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Igreja/Leigos: É necessário “consertar o mundo” parar criar uma sociedade onde se reflita “a justiça e a misericórdia de Deus”

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A ‘Praça Central’ 2021, atividade promovida pela Conferência Nacional das Associações do Apostolado dos Leigos (CNAL), decorreu ao longo deste sábado em Almada, com o tema ‘A difícil arte da amizade social. Como é importante sonhar juntos!’.

O evento inspirou-se na Encíclica ‘Fratelli Tutti’, do Papa Francisco, incluindo a realização de uma sessão plenária durante a manhã e mesas-redondas durante a tarde, para abordar quatro temas centrais – cidadania, política, cultura e diálogo -, com quase 50 intervenientes.

O cardeal Seán Patrick O’Malley, arcebispo de Boston (EUA), foi o primeiro palestrante. Disse aos participantes no encontro ‘Praça Central’ que os católicos são chamados liderar o combate à xenofobia e ao racismo.

“Aqueles que levantam muros acabarão por ser escravos dentro dos próprios muros que construíram”, advertiu o colaborador do Papa, apresentando a solidariedade como “antídoto” para qualquer discriminação.

D. Seán Patrick O’Malley falou do legado “devastador” da violência racial, alertando para o ressurgimento de nacionalismos, com “novas formas de egoísmo e uma perda do sentido social”.

Numa intervenção em vídeo, intitulada ‘O Tikun Olam do Samaritano’, o responsável católico recordou a “animosidade” e a “guerra fria” que existia entre judeus e samaritanos no tempo de Jesus Cristo.

Jesus, indicou, escolhe um samaritano como modelo de “amar o próximo como a si mesmo”, sem criar distância com o necessitado, alguém que se coloca “no caminho do perigo” e poderia ter sido acusado de ser ele próprio o ladrão.

“Como acontece com pessoas de cor nos Estados Unidos, que se queixam de a polícia mandar parar o seu carro, pedindo os seus documentos, pela simples razão de conduzir sob o efeito de ser negro”, observou o cardeal.

O convidado apelou a uma “mudança de coração”, que leve a acompanhar os “invisíveis” e “insignificantes” na sociedade contemporânea.

“Os deveres de solidariedade exigem mais do que prestar assistência a outros necessitados, devemos também comprometer-nos com as práticas e políticas que impedem a exclusão e a exploração”, assinalou.

O conceito judaico de ‘Tikun Olam’ significa, segundo o conferencista, “consertar o mundo”, tarefa que visa criar uma sociedade onde se reflita “a justiça e a misericórdia de Deus”, a construção da “civilização do amor” no ensinamento cristão.

O arcebispo de Boston alertou ainda para a desconfiança e “divisão social” que a pandemia de Covid-19 tem provocado.

O cardeal foi bispo de Fall River, nos EUA, e estudou português para acompanhar a grande comunidade lusófona presente na região, tendo proferido a sua intervenção nesta língua.

Partindo da sua vivência como franciscano capuchinho, o conferencista destacou a figura de São Francisco de Assis (1182-1226) e a sua inspiração no atual pontificado, do Papa Francisco, para a proposta de “uma nova visão da solidariedade e da amizade social”.

Iniciar, corrigir, implementar

O médico Luis Parente Martins foi o segundo orador na ‘Praça Central’ 2021. Na sua intervenção, sustentou que “uma Igreja fraterna” seria um modelo para a sociedade, para a promoção de transformações necessários.

Médico cardiologista, Parente Martins falou da sua experiência como católico, marcada pela ligação à espiritualidade dos Focolares, que sublinha a dimensão da unidade.

Convidado a falar do tema “recomeçar”, o orador sublinhou três dimensões – iniciar, corrigir, implementar – para promover um itinerário de amizade social, que alimente o dialogo dentro da Igreja, ecuménico, inter-religioso, com os não-crentes e a cultura.

Parente Martins destacou a ligação ao processo sinodal, lançado pelo Papa Francisco, que decorre num momento de “extremar de posições” dentro da Igreja, convidando a valorizar as diversas “sensibilidades” e a evitar os “fundamentalismos”.

Parente Martins realçou a necessidade de fazer “verdadeiras escolhas éticas”, convidando os católicos a promover valores e atitudes próprias.

A intervenção deixou uma série de “tarefas” aos participantes, como “verbalizar o amor recíproco” ou promover dinâmicas que tornem a celebração da Eucaristia “mais percetível, mais congregacional e mais bela”.

“Iniciar uma amizade pessoal com um membro de outra religião”, corrigir modelos de ação social ou “implementar a amabilidade” foram outras propostas lançadas.

A manhã de trabalhos incluiu uma mesa-redonda com testemunhos sobre ‘A construção da amizade social nas dimensões da política e cidadania’.

Manuel Carvalho da Silva, investigador e antigo responsável pela CGTP, falou da compreensão da amizade como inclusão e não como “escolha” que limita. O convidado citou o Papa Francisco, que no número 162 da encíclica ‘Fratelli Tutti escreve que “a grande questão é o trabalho”, como dimensão essencial da vida social.

Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa, aludiu à sua vivência em Angola e ao percurso académico-profissional de alguém que “não se conforma”. “Queria encontrar soluções com os recursos que temos”, observou.

Rita Sacramento Monteiro, gestora de voluntariado corporativo e membro da ‘Economia de Francisco’ – Portugal, recordou a experiência como voluntária, alimentada pelo “desejo de ajudar os outros”. “A amizade social é um movimento de saída”, precisou.

Igreja em debate e partilha de testemunhos

No debate dedicado ao tema da cidadania, Luísa Schmidt, socióloga, alertou para as sombras da “crise climática e ambiental”, que desafiam a humanidade.

A professora universitária elogiou o dinamismo dos movimentos juvenis como um sinal “inovador e esperançoso”.

Isabel Jonet, presidente da Federação dos Bancos Alimentares, falou da cidadania como “exercício coletivo” de construção de um mundo mais justo e fraterno.

A convidada destacou a importância do voluntariado na sua educação para ser “melhor cidadã” e indicou o potencial do “voluntariado organizado” em favor do bem comum.

Jonet assume como prioridade “chegar ao coração das pessoas, trazendo-as para a cidadania ativa”, promovendo “valores universais que constroem sociedades mais tolerantes”.

João Cortez de Lobão, empresário e fundador da Associação ‘Magnum Gaudium’, disse aos presentes que a cidadania passa por cumprir a sua parte “num pacto social”.

O orador falou da importância de cuidar do próximo, a começar pelos empregados da própria empresa, por exemplo.

A mesa-redonda incluiu uma segunda sessão, de testemunhos, com a participação de Gonçalo Joanaz de Melo, da Missão País; o padre Constantino Alves, da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, Diocese de Setúbal; Jorge Almeida, da Associação Vale de Acor, Diocese de Setúbal; Filipa Paiva Couceiro, do projeto COMVIDAS; Catarina Doro, da JMJ Lisboa 2023; Miguel Toscano Rico, da InspirO2; e José Sasseti, do projeto Semente.

O dia terminou com a celebração da Eucaristia, presidida por D. José Ornelas na Igreja Paroquial de Almada.

Agência Ecclesia

Fotos: António Fonseca e Agência Ecclesia

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24 de Novembro de 2021