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A Palavra do Papa: a moral desportiva, a mentalidade do eu, a trégua pascal e a paz desarmada

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Nos últimos dias, o Papa Francisco tem apelado sucessivamente à paz, relacionando-a com o mistério pascal: “Especialmente este ano, é a ocasião abençoada para passar do Deus mundano para o Deus cristão, da avidez que levamos dentro de nós para a caridade que nos liberta, da expectativa de uma paz trazida pela força para o compromisso de testemunhar concretamente a paz de Jesus”, afirmou na Audiência Geral.

Papa: praticar desporto com lealdade para a competição da vida

O Papa Francisco recebeu no sábado, 9 de abril, os membros da Fundação romana do Clube de Canoagem “Tevere Remo” que comemora 150 anos da sua fundação. Na sua saudação, Francisco recordou que “através do desporto, vocês são chamados a promover os valores da competição saudável, da amizade e da solidariedade. Trata-se de difundir uma cultura desportiva que vê a prática do desporto não apenas como um factor de bem-estar físico, mas como um ideal corajoso, como um instrumento de crescimento pessoal integral”.

“Ao longo dos anos – continuou o Papa – vocês se esforçaram para propor o vosso Clube como um campo de treino de formação humana. Eu vos encorajo a perseverar para que crianças, jovens e adultos possam cultivar, através das diversas disciplinas desportivas, valores essenciais: amor à verdade e à justiça, respeito à criação, gosto pela beleza e pelo bem, busca da liberdade e da paz”. Advertindo em seguida, “às vezes o mundo do desporto parece estar condicionado pela lógica do lucro e do espírito competitivo exasperado, que pode degenerar em violência”.

E ponderou:

É tarefa de organizações como a vossa testemunhar a força moral da atividade desportiva que, se praticada corretamente, ajuda a estabelecer boas amizades e incentiva a construção de um mundo mais sereno e fraterno no qual nos apoiamos e ajudamos uns aos outros”.

Domingo de Ramos: na loucura da guerra, Cristo volta a ser crucificado

Depois de dois anos, a Praça São Pedro voltou a acolher uma missa na presença de mais de 65 mil fiéis. O Domingo de Ramos inaugura a Semana Santa e a procissão que recorda a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém foi realizada segundo a tradição, no obelisco no centro da Praça.

O Papa Francisco ouviu a narração do Evangelho de Lucas e aguardou do palco a chegada dos cardeais e bispos a carregar os ramos de oliveira. Já na sua homilia, comentou o Evangelho da Paixão do Senhor. Em especial, uma frase repetida como um refrão: “Salva-te a ti mesmo”.

No calvário, confrontam-se duas mentalidades, disse o Papa: a de Deus e a do mundo: “Salvar-se a si mesmo, olhar por si mesmo, pensar em si mesmo; (…) ter, poder e aparecer. Salva-te a ti mesmo é o refrão da humanidade, que crucificou o Senhor.”

Mas à mentalidade do “eu”, opõe-se a de Deus; o “salva-te a ti mesmo” transforma-se em “oferecer-se a Si mesmo”. Em nenhum momento, Jesus reivindica qualquer coisa para Si. Pelo contrário, diz: “Perdoa-lhes, Pai”. E pronuncia estas palavras no momento da crucifixão, quando sente os cravos perfurar os seus pulsos e pés.”

É assim que Deus procede conosco, explicou Francisco. Quando Lhe provocamos dor com as nossas ações, Ele sofre e o único desejo que tem é poder perdoar-nos. Para entender isto, é preciso contemplar o Crucificado. É das suas chagas que brota o perdão.

No momento da crucificação, prosseguiu o Papa, Jesus vive o seu mandamento mais difícil: o amor aos inimigos. Jesus ensina-nos a romper o círculo vicioso do mal, mas nós, discípulos, “seguimos o Mestre ou o nosso instinto rancoroso? Se queremos verificar a nossa pertença a Cristo, vejamos como nos comportamos com quem nos feriu”.

Ao pedir perdão ao Pai, Jesus acrescenta uma frase: “porque não sabem o que fazem”. Ele é o nosso advogado, não Se coloca contra nós, mas por nós contra o nosso pecado. “Não sabem o que fazem” quem usa a violência, quem comete absurdas crueldades.”

“Vemo-lo na loucura da guerra, onde se torna a crucificar Cristo. Sim, Cristo é pregado na cruz mais uma vez nas mães que choram a morte injusta de maridos e filhos. É crucificado nos refugiados que fogem das bombas com os meninos no braço. É crucificado nos idosos deixados sozinhos a morrer, nos jovens privados de futuro, nos soldados mandados a matar os seus irmãos.”

Angelus: Francisco pede uma “trégua pascal”

Uma “trégua pascal”: foi o que pediu o Papa Francisco ao final da missa do Domingo de Ramos, antes de rezar o Angelus com os fiéis reunidos na Praça São Pedro.

Ao nos dirigir a Nossa Senhora, disse o Pontífice, recordamos o que o Anjo do Senhor disse a Maria na Anunciação: “Nada é impossível a Deus”.

“Nada é impossível a Deus, repetiu o Papa, inclusive fazer cessar uma guerra da qual não se vê o fim, uma guerra que todos os dias nos coloca diante dos olhos massacres hediondos e atrozes crueldades realizadas contra civis inermes. Rezemos por esta intenção.”

Estamos nos dias que precedem a Páscoa, disse ainda o Pontífice, ou seja, preparamo-nos para celebrar a vitória de Jesus sobre o pecado e a morte e não contra alguém.

Mas hoje há a guerra, porque se quer vencer assim, de maneira mundana, mas assim somente se perde. Por que não deixar que Ele vença? Cristo carregou a cruz para nos libertar do domínio do mal, morreu para que reine a vida, o amor e a paz.”

E fez o seu enésimo apelo:

“Deponham-se as armas, inicie-se uma trégua pascal, mas não para recarregar as armas e retomar o combate, não! Uma trégua para se chegar à paz através de uma verdadeira negociação, disponíveis também a qualquer sacrifício pelo bem das pessoas. Com efeito, que vitória será aquela que fincará uma bandeira sobre um acúmulo de escombros? Nada é impossível a Deus. A Ele confiamos por intercessão da Virgem Maria.”

Antes da oração mariana, o Pontífice saudou os peregrinos oriundos de vários países e quem acompanhou a cerimónia através dos meios de comunicação. Em especial, saudou “o querido povo do Peru”, que está a atravessar um difícil momento de tensão social.

Paz: a guerra é o fracasso da política e da humanidade

O Papa volta a invocar a paz numa mensagem enviada à “Peregrinação inter-religiosa de solidariedade pelo povo ucraniano”, que começou na Roménia e se concluiu esta quarta-feira na cidade ucraniana de Chernivts, primeiro evento autorizado desde o início do conflito.

O sofrimento causado a tantas pessoas frágeis e indefesas; os numerosos civis massacrados e jovens vítimas inocentes; a fuga desesperada de mulheres e crianças. Tudo isso abala as nossas consciências e nos obriga a não ficar calados, a não ficar indiferentes diante da violência de Caim e ao grito de Abel, mas a levantar a nossa voz com força para pedir, em nome de Deus, o fim de tais ações abomináveis.”

Na sua mensagem, o Santo Padre reitera que “a hora que estamos a viver deixa-nos chocados porque é atravessada pelas forças do mal”. Citando a Encíclica Fratelli tutti, explica que “os acontecimentos atrozes e dolorosos que estamos a ver agora, por muitos dias, confirmaram-nos que a guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota diante das forças do mal”. Em seguida, lança um novo apelo: “Que os governantes, especialmente aqueles que apelam para os princípios sagrados da religião, ouçam a Palavra de Deus que diz: Tenho projetos de paz e não de desventura”.

Vários líderes religiosos compõem a delegação da peregrinação pela paz: representantes cristãos, judeus, anglicanos, hinduístas, budistas, ortodoxos e muçulmanos.

Audiência Geral: A paz de Cristo é desarmada. A guerra é uma traição blasfema ao Senhor da Páscoa

O Papa fez uma pausa na sua série de catequeses sobre os idosos e dedicou a sua reflexão na Audiência Geral de hoje à Semana Santa, com o tema “A paz da Páscoa”.

Diante de milhares de fiéis entusiastas na Sala Paulo VI, Francisco explicou que a Semana Santa vai do Domingo de Ramos ao Domingo da Páscoa. No domingo passado, Cristo entra solenemente em Jerusalém, acolhido como Messias.

Com efeito, disse ainda Francisco, a paz que Jesus nos dá na Páscoa não segue as estratégias do mundo, que acredita poder obtê-la através da força, da conquista e de várias formas de imposição. “Esta paz, na realidade, é apenas um intervalo entre guerras.”

A paz do Senhor segue o caminho da mansidão e da cruz; no entanto, é difícil de aceitá-la. De facto, a multidão que aclamava Jesus é a mesma multidão que alguns dias depois grita “Crucifica-o” e, com medo e desilusão, não levanta um dedo por Ele.

O Papa citou o escritor russo Dostoievski, em especial a obra Lenda do Grande Inquisidor, que fala de Jesus que, após vários séculos, regressa à Terra. No livro, o Inquisidor interroga e critica ferozmente Cristo, esperando uma resposta do mesmo nível. Mas também aqui, Cristo reage com um gesto dócil. Francisco então comentou, fazendo referência à guerra na Ucrânia:

A paz de Jesus não domina os outros, nunca é uma paz armada. As armas do Evangelho são a oração, a ternura, o perdão e o amor gratuito ao próximo, a todos. Esta é a forma de trazer a paz de Deus ao mundo. É por isso que a agressão armada destes dias, como qualquer guerra, é um ultraje contra Deus, uma traição blasfema ao Senhor da Páscoa, preferindo ao seu rosto manso o do falso deus deste mundo. Sempre. A guerra é uma ação humana que leva à idolatria do poder.”

O poder mundano, acrescentou o Papa, só deixa destruição e morte. A Páscoa é então a verdadeira festa de Deus e do homem, e seu significado é “passagem”, ainda mais emblemático neste período:

“Especialmente este ano, é a ocasião abençoada para passar do Deus mundano para o Deus cristão, da avidez que levamos dentro de nós para a caridade que nos liberta, da expectativa de uma paz trazida pela força para o compromisso de testemunhar concretamente a paz de Jesus. Coloquemo-nos perante o Crucificado, a fonte da nossa paz, e peçamos-lhe paz do coração e paz no mundo.”

JM (com recursos Vatican News)

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13 de Abril de 2022