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Igreja em Rede: Homilia de D. José Ornelas na Eucaristia do III Domingo da Páscoa

2018-01-JAN-Nomeacoes

O texto que o evangelista Lucas nos apresenta neste domingo – o encontro de Jesus ressuscitado com dois discípulos a caminho da aldeia de Emaús – é um dos mais belos e mais claros sobre a ressurreição do Senhor e sobre o seu caráter constitutivo para a fé e a vida da Igreja e de cada um dos que aderem ao Senhor.

Acabámos de ouvir a narração, situada no domingo depois da morte de Jesus: pela manhã, dois dos discípulos deixam de Jerusalém para voltar para casa. Tinham seguido Jesus, mas agora regressam desiludidos e desorientados. Com Jesus morto, não há caminho, não há Igreja.

Jesus, o mesmo, se põe a caminhar com eles, mas eles não sabem que se trata do Mestre. Ele mete conversa e começa a indagar sobre as razões da tristeza e desorientação que eles mostram. Depois fala-lhes, e as suas palavras começam a fazer sentido em todo o drama que eles estavam a viver e a lançar luz, uma nova esperança. Falou-lhes daquilo que eles já sabiam; recordou-lhes coisas que Ele mesmo tinha dito, ajudou-os a encontrar caminho novo no meio do desânimo em que estavam.

Chegados ao seu destino, eles têm um gesto de humanidade e acolhimento que havia de mudar-lhes a vida: convidam este forasteiro desconhecido a partilhar o seu teto e o seu pão: “fica connosco, dizem, já vem caindo a noite.”

Sentam-se à mesa e, aí, invertem-se os papéis: o peregrino assume o papel de pai de família e dá graças pelo pão e partilha-o com eles. Nesse gesto de mútuo dom, abrem-se os olhos deles e reconhecem-no.

Ele já lhes tinha aberto a Escritura no caminho; agora abre-lhes a inteligência para compreender. Nesse momento ele deixa de ser visível fisicamente, porque já está gravado na mente e no coração deles, para sempre.

Agora, começaram a entendê-Lo de um modo novo. Mesmo aquilo que Ele tinha feito e ensinado antes, tem agora novo sentido, cria uma força nova. Percebem que esse Jesus, agora estará sempre a guiá-los, como chefe do agrupamento que indica sempre a direção certa, dá a mão quando é preciso, explica o que ainda não se sabe e, sobretudo, enche o coração de confiança, de alegria e de esperança.

Então voltam para Jerusalém: desapareceu o medo, o cansaço, o desânimo. Jesus está de novo vivo, de uma forma nova e dinâmica. Põe em movimento de novo o grupo dos discípulos, que parecia estar a desfazer-se. Eles não tinham sequer feito o funeral de Jesus e, agora, descobrem que não se faz funeral de Jesus, pois o que está a acontecer é um novo nascimento para toda a humanidade.

Não voltam ao passado: o Mestre é o mesmo, mas manifesta-se de um modo novo, como Senhor. Eles também estão diferentes, para serem protagonistas de uma nova história.

Caros irmãos e irmãs, isto acontece constantemente na vida da Igreja e é o que está a acontecer agora também connosco. Este mês de confinamento fez-nos encontrar Jesus, a nossa família, a nossa comunidade, os nossos agrupamentos, a nossa sociedade, de um modo diferente.

Vamos começar a abrir gradualmente as nossas Igrejas e atividades. Não queiramos simplesmente voltar “ao que era”. Não pode ser “business as usual”. Abrimos as igrejas e começa tudo com d’antes. Não! Temos de levar a experiência das dificuldades que superámos, dos esforços que fizemos, das novas e das renovadas relações que fizemos… Tudo isso será importante para o nosso caminho futuro. Vai começar uma etapa que não será fácil. O caminho de Emaús mostra três princípios ou recomendações para o mapa desta caminhada:

1) Jesus caminhou connosco e aqueceu-nos o coração: nas pessoas da nossa casa e comunidade, que anunciaram que o tinham visto; em desconhecidos que se revelaram próximos; em gente que se desfez em generosidade e proximidade, mesmo à distância; naqueles que arriscaram a vida para que infetados pudessem recuperar, em tantos que estiveram na rua; nos que acataram responsavelmente as indicações de estar em casa. Ele esteve aí com todos e cada um.

Penso em muito escuteiros/as e outros jovens, que foram apoiando iniciativas, substituindo anciãos mais fracos nos serviços comunitários; que foram essenciais no lançamento de redes sociais e transmissões que levaram celebrações e presenças da Igreja a tantas famílias e pessoas isoladas; que se tornaram voluntários para tantos serviços na Igreja e na sociedade… Jesus ressuscitado acompanhou-nos em tudo isso. Eles próprios foram, como Jesus, meios de dar esperança a muitas outras pessoas. Tudo isso vai ser importante para relançar a vida das nossas comunidades e da sociedade. Vamos precisar de todos.

2) Ele bendisse a Deus pelo pão e partilhou-o com eles: partilha dos bens, dos dons, da vida (a Eucaristia representa tudo isso). Uma celebração de acolhimento e de partilha. Começa com o partir do pão que se coloca sobre a mesa, com o pão do acolhimento e do carinho para quem precisa; o pão da educação para a inteligência; o pão da fé que liberta e abre o coração ao sonho de Deus.

Isso é o que fazemos partindo e repartindo o pão. Nos próximos tempos, talvez anos, vamos ter uma urgência grande de partir e repartir todo esse pão. Nenhuma comunidade, nenhuma família, nenhum cristão, nenhum jovem se pode abster. Vocês, escuteiros, têm de estar na primeira linha desde convidar e acolher, de abençoar e repartir o pão, para os peregrinos e deserdados que estão aumentando a toda a volta. Com isso vamos construir um mundo melhor. E que nenhum de vocês permita que esse mundo se construa ser termos lá os pés e o coração. Não vamos apenas deitar um remendo na Igreja; queremos uma Igreja de cara e veste novas. E nós vamos ser as caras dessa Igreja que vê, se compadece, sorri e acolhe; as mãos dessa Igreja que acarinha, ajuda, reparte o pão da fraternidade, da compaixão, da vida; os pés dessa Igreja que vai à procura de quem precisa, de quem se perdeu pelo caminho, de quem ainda não encontrou a força da esperança e da vida.

3) Voltaram a Jerusalém, à comunidade. Desapareceu o medo e o refúgio seguro. Também nós vamos voltar às nossas igrejas. Mas não pode ser para dizer simplesmente “já tinha saudades”. É para escutar a Igreja, nossa Mãe dizer com toda a força: “O Senhor ressuscitou e apareceu a Pedro” e também diremos: nós também o vimos quando partiu e nos ensinou a partir o pão.

Nestas semanas, as nossas comunidades experimentaram como vós, os mais novos, são importantes nas nossas comunidades, paróquias, movimentos. Não tiraram o lugar a ninguém, mas deram um contributo precioso para que a Igreja estivesse presente nos meios de comunicação, nos grupos, nos lares, nas iniciativas de apoio. Muitos de vocês fizeram essa experiência e ofereceram-na a outros/as. Caros jovens: não há cristianismo sem comunidade. A saudade espero que nos tenha ajudado a descobrir a comunidade, a Igreja, onde o Senhor vivo é anunciado, reconhecido e levado a todo o mundo. E vocês são importantes para tudo isso. Sejam escuteiros entusiastas; sejam cristãos dinâmicos nas vossas comunidades, pois aí é que se encontram as raízes do vosso compromisso.

Não vamos abrir igrejas para estarem fechadas: seria ridículo. Na Igreja abrimos portas para acolher quem quer que precise, que busque, que esteja em qualquer dificuldade, para acompanhar. E abrimos portas para sair, para ir procurar os filhos errantes e para levar a Boa Notícia da fé em Jesus morto e ressuscitado, que liberta, transforma e compromete na transformação do mundo.

A narração de Lucas mostram-nos um caminho para cada grupo e secção, cada agrupamento, cada um dos escuteiros/as, neste tempo que não vai ser fácil, de voltar a abrir as nossas igrejas, com rosto renovado. E isso depende muito de cada um/a de vocês, dos vossos chefes, dos vossos agrupamentos.

Não tenham medo; Jesus ressuscitado vai convosco. Deem tempo para escutá-lo e segui-lo de tal modo que possam também dizer: “Vimos o Senhor e reconhecemo-lo ao partir do pão.”

+ D. José Ornelas, Bispo de Setúbal

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27 de Abril de 2020