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Reflexão/Vocações: Para entendermos o termo ‘fiéis’

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Reflexão do Padre António Sílvio Couto a partir da Mensagem do Papa Francisco para o 59º Dia Mundial de Oração pelas Vocações

«Em virtude do Batismo recebido, cada membro do Povo de Deus tornou-se discípulo missionário. Cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização. É preciso acautelar-se da mentalidade que separa sacerdotes e leigos, considerando protagonistas os primeiros e executores os segundos, e levar por diante a missão cristã, conjuntamente, leigos e pastores como único Povo de Deus. Toda a Igreja é comunidade evangelizadora.»

Este pequeno excerto da mensagem do Papa Francisco para o 59.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações – sob o título – ‘chamados para construir a família humana’ – trouxe-me à lembrança uma certa incongruência terminológica com que alguns dos clérigos se referem, sobretudo, aos leigos, designando-os de ‘fiéis’, numa espécie de exclusão de que eles mesmos não o serão por contraste com os que não foram ordenados em ministério.

1. De facto, decorridos quase quarenta anos sobre a promulgação do Código de Direito Canónico, em 1983, podemos e devemos aferir, exigentemente, a nossa linguagem àquilo que no mesmo Código se diz sobre a definição-descritiva de ‘fiéis’.
«Cân. 204 – § l. Fiéis são aqueles que, por terem sido incorporados em Cristo pelo batismo, foram constituídos em povo de Deus e por este motivo se tornaram a seu modo participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e, segundo a própria condição, são chamados a exercer a missão que Deus confiou à Igreja para esta realizar no mundo.
§ 2. Esta Igreja, constituída e ordenada neste mundo como sociedade, subsiste na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele
».
Diante destas palavras, questiona-se o por quê de certa visão ainda piramidal de Igreja e, sobretudo, de atitudes, funções e serviços na mesma Igreja católica. Que os mais velhos – anteriores ao Concílio Vaticano II e ao Código de 1983 – usemos esta terminologia, tolera-se, mas já era tempo de sermos exigentes na forma e no conteúdo do que dizemos, pois, revelará, sem nos darmos conta, o pensamos e como vivemos…

2. Do ser ao tornar-se. Na mensagem para o 59.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações o Papa Francisco usa algumas imagens/exemplos/testemunhos, que por serem simples e significativas, as citamos, apresentando breves questões práticas.

– «As seguintes palavras são atribuídas a Miguel Ângelo Buonarroti: «No interior de cada bloco de pedra, há uma estátua, cabendo ao escultor a tarefa de a descobrir». Se tal pode ser o olhar do artista, com muito mais razão assim nos vê Deus: naquela jovem de Nazaré, viu a Mãe de Deus; no pescador Simão, filho de Jonas, viu Pedro, a rocha sobre a qual podia construir a sua Igreja; no publicano Levi, entreviu o apóstolo e o evangelista Mateus; em Saulo, cruel perseguidor dos cristãos, viu Paulo, o apóstolo dos gentios. O seu olhar de amor sempre nos alcança, toca, liberta e transforma, fazendo com que nos tornemos pessoas novas».
Como seria diferente a nossa vida – muito mais do que a mera existência – se deixássemos esculpir em nós e através de nós, aquilo que Deus faz encobrir pela nossa frágil condição humana e pecadora. De que adiantam os títulos humanos, se o verdadeiro ser precisa, antes, de ser moldado a partir do interior? De facto, concordaremos que não é de bom-tom que alguém acrescente ao seu nome a sua condição ou estado de vida (civil), isto é, não vemos alguém dizer que é solteiro, casado, divorciado ou viúvo…antes da sua identificação. Porque fazer-se isso na condição dos padres, se tal é vocação e não profissão?

– «Diz um provérbio do Extremo Oriente: «Um sábio, ao olhar o ovo, sabe ver a águia; ao olhar a semente, vislumbra uma grande árvore; ao olhar um pecador, sabe entrever um santo». É assim que Deus nos olha: em cada um de nós, vê potencialidades, às vezes ignoradas por nós mesmos, e atua incansavelmente, ao longo da nossa vida, a fim de as podermos colocar ao serviço do bem comum».
Perante uma certa bolha – como agora se diz – será de perguntar como reagiremos se alguém apensar ao seu nome o título (doutor, engenheiro, professor), quando isso não passa de uma profissão. Ora, por haveremos de aceitar que o padre acrescente a sua vocação à identificação? Não sofreremos ainda de bastante clericalismo, que se pode tornar bizarro se lido fora do contexto social de cristandade, que já não somos!

3. Fiéis todos somos, numa «sinodalidade, o caminhar juntos é uma vocação fundamental para a Igreja e, só neste horizonte, é possível descobrir e valorizar as diversas vocações, carismas e ministérios». Para quando a descoberta e a vivência de sermos irmãos em Cristo pelo batismo, servindo-O fiel e eclesialmente?

Padre António Sílvio Couto, Pároco da Moita

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09 de Maio de 2022