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Opinião: Memórias do Padre Francisco de Jesus Graça

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Disponibilizamos, em seguida, dois artigos de opinião em memória do Padre Francisco de Jesus Graça, escritos por Eugénio Fonseca, Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado, e pelo Padre António Sílvio Couto, pároco da Moita.

Padre Francisco Graça, homem de grande fé

No passado dia 18 deste mês de dezembro de 2022, com 91 anos de idade, entrou na Casa do Pai, o Padre Francisco Graça, pároco emérito em Santa Maria da Graça e S. Julião, em Setúbal.

Durante uns bons anos, tive uma proximidade maior com o Pe. Graça. Por razões menos felizes, deixei a minha comunidade paroquial, na qual militei até aos 19 anos. Foi ele que me acolheu, primeiro como animador do canto da missa de domingo da Capela do Senhor do Bonfim, e lá permitiu que um grupo de jovens se reunisse para, pelo menos, uma vez por semana, preparar a sua tarde de evangelização na localidade das Padeiras, percorrendo, a pé, 12 Kms, ida e volta, para dar catequese a crianças e realizar encontros de iniciação cristã para adultos. Passado algum tempo, comecei a animar as assembleias que se reuniam para as grandes celebrações na Sé Catedral, a participar, sobretudo, nos refrãos, dos cantos. Depois, com a minha saudosa amiga Manuela Roupa, passei a dar voz às meditações preparadas, umas vezes pelo Pe. Graça, outras pelo Pe. Lobato, nas procissões do Corpo de Deus e de Sexta-feira Santa. Outros desafios pastorais fizeram-me não continuar tão próximo, mas sempre, mutuamente, muito amigos. Devo muitas palavras e gestos de afeto e apreço, a este Padre de Setúbal que deixou marcas, e que, nesta hora, já muitíssimas estão toldadas por esse sentimento, deixado só por gente boa, que é a saudade.

Sinceramente, apesar de ser um desses, sobressai em mim uma força espiritual maior que é a de louvar a Deus pela minha vida se ter cruzado com a do Pe. Graça. Aprendi muito com ele, mas, sobretudo o seu testemunho visceral da fé em Deus, Uno e Trino, e do amor filial a Nossa Senhora, de um filho que só se sentia seguro ao colo da Mãe, sempre foram referências de crescimento de total confiança em Deus e na intercessão de Maria, com quem aprendi a dizer “sim”.

Jesus só classificou de “grande” a fé de duas pessoas, que, por acaso, até eram gentias. Os meus critérios serão, como é óbvio, muito diferentes, dos d’Ele. Mas, tendo em conta que Ele é muito mais misericordioso do que eu, arrisco a dizer que a minha classificação será mais exigente que a feita por Jesus. Seja como for, eu sei, por isso o afirmo, que o PE. GRAÇA FOI UM HOMEM COM UMA FÉ GRANDE. Foi; pois, agora já não precisa dela, porque já encontrou o Senhor face a face. (cfr Jb 19, 27) Ele tinha uma grande fé, porque era uma grande pessoa. Tinha uma capacidade formidável de fazer empatia, resultante da sua inteira disponibilidade para acolher e escutar. A muitíssima gente ouvi falar das suas capacidades de confessor, particularmente, por ser capaz de fazer passar a compaixão de Deus. A sua fé era grande, porque era muito humanista. Era muito perseverante. Só uma fé firme alimenta a não tentação do desespero.

A última vez que nos encontrámos, foi na Sé de Setúbal, na celebração dos seus 90 anos. Quando o cumprimentei, com a sua voz forte, disse-me: «meu filho, sempre amaste, muito a Igreja.» Ele conhecia-me bem para o dizer.

Pe. Graça, não rezo por si, pois creio, firmemente, que já recebeu o abraço eterno de Deus. Peço-lhe que reze a Deus por mim para que seja fiel até ao fim. Até já, meu amigo.  

Eugénio Fonseca, Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado

O último dos moicanos (*) … da diocese de Setúbal

No segundo dia da ‘novena’ do Natal, bem pela noite, faleceu o senhor padre Francisco de Jesus Graça, com a vetusta idade de noventa e um anos.

Nestes vinte cinco anos, que levo de presença nesta diocese de Setúbal, vi partir (pelo falecimento) e chegar (pela ordenação sacerdotal) alguns dos mais significativos padres na segunda metade para a celebração do cinquentenário da sua ereção canónica.

Atendendo ao significado deste Padre que é como uma espécie de último ‘moicano’ da construção e afirmação da diocese no conspecto nacional da Igreja em Portugal, ouso escrevinhar umas palavras de referência, de admiração e de saudade deste senhor Padre que marcou indelevelmente Setúbal (cidade e diocese) e quanto a ela se possa referir.

1. Recordo, mesmo que forma sucinta, outros padres que faleceram – sem ordem cronológica nem de importância humana, antes só por memória – e que tanto me marcaram: Agostinho Gomes, Júlio Nogueira, Manuel Frango, Ricardo Gameiro, Alfredo Brito, Manuel Marques, António Sobral, David Pinho, Manuel Gonçalves, Jaime da Silva, Adalberto Tacanho, Manuel Vieira, José Esteves, Carlos Alberto, Domingos Morais, Álvaro Teixeira … todos com razoável idade e, mais na ‘flor da vida’, João Luís Paixão.

2. Que dizer – de forma límpida e em jeito de testemunho – do senhor Padre Francisco de Jesus Graça, que partiu de forma madura e amadurecida? Como o poderemos enquadrar na construção da diocese de Setúbal, nestes quase cinquenta anos? Quais as lições humanas e eclesiais, de vida e de presença no mundo, sacerdotais ou católicas poderemos colher da longa vida de serviço à Igreja do senhor padre Francisco Graça?

Nos tempos mais recentes tornei-me comensal do almoço da quinta-feira santa, na casa episcopal do senhor Padre Francisco Graça. Pelo significado desse dia – instituição do sacerdócio ministerial – tal momento revestia-se grande simbolismo: ano após ano fomos percebendo o tempo a passar por todos e a vermos chegar novos, no ministério e na idade.

Sobretudo depois de retirado das lides paroquiais mais ativas, íamos captando o à-vontade de querer estar em conversa descontraída e atenta aos problemas e vivências dos outros padres mais novos, que éramos.

3. De uma forma quase emblemática do seu coração de padre foi marcante essa época, há cerca de dez anos, em que foi confrontado com a saída intempestiva do ministério sacerdotal de um jovem. Ouvi-lhe num tom dramático: em que é que eu falhei… Por mais que o tentássemos dissuadir de que nada teve a ver com o assunto, o senhor Padre Francisco Graça matutava naquela questão… Por aqui pude aquilatar do seu coração sacerdotal que lancinava de dor e de quase crise de homem de Igreja.

4. Nesta hora da sua partida, certamente, todos têm recordações e memórias agradáveis do senhor Padre Francisco Graça. Ele que, nesta diocese, serviu com três bispos, possa alcançar-nos do Céu o dom de um novo pastor tão zeloso, simples e culto como ele foi. Setúbal precisa e merece!

(*) América colonial, 1757. Franceses e ingleses, aliados a diversas tribos índias, lutam pelo novo continente. O batedor Olho-de-Falcão não pertence a nenhum dos lados. Criado pelos moicanos depois da morte dos pais ingleses, e mais à vontade na floresta do que nos colonatos, viaja com o moicano Chongachook quando salva duas irmãs inglesas, que escoltará até ao forte onde são esperadas pelo pai. No decorrer dessa perigosa jornada, e nas dificuldades que daí em diante se sucedem, vão-se fortalecendo os laços entre os dois homens, o batedor e o índio, cada um com sua filosofia de vida e a sua independência, nutridas e formadas pela silenciosa floresta virgem e confrontadas com o clamor da batalha pela posse do território.  

Padre António Sílvio Couto, pároco da Moita

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22 de Dezembro de 2022