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Sugestões da Semana: Frei Agostinho da Cruz: o professor da liberdade – 3 a 9 de maio de 2020

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Este domingo, assinala-se 480 anos do nascimento de Frei Agostinho da Cruz. Para esta semana, as sugestões centram-se na figura do frade arrábido, contando com as recomendações de Ruy Ventura, comissário das Comemorações para o IV Centenário da Morte de Frei Agostinho da Cruz. Um livro, um filme, uma música, um recurso digital, uma atividade e um desafio para viver com fé os dias de isolamento. 

Da leitura dos poemas de Frei Agostinho da Cruz, nascido no dia 3 de Maio de 1540, há 480 anos, na vila de Ponte da Barca, nunca saímos de mãos vazias. Ao lê-lo, esquecemos que a sua linguagem tem mais de quatrocentos anos, que os seus versos nasceram num longínquo final do século XVI e nos primeiros 19 anos da centúria seguinte. Trata-se de um poeta cuja actualidade se torna patente a cada leitura, a cada hora de convívio. Não se limitou a revestir de beleza artificial os lugares comuns – religiosos e poéticos – do seu tempo. Se a esmagadora maioria dos seus textos só viu a luz da imprensa muitos séculos depois da sua morte – ocorrida em Setúbal em 1619 – confrontamo-nos com um ser que se expôs em cada linha, na sua biografia tumultuosa, cheia de “guerras” e de desilusões. Ilumina no entanto a leitura ao mostrar-se como um ser que caminha para Deus pelas sendas da humildade, da árdua consciência de si e das suas infidelidades, como alguém que se sente subir até ao divino encontrando o Criador em todas as criaturas.

Vivendo numa época de grande crise, escolheu o confinamento como via de purificação e de progressiva identificação com Cristo sofredor e compassivo. Tendo uma vida cheia de sucessos à espera, beneficiando dos contactos estreitos que tinha com a mais alta nobreza e a Casa Real, escolheu a mais pobre das ordens religiosas para se fazer frade, não se conformando com o mundo. Aos 20/21 anos de idade, seguiu o exemplo de São Francisco de Assis – o poverello – e ingressou na Ordem dos Frades Menores, escolhendo o mais despojado dos conventos, aquele que se ergue na Serra de Sintra adaptando-se aos penedos e à vegetação. Ali esteve 45 anos, remendado, descalço, quase solitário, reduzindo-se ao essencial. Teve todavia sempre um objectivo: fazer-se eremita na Arrábida e aí praticar o mais radical isolamento contemplativo. A chegada da velhice deu-lhe tal prémio. Aos 65 anos rumou para a “serra das estrelas tão vizinha” e aí viveu numa choupana e, depois, numa pobre cela afastada, junto da Ermida da Memória, encontrando na “liberdade” o seu “melhor manjar” que consiste, segundo afirma, em “ter saudade de Deus”. Os primeiros sete anos foram difíceis; foi expulso pelo menos três vezes por quem o não entendia. Só nos últimos sete anos de vida teve paz na Arrábida. E aí ficou sepultado, na igreja do convento, venerado como santo até ao século XX.

Neste tempo rigoroso e exigente que vivemos, Frei Agostinho ensina-nos o que é essencial. Ao contrário do que possamos pensar, não é o convívio, não é o gozo do sucesso ou do consumo, nem é a riqueza acumulada ou exibida, não é viajar ou corrermos de um lado para o outro. Não por acaso, ele tinha como figura de referência Santa Maria de Betânia (na altura identificada como Santa Madalena), aquela que “escolheu a melhor parte” e sabia ver virtude no “dom das lágrimas”. Para o frade-poeta, a melhor parte está no encontro com Deus em tudo quanto nos rodeia, na contemplação dos pequenos nadas que afinal são tudo, na valorização da sede como ânsia de beber a “água viva”. Saibamos aprender com ele, lendo-o e meditando-o.

Antologia Poética, de Frei Agostinho da Cruz (Licorne, Évora, 2019)

Só se aprende com Frei Agostinho da Cruz lendo-o, meditando-o. É esta a mais recente antologia da sua poesia. Talvez uma hipótese de luz nestes tempos conturbados, afinal tão semelhantes àqueles que viveu o frade da Arrábida.

Uma Vida Escondida, de Terence Malick (2019)

Confrontado com desafios imensos, o nosso mundo precisa de heróis. Não de “famosos” que propaguem aos sete ventos a sua generosidade ou a sua abnegação, mas de heróis escondidos e discretos que saibam deixar-se comandar pela sua consciência e pela mão de Deus, se necessário dando a vida para não renegarem a sua fé ou para afirmarem a inviolável dignidade de todos os seres humanos, estejam eles envolvidos pelas circunstâncias que estiverem. Este filme sobre a vida do Beato Franz Jäggerstätter (1907 – 1943) – um homem simples que foi martirizado por se ter recusado a matar os seus semelhantes a mando do poder nazi – talvez nos ensine que caminho cristão devemos seguir nos nossos dias, tão exigentes, que mais do que nunca precisam de paz, de clarividência e da mais veemente recusa do mal.

Te Deum, de Arvo Pärt (1984)

Há obras artísticas que interpretam de forma eloquente certos momentos da humanidade especialmente perturbadores. Esta peça de Arvo Pärt é uma delas. Aponta-nos o que mais importa: mesmo perturbados, nunca deveremos abdicar de louvar a Deus pelas suas obras, mesmo por aquelas que não entendemos e nos deixam perplexos. Mesmo que o silêncio de Deus nos pareça insuportável. Oiça aqui.

Sete Margens: jornal digital

No meio da selva informativa que nos rodeia e tenta manipular-nos, é importante encontrarmos veículos cuja idoneidade nos garanta âncoras seguras e com qualidade reconhecida. Este órgão de informação, dirigido pelo jornalista António Marujo, é uma delas. Dedicado à actualidade religiosa, sem se vincular a qualquer linha de pensamento ou movimento eclesial, oferece-nos diariamente acontecimentos e linhas de pensamento a que não podemos estar alheios. Aceda ao Sete Margens aqui.

Ligar a um amigo, vizinho ou familiar mais solitário

As circunstâncias afastaram-nos uns dos outros. Será mesmo assim? Fisicamente, é verdade. Há, todavia, vias ao nosso alcance que tornam possível o encontro. Talvez um bom desafio seja cada um de nós, por dia, preocupar-se em ligar o número de um amigo ou de uma amiga, de um vizinho, de um familiar que sabemos mais solitário e passar alguns quartos de hora conversando com ele, escutando-o, deixando-lhe a nossa proximidade e a nossa palavra. Seremos nós também recompensados.

Leitura da Sagrada Escritura

Poderia aconselhar mil e uma actividades, mas neste período em que somos confrontados com um confinamento doméstico com muito poucas hipóteses de fuga, talvez valha a pena guardar algum tempo para a leitura da Palavra de Deus. Sem grandes planos, quase ao acaso, como fazia São Francisco de Assis sempre que tinha de decidir algo de importante na sua vida. Ler um salmo por dia e meditá-lo. Ler um capítulo do Evangelho ou de outro texto do Novo Testamento e tentar fazê-lo nosso. Partilhar essa leitura com a família. Escutando apenas. E guardando essa escuta no nosso coração.

 

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02 de Maio de 2020