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A Palavra do Papa: as razões da paz, a palavra pesada, a falsa recompensa e a prepotência do relógio

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O Santo Padre desdobrou-se em apelas e palavras de proximidade à população ucraniana nestes tempos de conflito. “Deus nos conceda a paz que os homens sozinhos não conseguem construir” escreveu na homilia de Quarta-Feira de Cinzas.

Ucrânia: “As razões da paz são mais fortes”

Francisco acompanha de perto a evolução da situação no país do Leste Europeu, sob ataque desde a noite de 24 de fevereiro, onde se contam inúmeros mortos e feridos.

O próprio Pontífice havia expressado “grande pesar no seu coração” pelo agravamento da situação no país na última quarta-feira, 23 de fevereiro, no final da Audiência geral, quando a violência ainda não havia eclodido.

O Papa apelou “aos que têm responsabilidades políticas para fazer um sério exame de consciência diante de Deus, que é o Deus da paz e não da guerra”. E convocou uma jornada de oração e jejum pela paz: “Que a Rainha da Paz preserve o mundo da loucura da guerra” disse, na ocasião.

Com o escalar do conflito armando, o Papa decidiu visitar pessoal a Embaixada da Federação Russa junto da Santa Sé, chefiada pelo embaixador Alexander Avdeev. Quis manifestar a sua preocupação com a guerra na Ucrânia fazendo uma visita às instalações da representação diplomática na Via della Conciliazione.

No Twitter, o Santo Padre propôs uma passagem da encíclica “Fratelli Tutti”, traduzida em russo e em ucraniano:

“Toda guerra deixa nosso mundo pior de como o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota diante das forças do mal”, publica acompanhada das hasghtags #PreghiamoInsieme e #Ucraina.

A 28 de fevereiro, publicou do mesmo modo outra mensagem no Twitter:

As razões da paz são mais fortes do que todo o cálculo de interesses particulares e toda a confiança posta no uso das armas.”

Através da Esmolaria Apostólica, o Papa enviou material médico para a Basílica de Santa Sofia em Roma, ponto de referência para a comunidade ucraniana: dali partem camiões cheios de alimentos e géneros de primeira necessidade para as pessoas que há dias sofrem as dramáticas consequências da guerra.

Angelus: as palavras têm um peso, as calúnias mais afiadas que uma faca

Num momento de crise e tensão, de medo e desequilíbrios internacionais, Francisco exorta à paz que, disse no Angelus, é construída a partir da linguagem. Detendo-se sobre o Evangelho de Lucas, no qual “Jesus nos convida a refletir sobre o nosso olhar e o nosso falar”, o Papa na sua catequese adverte sobre as consequências de um uso impróprio e superficial de uma linguagem que pode ferir como uma arma.

Com a língua também podemos alimentar preconceitos, levantar barreiras, atacar e até destruir os nossos irmãos: as coscuvilhices machucam e as calúnias podem ser mais afiadas que uma faca!”

Segundo o Papa, as palavras que usamos dizem quem somos. Às vezes, porém, prestamos pouca atenção às nossas palavras e as usamos superficialmente. Mas as palavras têm peso: elas permitem expressar pensamentos e sentimentos, dar voz aos medos que temos e aos projetos que queremos fazer, de abençoar a Deus e aos outros.

Vamos nos perguntar que tipo de palavras usamos, disse o Papa aos fiéis: “Palavras que expressam atenção, respeito, compreensão, proximidade, compaixão, ou palavras que visam principalmente nos fazer parecer bem diante dos outros”?

Francisco convida-nos a termos cuidado com as palavras que usamos. Pede às pessoas que reflitam sobre o seu olhar: “Nós olhamos para as nossas misérias. Sempre encontramos razões para culpar os outros e nos justificarmos”.

“Toda mudança fecunda, positiva, deve começar por nós mesmos, caso contrário, não haverá mudança”, disse o Papa.

Depois do Angelus, novo apelo do Papa pela Ucrânia: as pessoas simples desejam a paz mas pagam na própria pele pelas loucuras da guerra, corredores humanitários são necessários para aqueles que buscam refúgio. Recordando os conflitos na Síria, Etiópia e Iémen disse: “Deus está com os construtores de paz, não com aqueles que usam a violência”.

As bandeiras de muitos ucranianos na Praça São Pedro balançaram em sinal de agradecimento ao Papa. E Francisco saudou-os no seu idioma: Хвала Ісусу Христу, “Louvado seja Jesus Cristo”.

Zelenskyi e Shevchuk: profunda dor pela guerra na Ucrânia

O Santo Padre falou por telefone com Sua Beatitude Sviatoslav Shevchuk, arcebispo mor de Kiev-Halyč, da Igreja Greco-Católica ucraniana, no qual o Papa garantiu o seu compromisso pela paz.

Francisco perguntou sobre a situação em Kiev e na Ucrânia em geral, e expressou a sua vontade em fazer tudo o que estiver ao seu alcance. Na conversa ele perguntou sobre a situação dos bispos e sacerdotes nos territórios mais afetados pela operação militar russa.

O Papa agradeceu então à Igreja Greco-católica ucraniana pela proximidade com o povo, por sua decisão de estar ao seu lado e por ter disponibilizado a cripta da Catedral de Kiev, que se tornou um verdadeiro refúgio. Finalmente, ele assegurou as suas orações e deu a bênção ao sofrido povo ucraniano.

No sábado, o Papa teve uma conversa telefônica com o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyi. A embaixada ucraniana junto à Santa Sé relatou no Twitter que Francisco expressou “a sua mais profunda dor pelos trágicos eventos que estão a ocorrer no país”.

Numa outra publicação, o próprio presidente Zelenskyi disse: “Agradeci ao Papa Francisco por ter rezado pela paz na Ucrânia e por uma trégua. O povo ucraniano sente o apoio espiritual de Sua Santidade”.

Iraque: “diálogo inter-religioso é um caminho de fraternidade rumo à paz que Deus pede e abençoa”

O Papa Francisco recebeu em audiência, esta segunda—feira, no Vaticano, os representantes das Igrejas cristãs presentes no Iraque, por ocasião do primeiro aniversário da sua histórica viagem apostólica ao país.

“É com emoção e alegria que os encontro aqui em Roma, representantes das diferentes Igrejas cristãs no Iraque, um ano após a visita, inesquecível para mim, ao seu país”, disse o Papa no seu discurso.

A seguir, Francisco disse aos presentes que as suas terras “são terras de início: início das antigas civilizações do Médio Oriente, início da história da salvação, início da história da vocação de Abraão”. “São também terras do início cristão: das primeiras missões, são terras de exilados”, sublinhou ainda Francisco. “Mas muitos cristãos da sua região também foram obrigados ao exílio: as perseguições e guerras que se sucederam até aos dias de hoje obrigaram muitos deles a emigrar, levando para o Ocidente a luz do Oriente cristão”.

Que o sangue dos mártires do nosso tempo, pertencentes a diferentes tradições, mas unidos no mesmo sacrifício, seja uma semente de unidade entre os cristãos e um sinal de uma nova primavera da fé”, frisou o Papa.

A propósito das relações fraternas entre as Igrejas, o Pontífice sublinhou os “muitos laços de colaboração no campo do cuidado pastoral, da formação e do serviço aos mais pobres”, incentivando-os “a prosseguir neste caminho, para que, através de iniciativas concretas, do diálogo constante e do amor fraterno, possam ser feitos progressos em direção à unidade plena.”

Vocês sabem bem que o diálogo inter-religioso não é uma questão de pura cortesia. É um caminho de fraternidade rumo à paz, um caminho muitas vezes cansativo, mas que, sobretudo nestes tempos, Deus pede e abençoa. É um percurso que precisa de paciência e compreensão. Mas nos faz crescer como cristãos, porque exige abertura de coração e o compromisso de ser, concretamente, agentes de paz”.

Quaresma: Deus nos conceda a paz que os homens sozinhos não conseguem construir

“A oração, a caridade e o jejum são os meios principais que permitem a Deus intervir na nossa vida e na do mundo. São as armas do espírito”, ressalta o Papa Francisco na sua homilia, lida pelo secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, na Basílica de Santa Sabina, no dia de oração e jejum pela Ucrânia, Quarta-Feira de Cinzas e início do Tempo da Quaresma.

Por causa de uma dor no joelho, o Papa Francisco não celebrou a Eucaristia, e a sua homilia foi lida pelo cardeal Parolin.

“Na Quarta-feira de Cinzas, a nossa atenção concentra-se no compromisso exigido pelo caminho de fé mais do que no prémio que daí nos advém. Hoje, o discurso de Jesus retorna a este termo, recompensa, que parece ser a mola do nosso agir. Em nós, no nosso coração, há uma sede, um desejo de alcançar uma recompensa, que nos atrai e move a cumprir aquilo que fazemos”, afirma o Papa no texto.

Segundo Francisco, o Senhor distingue dois tipos de recompensa. “Temos a recompensa junto do Pai e, a recompensa junto dos homens. Quem tem em vista a recompensa do mundo nunca encontra paz, nem sabe promover a paz, porque perde de vista o Pai e os irmãos”, disse o purpurado, acrescentando:

O rito das cinzas, que recebemos sobre a cabeça, quer subtrair-nos ao encandeamento de preferir a recompensa junto dos homens à recompensa junto do Pai. Este sinal austero, que nos leva a refletir sobre a caducidade da nossa condição humana, é como um remédio de sabor amargo, mas eficaz para curar a doença da aparência. É uma doença espiritual, que escraviza a pessoa, levando-a a tornar-se dependente da admiração dos outros.”

Segundo o Papa, “esta doença da aparência mina também os âmbitos mais sagrados. É sobre isto que Jesus insiste hoje: também a oração, a caridade e o jejum podem tornar-se autorreferenciais. Por isso, a Palavra de Deus nos convida a olhar o nosso íntimo para ver as nossas hipocrisias. Façamos um diagnóstico das aparências que buscamos; tentemos desmascará-las. Irá fazer-nos bem”, afirma o Pontífice. A seguir, o cardeal Parolin disse:

A Quaresma é um tempo que o Senhor nos deu para voltarmos a viver, sermos curados interiormente e caminharmos para a Páscoa, para aquilo que não passa, para a recompensa junto do Pai. É um caminho de cura. Não para mudar tudo da noite para o dia, mas para viver cada dia com um espírito novo, com um estilo diferente.”

“Para isto servem a oração, a caridade e o jejum: purificados pelas cinzas quaresmais, purificados da hipocrisia da aparência, reencontra-se a força plena para voltar a gerar uma relação viva com Deus, com os irmãos e consigo mesmo”, acrescenta.

Audiência Geral: perder tempo, diálogo entre as gerações fortifica a família humana

O Papa Francisco prosseguiu com a catequese sobre a velhice na Audiência Geral desta quarta-feira, realizada na Sala Paulo VI, no Vaticano, que teve como tema “Longevidade: símbolo e oportunidade”.

“Na narração bíblica das genealogias dos progenitores, impressiona-nos a sua enorme longevidade: fala-se de séculos! Esta cadência secular do tempo, narrada em estilo ritual, confere à relação entre longevidade e genealogia um profundo significado simbólico, forte, muito forte”, sublinhou o Pontífice.

“É como se a transmissão da vida humana, tão nova no universo criado, exigisse uma iniciação lenta e prolongada. Tudo é novo, no início da história de uma criatura que é espírito e vida, consciência e liberdade, sensibilidade e responsabilidade. Durante este longo período de tempo, a qualidade espiritual do homem é também lentamente cultivada. Os tempos de transmissão são mais curtos, mas os tempos de assimilação requerem sempre paciência”, disse o Papa, acrescentando:

O excesso de velocidade, que agora obceca todas as fases da nossa vida, torna cada experiência mais superficial e menos “nutriente”. Os jovens são vítimas inconscientes desta divisão entre o tempo do relógio, que quer ser queimado, e os tempos da vida, que requerem uma adequada “fermentação”. Uma vida longa permite experimentar estes longos tempos, e os danos da pressa.”

Para o Pontífice, “a aliança entre as duas gerações extremas da vida, crianças e idosos, também ajuda as outras duas, jovens e adultos, a criar laços entre si para tornar a existência de todos mais rica em humanidade”.

A seguir, Francisco disse que “a cidade moderna tende a ser hostil com os idosos e não por acaso também com as crianças. Esta sociedade que tem o espírito do descarte, descarta as crianças que não são bem-vindas e descarta os idosos, descarta, não são necessários. A velocidade coloca-nos numa centrífuga que nos varre como confetis. Perdemos completamente de vista o todo. Cada um agarra-se ao seu pedacinho, flutuando sobre os fluxos da cidade-mercado, para a qual ritmos lentos são perdas e velocidade é dinheiro. A velocidade excessiva pulveriza a vida, não a torna mais intensa. A sabedoria pede-nos para perder tempo”.

O Papa ressaltou a necessidade de perder tempo com os filhos, com as crianças, pois “este diálogo é fundamental para a sociedade”. Portanto, perder tempo com as crianças e também com os idosos, com um avô ou uma avó “que talvez não raciocina bem ou perdeu a capacidade de falar, mas está ali com ele ou com ela, perdendo tempo, e esse perder tempo, fortifica a família humana”. Segundo Francisco, “crianças e idosos dão-nos outra capacidade de ver a vida”.

Que o Espírito nos conceda inteligência e força para esta reforma: a prepotência do tempo do relógio deve ser convertida na beleza dos ritmos da vida. Esta é a reforma que devemos fazer em nossos corações, na família, e na sociedade”.

Por fim, deixou o profundo agradecimento aos polacos presentes na sala pelo acolhimento que o seu país dá aos ucranianos que fogem da guerra.

JM (com recursos jornalísticos do Portal Vatican News)

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03 de Março de 2022