Como foi a sua infância?

Eu sou natural de Paço de Sousa, Penafiel [Diocese do Porto]. Sou de uma família numerosa de 10 irmãos, uma família crente em Deus, que me deu uma educação cristã bastante saudável. Frequentávamos a Eucaristia e recebemos os sacramentos da Iniciação Cristã.

Depois, muito jovem, fui para um colégio das Irmãs Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora, em Santo Tirso, para onde eu agora vou. Vou regressar às raízes.

Foi no contacto com as irmãs que surgiu a sua vocação?

Logo aí identifiquei-me com a forma de estar e de ser daquelas irmãs que tão generosamente se dedicavam. Interrogava-me muitas vezes como é que elas faziam gratuitamente o que muito outros profissionais não fariam. Isso fez um eco muito grande em mim.

Depois, quando uma irmã da congregação, que estava à frente de um lar de idosos e que era amiga da minha mãe, visitou a Casa do Gaiato em Paço de Sousa, com uns idosos, a minha mãe quis ir visitá-la e levou-me.

Calhou. Podia ter sido um dos meus irmãos, mas fui eu. Fiquei encantada com alegria dela, a forma como lidava com os outros e comigo, sem me conhecer. Encantou-me a alegria e o sorriso dessa irmã na sua doação.

Fui amadurecendo essa ideia até que mais tarde entrei no noviciado das irmãs, em Gondomar, com 16 anos. Mas o que me atraiu na vida religiosa foi a doação que eu testemunhava nas irmãs.

Em que consiste o carisma das Franciscanas Missionárias?

É a comunhão e estarmos onde ninguém quer estar, com quem ninguém quer estar. É uma espiritualidade franciscana: viver o Evangelho à maneira de São Francisco de Assis. O Instituto foi fundado em Calais, em França, no século XIX, da junção de várias comunidades franciscanas femininas.

Entrou para o noviciado…

Sim, o aspirantado, o postulantado e o noviciado. Nunca me arrependi. Tive muita gente que me quis desencaminhar. Achavam que era mal-empregado uma rapariga tão jovem estar na vida religiosa. Mas outros valores transcendentais deram-me força para eu seguir em frente.

Durante esses anos, quais foram as suas missões?

Quando realizei os primeiros votos, fiz um estágio. Fui para o Hospital de Santa Maria, no Porto, onde trabalhei nos serviços administrativos. Entretanto, mostrei-me mais vocacionada para o ensino. Fiz a minha formação [para professora primária] e o meu trabalho foi quase sempre nos colégios da congregação, no Colégio de Santa Margarida (Gondomar), no Colégio Luso-Francês, no Colégio do São Diniz. Mesmo a dar aulas, e como sempre senti vocação pastoral, ia dar catequese aos fins de semana, participava noutras atividades das Paróquias, ia dar a comunhão a um lar e às pessoas doentes.

E há 8 anos veio para Setúbal…

Quando chegou a altura de me reformar [do ensino do 1ºciclo] eu disse que gostaria de estar numa casa pastoral. Porque sempre senti que a minha vocação, para além de dar aulas, era pastoral. E mesmo no meu ensino, apesar de fazer o trabalho como qualquer profissional, tinha o meu carisma como religiosa que era: não começava uma aula sem uma oração, rezávamos juntos. Os meus alunos distinguiam-se um bocadinho das turmas dos professores leigos. Por isso, vim para esta comunidade, em Setúbal, porque era uma casa vocacionada para a área pastoral.

Há 8 anos, que cidade encontrou em Setúbal?

Nunca cá tinha vindo. Olhando um bocadinho para a mudança que vou fazer agora, neste momento vou para o conhecido. Já conheço, é o meu ambiente [escolar], mesmo não dando aulas obviamente. Quando me pediram para vir para Setúbal, vim para o desconhecido.

Cheguei aqui e vinha habituada a muito trabalho, no colégio, com os jovens dos Convívios Fraternos e outras tarefas. Cheguei aqui e achei que tinha muita vida para estar em casa. Por isso, eu própria procurei trabalho.

Um dos trabalhos que eu gostei imenso foi trabalhar no Colégio Diocesano, onde tive um campo de ação muito grande, com a organização da catequese para os alunos. Depois também comecei a colaborar com a Cáritas Diocesana, n“O Cogumelo” [Creche, Jardim de Infância e ATL] onde dava apoio escolar às crianças com mais dificuldades, sobretudo a Português e a Matemática.

Dava-me um certo gozo ajudar crianças que sabia que tinham capacidades mas que não tinham forma de ter as suas dúvidas respondidas por não ter apoio.

É uma realidade muito diferente de Santo Tirso?

Comparando Santo Tirso com Setúbal, é necessariamente uma realidade social e espiritual diferente.

No Porto, as famílias e as crianças vêm ter connosco. Aqui temos que ir buscá-las. Muitas famílias sem prática religiosa e que precisam de ser encaminhadas. E eu ajuda-vos e eu encaminhava-os para as paróquias para terem catequese.

Esta gente de Setúbal é sedenta, mas há muito trabalho pastoral a fazer. Em relação à minha vocação, muitas pessoas não entendiam a vida religiosa. Muitas vezes as pessoas viam-me e perguntavam-me se eu tinha marido. E nessas situações compreendia que havia muito desconhecimento sobre a vida religiosa.

E eu explicava que não, nós fizemos uma opção livre. Eu sempre dizia que nós não somos nenhumas coitadinhas: viemos para esta vida por opção livre até porque não faltava gente a remar contra a maré. É uma opção de vida. Alguns catequizandos perguntavam-me se não gostava de ter uma família: eu dizia que nós não temos nada mas ao mesmo tempo temos tudo.

Ajudou aqui em muitas Paróquias?

Isso foram muitas! Colaborei na Paróquia de São José, a convite do Padre Carlos Russo, na formação de catequistas e no Jardim de Infância “Abelhinha” e na “Cotovia”. Comecei a dar catequese em São José, no Colégio de Santa Ana e na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição. Também dei catequese de adultos, preparei casais que queriam casar, mas que não eram batizados ou não tinha primeira comunhão.

Também estive no secretariado regional da CIRP [Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal]. Durante o meu mandato vivemos o Ano da Vida Consagrada e foi um tempo muito rico, onde juntámos todas as comunidades de vida religiosa num passeio de barco, onde tivemos missa a bordo, presidida pelo senhor Bispo, D. Gilberto [Canavarro dos Reis, atual Bispo Emérito de Setúbal]. Foi nesse ano, que viemos a saber que vinha para Bispo de Setúbal, D. José Ornelas. Fiquei muito contente por, no ano da vida consagrada, vir para Setúbal um bispo consagrado [Dehoniano].

Ao fim destes 8 anos, com que sentimento sai da Diocese?

Saio daqui desta Diocese com o sentimento de me ter doado, com a estima das muitas pessoas que encontrei no caminho. Esta doação, esta alegria que a gente põe naquilo que faz, na doação gratuita. Isto dava um certo gozo, tudo na gratuidade.

E mesmo para as pessoas não religiosas, o testemunho tinha um impacto muito grande, porque interrogam-se como podia eu fazer o que faço na gratuidade.

Saio com um sentimento de alegria muito grande por ter sido útil. Tudo o que fazia, fazia porque saía do sofá. Se ficasse em casa, não vinha cá ter nada. Quanto mais fazia, mais me pediam para fazer. Eu noto que estas experiências fazem-nos sair de nós, sair do sofá.

Para fazer serviço pastoral como deve ser, temos que sair, temos que sair do nosso comodismo, não cruzar os braços. Também levo uma marca muito grande pelo apoio que o D. José sempre deu às comunidades religiosas.

Voltando para Santo Tirso, o que a espera?

É um meio que eu conheço. Vou assumir catequeses na Paróquia e vou continuar a dar apoio escolar às crianças com dificuldades.

Há sempre muita coisa por fazer?

Há sempre muita coisa por fazer. O que é preciso é sair do sofá. Irmos ao encontro do outro. Podemos pensar que é um sacrifício muito grande, mas também é uma alegria muito grande.

JM

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23 de Setembro de 2021