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Proteção de Menores: Declaração do Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa após a apresentação do estudo da Comissão Independente

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A Conferência Episcopal Portuguesa decidiu criar uma Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal na Assembleia Plenária de novembro de 2021. Motivou-nos a certeza comum, entre todos os bispos, de que menores e pessoas frágeis têm de sentir proteção e segurança nos ambientes da Igreja Católica, como nos pede insistentemente o Papa Francisco. Hoje, eis-nos chegados à conclusão de uma importante etapa que nos permite conhecer, de forma mais sistematizada, esta dolorosa realidade.  

O relatório hoje publicado exprime uma dura e trágica realidade: houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos e outros agentes pastorais, no âmbito da vida e das atividades da Igreja em Portugal. O estudo apresentado recolhe o testemunho de 512 vítimas diretas e aponta para outras prováveis, estimando-se cerca de 4815 vítimas de abusos sexuais de menores, desde 1950 até ao presente. Assinala, ainda, várias consequências destes crimes que podem ter estado na origem de dramas e sofrimentos incomensuráveis que marcaram vidas inteiras. É uma ferida aberta que nos dói e nos envergonha.

Pedimos perdão a todas as vítimas: às que deram corajosamente o seu testemunho, calado durante tantos anos, e às que ainda convivem com a sua dor no íntimo do coração, sem a partilharem com ninguém.

Nas vossas vidas atravessou-se a perversidade onde não deveria estar. O vosso testemunho é para nós um alerta e um pedido de ajuda a que não queremos nem podemos ficar surdos. Temos consciência de que nada pode reparar o sofrimento e a humilhação que foram provocados, a vós e às vossas famílias, mas estamos disponíveis para vos acolher e acompanhar na superação das feridas que vos foram causadas e na recuperação da vossa dignidade e do vosso futuro.

Os abusos de menores são crimes hediondos. Quem os comete tem de assumir as consequências dos seus atos e as responsabilidades civis, criminais e morais daí decorrentes. É preciso que reconheçam a verdade sem nada esconder, que se arrependam sinceramente, que peçam perdão a Deus e às vítimas, e que procurem uma mudança radical de vida com a ajuda de pessoas competentes, na certeza de que o caminho da justiça encontrará sempre lugar no coração bondoso de Deus.

Este estudo da Comissão Independente apresenta-nos um número muito maior do que aquele que soubemos apurar até hoje. Pedimos desculpa por não termos sabido criar formas eficazes de escuta e de escrutínio interno, e por nem sempre termos gerido as situações de forma firme e guiada pela proteção prioritária dos menores. Cremos, apesar de tudo, que a mudança está a acontecer e devemos isso também, e muito, aos Papas Bento XVI e Francisco, à ação dos meios de comunicação social, e à nova sensibilidade que cresce dentro da Igreja e da sociedade em geral.

No entanto, se é certo que a Igreja não pode tolerar os abusos, que são uma total contradição da nossa identidade e do nosso modo de agir, também é verdade que a vida da Igreja em Portugal não se encerra nesta questão. Há muitas pessoas e instituições eclesiais a dedicar-se aos mais frágeis, aos mais necessitados e aos mais pobres, e a realidade dos abusos não pode fazer esquecer o imenso bem, tantas vezes silencioso, de sacerdotes, religiosos/as e leigos/as empenhados em tantas situações, a quem queremos dar uma palavra de conforto e coragem.

A Conferência Episcopal Portuguesa, depois de analisar detalhadamente o relatório final deste estudo, procurará encontrar os mecanismos mais eficazes e adequados para fomentar uma maior prevenção e para resolver os possíveis casos que possam ocorrer, com celeridade e respeito pela verdade. A “tolerância zero” para com os casos de abusos tem de ser uma realidade em toda a Igreja e, por isso, não toleraremos abusos nem abusadores. Nesse sentido, está já marcada uma Assembleia Plenária Extraordinária para o próximo dia 3 de março, que será dedicada exclusivamente ao debate sobre este tema e às questões contidas no relatório agora divulgado, nomeadamente as recomendações que nele são feitas para a Igreja e para toda a sociedade. Nessa altura será possível apontar medidas concretas a desenvolver.

Gostaria, ao terminar, de dirigir uma palavra ao Dr. Pedro Strecht que aceitou o nosso convite para coordenar este estudo. A ele e à sua equipa, que constituiu de forma totalmente livre e autónoma, agradeço o trabalho desenvolvido ao longo do último ano. A vossa competência, dedicação e profissionalismo permitiram que, dentro do prazo previsto, chegássemos hoje a um conhecimento mais concreto da verdade histórica dos abusos sexuais de menores no seio da Igreja em Portugal.

Da parte da Conferência Episcopal Portuguesa, no absoluto respeito pela independência necessária a todo o processo, procurámos assegurar todas as condições materiais e disponibilizámos todos os meios e fontes de investigação para que o trabalho decorresse em conformidade com as necessidades da Comissão Independente.

Este é, pois, um trabalho técnico fundamental que nos ajudará a definir, com maior rigor, uma estratégia para o futuro que procure impedir a repetição de quaisquer tipos de abusos, complementando com a ação que já tem vindo a ser desenvolvida pelas Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis e pela Equipa de Coordenação Nacional destas comissões.

A Comissão Independente termina o seu trabalho, mas é preciso que sejamos capazes de continuar a “dar voz ao silêncio” dos mais frágeis, contribuindo para uma cultura de transparência, não só na Igreja, mas em toda a sociedade, fazendo jus à identidade e missão da Igreja em favor da segurança e do bem das crianças, adolescentes e adultos vulneráveis.

Lisboa, 13 de fevereiro de 2023

D. José Ornelas Carvalho,
Bispo de Leiria-Fátima e Presidente da CEP

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14 de Fevereiro de 2023