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Simeão e Ana: testemunhas do cumprimento das promessas

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Reflexão do Padre António Sílvio Couto

No dia 2 de fevereiro celebramos a festa da ‘Apresentação do Senhor’ com a possibilidade de dois momentos diferentes e complementares: a bênção e procissão das velas, com subsequente eucaristia, onde se faz direta referência à purificação de Maria e a apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém.

O primeiro momento celebrativo faz, desde logo, alusão ao tema da luz, que Simeão acolhe, agradece e anuncia: Jesus. Na eucaristia somos chamados a inserir a vivência da entrega, feita por Maria e profeticamente interpretada por Simeão e Ana… Esta ‘entrega’ de Maria tem vindo a dar conteúdo eclesial a esta festa, na vertente da ‘consagração ao serviço do Reino de Deus’.

Previamente devemos considerar ainda que estamos perante dois momentos rituais da religião judaica: a circuncisão (oito dias depois do nascimento) e a apresentação-purificação no Templo (quarenta dias após o dito nascimento). Nesta passagem bíblica faz-se referência, por quatro vezes, a que eles – José e Maria – desejavam cumprir aquilo que estava prescrito pela Lei do Senhor (cf. Lc 2, 22.23.24.27).

Nesta pequena reflexão vamos tentar refletir sobre o significado mais profundo para nós, hoje, de modo a melhor vivermos estes dois momentos da revelação de Jesus.

«21 Quando se completaram os oito dias, para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus indicado pelo anjo antes de ter sido concebido no seio materno.
22 Quando se cumpriu o tempo da sua purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, 23 conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor» 24 e para oferecerem em sacrifício, como se diz na Lei do Senhor, duas rolas ou duas pombas.
25 Ora, vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão; era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo estava nele. 26 Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor. 27 Impelido pelo Espírito, veio ao templo, quando os pais trouxeram o menino Jesus, a fim de cumprirem o que ordenava a Lei a seu respeito.
28
Simeão tomou-o nos braços e bendisse a Deus, dizendo: 29 «Agora, Senhor, segundo a tua palavra,
deixarás ir em paz o teu servo,
30 porque meus olhos viram a Salvação 31 que ofereceste a todos os povos,
32 Luz para se revelar às nações e glória de Israel, teu povo.»
33 Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele. 34 Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; 35 uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações.»
36 Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avançada. Depois de ter vivido casada sete anos, após o seu tempo de donzela, 37 ficou viúva até aos oitenta e quatro anos. Não se afastava do templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. 38 Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém.
39 Depois de terem cumprido tudo o que a Lei do Senhor determinava, regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré. 40 Entretanto, o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele» (Lc 2, 21-40).

Após o nascimento é-Lhe dado, ritualmente oito dias pela circuncisão, o nome de Jesus, conforme tinha sido indicado pelo anjo (v. 21). O texto abre com a expressão – ‘quando se completaram’ – numa alusão àquilo que se pode designar como a realização das profecias’ do Antigo Testamento. Por seu turno, a referência à circuncisão é o cumprir de Génesis 17,12-13: «Oito dias depois de nascer, toda a criança do sexo masculino, das vossas gerações futuras, será circuncidada por vós; os servos, nascidos em casa ou estrangeiros adquiridos a dinheiro, serão também circuncidados, ainda que não pertençam à tua raça. Tanto o indivíduo do sexo masculino nascido em casa, como o que for adquirido a dinheiro, deverão ser circuncidados; e, desta forma, será marcado na vossa carne o sinal da minha aliança perpétua» e ainda em Levítico 12,3.

A apresentação do Menino no templo não era requerida pela Lei, que apenas prescrevia a purificação da mãe, como se refere em Levítico 12, 6-8: «Quando terminar o tempo da sua purificação, para um filho ou para uma filha, apresentará ao sacerdote, à entrada da tenda da reunião, um cordeiro de um ano, como holocausto e uma pomba ou uma rola, como sacrifício pelo pecado. O sacerdote oferecê-los-á ao Senhor, fará o rito da purificação por ela, e será purificada do fluxo do sangue. Esta é a lei relativa à mulher que dá à luz um filho ou uma filha. Se não tiver meios para oferecer um cordeiro, tomará duas rolas ou duas pombas, uma para o holocausto e outra para o sacrifício pelo pecado; o sacerdote fará a expiação por ela e será purificada».

Nos vv. 22-24 de Lucas 2 encontramos o cumprimento das prescrições legais quanto ao após o nascimento de um filho, sobretudo naquilo que à mãe se referia. A novidade aparece-nos nos versículos seguintes, onde interveem Simeão e Ana, duas figuras que marcam a interpretação do cristianismo, mesmo no relacionamento com os mais velhos. Digamos que se dá um encontro entre os jovens e os anciãos: os jovens eram Maria e José, com o seu recém-nascido; e os anciãos eram Simeão e Ana, duas personagens que frequentavam sempre o Templo.

«E o que diz são Lucas a propósito destes anciãos? Ressalta mais de uma vez que eles eram orientados pelo Espírito Santo. Acerca de Simeão, afirma que era um homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel, e que «o Espírito Santo estava sobre ele» (2, 25); recorda ainda que «o Espírito Santo lhe tinha revelado» que não ele morreria sem primeiro ter visto Cristo, o Messias (v. 26); e, finalmente, que foi ao Templo «impelido pelo Espírito Santo» (v. 27). Depois, acerca de Ana, diz que ela era uma «profetisa» (v. 36), ou seja, inspirada por Deus; e que estava sempre no Templo, «servindo a Deus noite e dia com jejuns e orações» (v. 37). Em síntese, estes dois anciãos estão cheios de vida! Estão repletos de vida, porque animados pelo Espírito Santo, dóceis ao seu sopro, sensíveis aos seus conselhos…

(…) Trata-se de um encontro entre jovens cheios de alegria na observância da Lei do Senhor, e de anciãos repletos de alegria pela obra do Espírito Santo. É um encontro singular entre observância e profecia, onde os jovens são observantes e os anciãos proféticos! Na realidade, meditando bem, a observância da Lei é animada pelo próprio Espírito, e a profecia move-se ao longo do caminho traçado pela Lei. Quem, mais do que Maria, está cheio de Espírito Santo? Quem, mais do que Ela, é dócil à sua acção?» (Papa Francisco, ‘Homilia na festa da Apresentação do Senhor, XVIII dia mundial da vida consagrada’, Vaticano, 2 de fevereiro de 2014).

Numa palavra: esta passagem entre os jovens Maria e José com Simeão e Ana como que resume o encontro a Lei e a profecia, sendo esta uma nova leitura, segundo o Espírito Santo naquela… tendo sempre Jesus por referência, ontem como hoje.

Sobretudo após a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, em 1969, a celebração deste mistério da Apresentação do Senhor quis, tanto ao nível teológico como na incidência popular, dar uma marca cristológica, mesmo com a ‘bênção das velas’ e respetiva procissão, onde se quer afirmar Cristo como luz das nações. Outro tanto se diga da acoplação a esta celebração de vertentes diversas do contexto sócio-religioso: como dia das vocações consagradas ou de especial dedicação ao serviço de Deus e dos irmãos.

= O cântico de Simeão (Lc 2, 29-32)

«29 Agora, Senhor, segundo a tua palavra, deixarás ir em paz o teu servo, 30 porque meus olhos viram a Salvação 31 que ofereceste a todos os povos, 32 Luz para se revelar às nações e glória de Israel, teu povo.»

No contexto do Templo e por ocasião da apresentação de Jesus, São Lucas deixa-nos este cântico simples e programático da vida de Jesus. Servimo-nos, novamente, de uma homilia do Papa Francisco por ocasião da celebração da Festa da Apresentação do Senhor.

«O cântico de Simeão é o cântico do homem crente que, na reta final dos seus dias, pode afirmar: É verdade! A esperança em Deus nunca dececiona (cf. Rm 5, 5); Ele não engana. Na sua velhice, Simeão e Ana são capazes duma nova fecundidade e dão testemunho disso mesmo cantando: a vida merece ser vivida com esperança, porque o Senhor mantém a sua promessa; e será o próprio Jesus que explicará, mais tarde, esta promessa na sinagoga de Nazaré: os doentes, os presos, os abandonados, os pobres, os anciãos, os pecadores… também eles são convidados a entoar o mesmo cântico de esperança, ou seja, que Jesus está com eles, está connosco (cf. Lc 4, 18-19).

Este cântico de esperança recebemo-lo em herança dos nossos pais. Eles introduziram-nos nesta «dinâmica». Nos seus rostos, nas suas vidas, na sua dedicação diária e constante, pudemos ver como este louvor se fez carne. Somos herdeiros dos sonhos dos nossos pais, herdeiros da esperança que não dececionou as nossas mães e os nossos pais fundadores, os nossos irmãos mais velhos. Somos herdeiros dos nossos anciãos que tiveram a coragem de sonhar; e, como eles, também nós hoje queremos cantar: Deus não engana, a esperança n’Ele não dececiona. Deus vem ao encontro do seu povo. E queremos cantar embrenhando-nos na profecia de Joel: «Derramarei o meu Espírito sobre toda a humanidade. Os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e os vossos jovens terão visões» (3, 1).

Faz-nos bem acolher o sonho dos nossos pais, para podermos profetizar hoje e encontrar novamente aquilo que um dia inflamou o nosso coração. Sonho e profecia juntos. Memória de como sonharam os nossos anciãos, os nossos pais e mães, e coragem para levar por diante, profeticamente, este sonho» (Papa Francisco, ‘Homilia da festa da Apresentação do Senhor e XXI dia mundial da vida consagrada’, 2 de fevereiro de 2017).

Expunhamo-nos à Luz que iluminou e guiou Simeão…

Padre António Sílvio Couto, Pároco da Moita

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01 de Fevereiro de 2022