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Opinião: “Carta-aberta aos participantes no simpósio do clero”

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De 29 de agosto a 1 de setembro está previsto realizar-se, em Fátima, mais um simpósio do clero – este é o décimo – subordinado ao tema: ‘identidade relacional e ministério sinodal do presbítero’.

Com a regularidade de três em três anos – à exceção dos tempos recentes de pandemia – desde 1993, que nos primeiros dias de setembro de cada edição (normalmente) cerca de quinhentos padres, das vinte e uma dioceses de Portugal, se reúnem para estudar, refletir, rezar, partilhar e conviver… tratando temas de formação do clero e com especialistas das mais diferentes áreas do saber humano, bíblico, teológico e pastoral.

Atendendo ao quadro de três décadas de permeio, creio que participei na maioria das edições dos simpósios do clero, por isso, dadas as circunstâncias socioculturais deste simpósio e, tendo em conta a diversidade de participantes pela idade, sensibilidade e mesmo configuração de presença de Igreja no mundo, ouso dedilhar esta carta-aberta numa aferição de intenções e – Deus queira – de motivações de todos…sinodalmente.

Servindo-me de algumas palavras-chave (mesmo como títulos de conferências e palestras) deste simpósio, tento escrever:

Identidade sacerdotal – com tantos e tão orquestrados ataques aos padres, por estes dias, nalguma comunicação social tenho sentido algo atroz: seremos todos tão maus, que é preciso sermos reduzidos a pó para que ninguém (ou o menos) acredite nos padres? Não se estará, neste afã de puritanismo, a confundir a floresta com as árvores? Com certas observações, conjeturas e quase-juízos não se perceberá que forças mais ou menos subterrâneas estão apostadas em desacreditar os padres e com isso ferir o rebanho do Senhor? Até onde irá a campanha do ‘quanto-pior-melhor’, sobretudo, atingindo o âmago da consagração sacerdotal?
Somos ministros do divino, embora sejamos humanos, logo falhos e falíveis. Deus escolheu pecadores santificados…hoje como ontem.

Identidade relacional – a dimensão de estar com os outros obriga a forte equilíbrio emocional com uma maturidade exigente para consigo mesmo e no trato com os outros. Neste âmbito a dimensão de relacionamento com os sexos tem de ser séria e serena, sincera e amadurecida…num mundo, por vezes, eclipsado pelas lacunas de educação na família, na sociedade e na cultura.
É verdade que os padres, hoje mais do que nunca, estão sob escrutínio severo, embora não o vejamos quanto a outras formas de vida pessoal ou associativa, como militares, forças de segurança, atividades de educação ou mesmo da área política…

Ministério sinodal do padre – formados em seminários com caraterísticas do seu tempo, bebemos de uma educação centrada na dádiva aos outros, por isso, desde a formação estamos em caminhada sinodal, isto é, com outros na vida de serviço e na diaconia aos outros, sobretudo em espaços de paróquia. Não foi agora que estamos numa forma de sínodo mais aberto que os padres têm – ou devem ter – a consciência de presbitério, este foi, aliás, tema do simpósio de 2006. Se quisermos apreciar a vida de um padre vê-la-emos retratada na forma como se relaciona com os outros padres, tanto na vigararia (arciprestado) como na diocese. A crise de muitos padres começou a manifestar-se pelo afastamento desse relacionamento com os seus pares…

Relação do ministério sacerdotal com outros estados de vida – não poderá ser ordenado padre quem não possua faculdades mínimas para outra forma (ou estado) de vida, ou será visto como uma espécie de refúgio que, mais tarde ou mais cedo, se manifestará negativamente… Do mesmo modo se devem interpretar as relações com outras vocações: à família, à vida religiosa, ao tempo de mosteiro, à consagração no mundo, etc. pois são chamamentos de Deus e não estádios inferiores ou superiores de vida e de Igreja. A consagração em celibato do padre não pode fazer dele um solitário nem uma espécie em vias-de-extinção, mas antes um sinal do Reino de Deus em condição terrena…

Este simpósio vem num momento fulcral para a vida da Igreja em Portugal. Assim o aproveitemos todos!

Padre António Sílvio Couto, pároco da Moita

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31 de Agosto de 2022