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“Com Arte e com Alma”: O azulejo como ornamento barroco na Igreja de Alhos Vedros

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Após um périplo por sete igrejas situadas nas sete vigararias da Diocese de Setúbal, chegou ao seu final a 2ª edição do projecto “Com Arte e com Alma. Serões com o nosso Património”, promovido pela Comissão Diocesana de Arte Sacra de Setúbal com o objectivo de divulgar junto do grande público a riqueza do património de Arte Sacra existente no território da Diocese.

O 7º e último Serão aconteceu na passada terça-feira, dia 8 de Maio, na Igreja de São Lourenço de Alhos Vedros, contando com a presença de mais de meia centena de participantes. Entre eles, o Presidente da Câmara Municipal da Moita, Rui Manuel Marques Garcia.

O Padre Carlos F. Póvoa Alves, pároco de Alhos Vedros desde 1969 e que muito se tem dedicado a estudar a história local, nomeadamente da sua igreja, foi o primeiro orador da noite a usar da palavra. Tecendo breves considerações em torno do tema “Igreja de São Lourenço de Alhos Vedros. Algumas notas históricas”, o sacerdote fez o enquadramento da história local com o surgimento e desenvolvimento do templo, cuja génese terá ocorrido em 1477, com a construção da Capela de São Sebastião.

No final, não deixou de partilhar com os presentes algumas histórias curiosas relativas ao património da igreja e que foram acontecendo ao longo das quase cinco décadas em que é pároco de Alhos Vedros.

A segunda oradora da noite, a Prof. Doutora Maria Alexandra Trindade Gago, investigadora em História da Arte, proferiu uma conferência sobre o conjunto de azulejos barrocos existentes na igreja, intitulada “O azulejo como ornamento barroco: Espaço e figuração na Igreja de São Lourenço de Alhos Vedros (Moita)”.

A conferencista apresentou a Igreja Matriz de Alhos Vedros como uma peça arquitectónica com uma vida muito longa, cuja cronologia artística atravessa vários tempos e vários estilos e concepções, sendo a campanha de decoração em azulejo do século XVIII a sua última etapa. Nessa sequência, a ela se aplica o conceito do Barroco de “obra de arte total” (conceito esse adaptado do Romantismo Alemão, que preconizava a conjugação da Música, do Teatro, do Canto, da Dança e das Artes Decorativas para a criação da “obra de arte total”), onde as várias expressões artísticas – a talha, o azulejo, a pintura e a imaginária devocional – se integram e se combinam, interagindo de forma única e exuberante.

A exemplo do que era normal acontecer, o programa de azulejos teve autoria múltipla, cruzando vários ofícios e implicando a colaboração de diversos intervenientes para a adaptação dos azulejos à arquitectura, no domínio dos materiais cerâmicos, e na execução do programa iconográfico (a narrativa das imagens) e do programa decorativo (o azulejo ornamental). Assim, campanha decorativa organizava-se em torno do mecenas, do arquitecto, do mestre ladrilhador, do pintor de azulejos, do mestre-oleiro, do escultor e do entalhador, como se de uma orquestra se tratasse, em que cada elemento desempenhava o seu específico papel num programa decorativo amplo e estendido no tempo.

A oradora destacou, neste processo, a figura do mestre-ladrilhador Bartolomeu Antunes (1668 – 1753), um dos mais conhecidos ladrilhadores da Grande Produção Joanina, aventando a hipótese de o mesmo ter estado envolvido na encomenda artística da Igreja de Alhos Vedros.

A partir de uma afirmação de João Miguel dos Santos Simões, considerado o maior investigador da Azulejaria Portuguesa do século XX, e que também estudou esta mesma Igreja de Alhos Vedros, segundo a qual “o azulejo é um adjectivo da arquitectura”, na medida em que confere ao edifício outra dimensão artística e uma outra possibilidade de leitura, a oradora apontou algumas “contaminações artísticas”, que, no caso de Alhos Vedros, encontramos entre a talha e o azulejo, uma vez que existem linguagens que se encontram na talha e que são transpostas para o azulejo, pois o azulejo vai simular a talha; ou, então, entre o azulejo e a arquitectura, em que o azulejo vai simular a arquitectura. E afirmou ser esta a especificidade do azulejo em Portugal: o azulejo não nasce em Portugal, vem trazido para Portugal no século XV, quer via Levante e Norte de África, quer via Península Ibérica, e é a forma como ele aqui foi usado, como aqui se adaptou, a forma como aqui se recriou, se reinventou que constitui a grande questão da azulejaria portuguesa.

Analisando a Capela de São Sebastião, disse tratar-se de uma magnífica peça arquitectónica, diante da qual temos de ter sempre presente a questão da devoção e do ciclo narrativo das imagens (com os passos alusivos à vida de São Sebastião), bem como a dualidade entre o espaço real e (dentro dele) a arquitectura ficcional, estando todas as ogivas revestidas de azulejo (1730), que cria um ilusionismo do espaço versus o frontalismo pictórico.

Passando à análise do programa ornamental dos azulejos, a investigadora descreveu os pormenores do concheado e da curva e contra-curva como matriz visual do Barroco, bem como outros elementos persistentes do mesmo período artístico, como os “putti”, os motivos florais e vegetais (como as folhas de acanto), as cartelas (que reforçam a narrativa iconográfica) e os emblemas, elementos arquitectónicos (nomeadamente a representação em “trompe l’oeil”), as cercadura e as guarnições.

Outra questão abordada foi a das fontes de inspiração dos temas representados nos azulejos, que eram as gravuras que circulavam na altura, que serviam de matriz gráfica, e que os pintores de azulejos copiavam de forma criativa. Exemplo disso é a narrativa visual que se encontra nos azulejos do baptistério da igreja, representando a cena do Baptismo do Senhor, que tomou como modelo a gravura sob o mesmo tema da autoria de Raffaello de Urbino.

Referiu-se ainda aos azulejos hispano-árabes que se encontram na Capela de São João Baptista, de finais do século XV e princípios do século XVI, elaborados segundo a técnica decorativa da aresta, em que o desenho era gravado no barro cru, por meio de um molde que deixava salientes relevos ou arestas que evitavam a mistura de cores. E ainda a azulejaria de padrão, que se encontra na capela-mor e nas Capelas de São João Baptista e de Santo António, com as suas laçarias, florões e maçarocas. A investigadora terminou a sua intervenção mencionando a hegemonia da produção azulejar de Lisboa ao longo de todo o século XVIII, apesar do Terramoto de 1755, inclusivamente exportando boa parte da produção para o Brasil.

Assim se concluiu a 2ª edição de “Com Arte e com Alma. Serões com o nosso Património”, com uma boa adesão do público, que pelo número de presenças, quer pelo interesse manifestado pelos temas através de questões colocadas no final das conferências.

Mais informações sobre as propostas da Comissão Diocesana de Arte Sacra de Setúbal em www.artesacra.diocese-setubal.pt e em www.facebook.com/artesacra.diocesesetubal

Texto: L. Silva
Fotos: Vítor Cabral / Associação Aliusvetus

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13 de Maio de 2018