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A Palavra do Papa: O pedido de perdão aos povos indígenas, o apelo ao caminho de reconciliação e a um futuro com memória

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Esta semana do Papa Francisco fica marcada pela sua viagem apostólica ao Canadá, uma “peregrinação penitencial” em busca da reconciliação com os povos indígenas. A importância espiritual de honrar os avós e os idosos, a valorização do contributo cultural e espiritual dos migrantes e refugiados para o crescimento de todos, e as mudanças na relação da prelatura do Opus Dei com a Santa Sé, são outros dos temas relevantes a que o Papa se referiu nos últimos dias.

Uma peregrinação penitencial: na viagem apostólica ao Canadá, Papa pediu perdão aos povos indígenas

No contexto da sua viagem apostólica ao Canadá, no primeiro discurso da sua viagem ao país, o Papa Francisco pediu perdão aos povos indígenas do Canadá, evocando a experiência das escolas residenciais, nos séculos XIX e XX.

“Perante este mal que indigna, a Igreja ajoelha-se diante de Deus e implora o perdão para os pecados dos seus filhos. Quero reiterá-lo claramente e com vergonha: peço humildemente perdão pelo mal cometido por tantos cristãos contra os povos indígenas”, declarou Francisco, junto das populações indígenas de Maskwacis, na Província de Alberta.

A primeira paragem do Papa nesta visita ao Canadá foi um encontro com os sobreviventes do sistema de ensino residencial para crianças indígenas. A Escola de Ermineskin foi uma das maiores em território canadiano, confiada a missionários católicos desde a sua fundação, em 1895, tendo acolhido mais de 150 mil indígenas até finais do século XX.

“Quero iniciar daqui, deste lugar tristemente evocativo, o que tenho em mente fazer: uma peregrinação penitencial. Chego às vossas terras nativas para vos exprimir, pessoalmente, o meu pesar, implorar de Deus perdão, cura e reconciliação, manifestar-vos a minha proximidade, rezar convosco e por vós”, declarou Francisco, perante milhares de participantes no encontro.

O discurso evocou as cicatrizes de feridas ainda abertas. “O primeiro passo desta peregrinação penitencial no meio de vós é o de renovar o meu pedido de perdão e dizer, com todo o coração, que sinto pesar: peço perdão pelas formas em que muitos cristãos, infelizmente, apoiaram a mentalidade colonizadora das potências que oprimiram os povos indígenas”.

Este pedido de perdão voltou a ser reforçado, pelo Papa Francisco, por diversas vezes esta semana, como por exemplo, na visita à Igreja do Coração de Jesus, em Edmonton, paróquia nacional das Primeiras Nações, Métis e Inuítes, no Canadá.

“Custa-me pensar que católicos tenham contribuído para as políticas de assimilação e desvinculação, que transmitiam um sentimento de inferioridade, despojando comunidades e pessoas das suas identidades culturais e espirituais, cortando as suas raízes e alimentando atitudes preconceituosas e discriminatórias”, disse, perante centenas de participantes, na segunda intervenção da viagem.

Também no seu primeiro discurso às autoridades políticas do país, perante representantes da sociedade civil, corpo diplomático e das populações indígenas, o Papa Francisco criticou o “deplorável sistema promovido pelas autoridades governamentais da época”, nas quais estiveram envolvidas várias instituições católicas locais, nos séculos XIX e XX, e fez um novo pedido de desculpas às comunidades indígenas do Canadá pelo papel da Igreja Católica nos internatos que separaram milhares de crianças das suas famílias.

“Penso sobretudo nas políticas de assimilação e desvinculação, incluindo também o sistema escolar residencial, que prejudicou muitas famílias indígenas, minando a sua língua, cultura e visão de mundo”, declarou, falando na Cidadela, residência oficial do governador geral na cidade.

“Exprimo vergonha e pesar por isso e, juntamente com os bispos deste país, renovo o meu pedido de perdão pelo mal cometido por tantos cristãos contra os povos indígenas. Por tudo isto, peço desculpa”, declarou.

O Papa considerou que a atitude dos católicos, na supressão dos valores indígenas, é contrária à mensagem do Evangelho, apelando a um trabalho conjunto para “promover os direitos legítimos das populações nativas e favorecer processos de cura e reconciliação entre elas e os não indígenas do país”.

O Papa evocou, ainda, no contexto da sua “peregrinação penitencial”, os terríveis efeitos da colonização, quando se uniu à tradicional procissão dos católicos indígenas do Canadá ao Lago de Santa Ana, nos arredores de Edmonton, evocando os “traumas da violência sofrida” pelas populações nativas.

“Neste lugar abençoado, onde reinam a harmonia e a paz, apresentamos as desarmonias das nossas histórias, os terríveis efeitos da colonização, a dor indelével de tantas famílias, avós e crianças. Ajudai-nos a curar as nossas feridas”, rezou Francisco, durante a cerimónia que encerrou o terceiro dia da sua viagem.

Papa Francisco desafia Igreja a enfrentar «fracassos» do passado e iniciar caminho de reconciliação, condena abusos sexuais e fala em «luta irreversível», pedindo perdão às vítimas

O Papa presidiu, no dia 28 de julho, a uma Missa pela reconciliação, no Quebeque, com participação especial de comunidades indígenas, desafiando a Igreja Católica a “sarar as feridas do passado” e iniciar um caminho que leve “do fracasso à esperança”, por uma sociedade mais justa e fraterna.

“Permiti que vos acompanhe, como Igreja nestas interrogações, que brotam dum coração cheio de pesar: Porque é que aconteceu tudo isto? Como pôde isto acontecer na comunidade daqueles que seguem Jesus?”, declarou, na homilia da Missa a que presidiu no Santuário de Santa Ana de Beaupré.

“São também os interrogativos ardentes que esta Igreja peregrina no Canadá faz ressoar no seu coração num árduo caminho de cura e reconciliação. Também nós, perante o escândalo do mal e o Corpo de Cristo ferido na carne dos nossos irmãos indígenas, caímos na amargura e sentimos o peso do fracasso”, acrescentou.

Na oração de Vésperas com bispos, padres, diáconos, religiosas, seminaristas e agentes pastorais da Igreja Católica, neste mesmo dia 28 de julho, o Papa Francisco pediu perdão às vítimas de abusos sexuais por membros da Igreja ou em instituições católicas, no Canadá, assumindo que esta é uma “luta irreversível”.

“A Igreja no Canadá começou um percurso novo depois de ter sido ferida e transtornada pelo mal perpetrado por alguns dos seus filhos. Penso, particularmente, nos abusos sexuais cometidos contra menores e pessoas vulneráveis, escândalos que exigem ações fortes e uma luta irreversível”.

Francisco apontou a um caminho de cura e reconciliação com os irmãos e irmãs indígenas. “Quero, juntamente convosco, voltar a pedir perdão a todas as vítimas. O pesar e a vergonha que sentimos devem tornar-se ocasião de conversão: que nunca mais aconteçam”, sustentou.

O Papa pediu ainda que “nunca mais a comunidade cristã se deixe contaminar pela ideia da superioridade duma cultura sobre as outras e da legitimidade de usar meios de coação em relação aos outros”.

A homenagem aos avós, apontando a um futuro que valorize a memória

O Papa presidiu à Missa no Estádio Commonwealth de Edmonton, no Canadá, a 26 de julho, onde prestou homenagem aos avós e antepassados, apelando à valorização da memória.

“Que Joaquim e Ana intercedam por nós! Que nos ajudem a guardar a história que nos gerou e a construir uma história geradora. Que nos lembrem a importância espiritual de honrar os nossos avós e os nossos idosos, aprender com a sua presença para construir um futuro melhor: um futuro onde os idosos não sejam descartados, porque já não são necessários, funcionalmente”, disse, na homilia da celebração, que decorreu simbolicamente no dia em que a Igreja Católica celebra a festa litúrgica de São Joaquim e Santa Ana, avós de Jesus.

Perante milhares de católicos, na primeira Eucaristia pública da viagem ao Canadá, Francisco apelou à construção de “um futuro que não julgue o valor das pessoas só pelo que produzem”. “Um futuro que não seja indiferente com quem, já em idade avançada, precisa de mais tempo, escuta e solicitude; um futuro onde, para ninguém, se repita a história de violência e marginalização que sofrem os nossos irmãos e irmãs indígenas”, acrescentou.

Já na mensagem para o II Dia Mundial dos Avós celebrado pela Igreja Católica, o Papa criticava o “descarte” dos mais velhos. “Muitas pessoas têm medo da velhice. Consideram-na uma espécie de doença, com a qual é melhor evitar qualquer tipo de contacto: os idosos não nos dizem respeito – pensam elas – e é conveniente que estejam o mais longe possível, talvez juntos uns com os outros, em estruturas que cuidem deles”, escreveu o Papa.

O texto, divulgado pelo Vaticano, aponta ao que o Papa tem chamado de “cultura do descarte”, realçando que “os idosos não são proscritos” e têm um papel a desempenhar, na Igreja e na sociedade.

A mensagem evoca os cenários de crise provocados pela pandemia e a guerra na Ucrânia, alertando para “outras ‘epidemias’ e outras formas generalizadas de violência que ameaçam a família humana e a casa comum”.

O contributo cultural e espiritual dos migrantes e refugiados

O Papa apelou à valorização do contributo cultural e espiritual dos migrantes e refugiados, num vídeo divulgado esta quinta-feira, 28 de julho, pelo Vaticano.

“A presença dos migrantes e dos refugiados representa uma grande oportunidade de crescimento cultural e espiritual para todos. Por isso, é essencial promover o diálogo intercultural e inter-religioso e construir o futuro com base em valores comuns”, indica Francisco, numa intervenção que antecipa o 108º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, celebrado no último domingo de setembro.

Além do Papa, o vídeo tem o testemunho do francês Bertrand Gorge, que conta como, “abrindo as portas de casa ao acolhimento, a sua família se tornou humanamente mais rica graças à presença dos refugiados”.

As mudanças na relação do Opus Dei com a Santa Sé

O Papa publicou, a 22 de julho, uma carta apostólica sobre a prelatura do Opus Dei, determinando que a mesma passe a responder ao Dicastério para o Clero, na Santa Sé.

O documento, intitulado ‘Ad carisma tuendum’ (para tutelar o carisma), surge 40 anos depois da constituição apostólica de São João Paulo II que erigiu a prelatura pessoal (‘Ut sit’) e visa, segundo Francisco, “tutelar o carisma” e “promover a ação evangelizadora” que os membros do Opus Dei realizam.

O Papa sublinha a necessidade de mudanças face à nova constituição da Cúria Romana, ‘Praedicate Evangelium’ (anunciai o Evangelho), publicada a 19 de março deste ano, pelo que o Dicastério de referência para a prelatura deixa de ser o dos Bispos.

O prelado, máxima autoridade do Opus Dei, deve agora apresentar um relatório anual ao Dicastério para o Clero, sobre “o estado da prelatura e o desenvolvimento do seu trabalho apostólico”.

Ainda sobre a figura do prelado, o artigo 4 da nova carta apostólica determina que o mesmo deixe de poder ser nomeado bispo. O Papa explica que esta decisão pretende “reforçar a convicção de que, para a tutela do dom peculiar do espírito, é precisa uma forma de governo fundada mais sobre o carisma do que sobre a autoridade hierárquica. O prelado do Opus Dei passa a ter o título de “protonotário apostólico supranumerário”, sendo tratado por “reverendo monsenhor”.

A carta apostólica entra em vigor a 4 de agosto.

AS com Agência Ecclesia e Vatican News

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29 de Julho de 2022