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Paixão do Senhor: “Deus não precisa do vosso sofrimento, precisa do vosso amor” – D. José Ornelas

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O Bispo de Setúbal presidiu à ação litúrgica da Paixão de Jesus, às 15 horas de Sexta-feira Santa. Neste dia em que não é celebrada Eucaristia, a comunidade reúne-se para ouvir a Palavra, em particular o Evangelho da Paixão e para a Adoração da Cruz.

No comentário à liturgia, D. José Ornelas admite que a narração da Paixão não é um texto com leitura fácil e que nos deixa muitas interrogações.

Porque permitiu Deus uma barbaridade tamanha de injustiça, de lutas e influências que conduziram à morte de um inocente? Ou então, uma leitura conformista e resignada que apresenta Deus como que alimentando-se do sofrimento e da morte do seu Filho, dando o céu aos que acabam em sofrimento ou negando-o aos perseguidores e algozes?”

“Esta leitura é feita no contexto da Páscoa, da renovação da vida, na natureza que está retomando vida” começa por explicar o prelado, introduzindo o texto da primeira leitura, citado do Livro de Isaías.

“A leitura fala de um homem, um desgraçado, sem beleza, que não tinha nada. Alguém deve ter pecado para que ele nascesse tão desajeitado para a vida. É alvo de desprezo e, mais ainda, de condenação.”

Esta personagem tem características e destino semelhante ao de Jesus: “O Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos. Ele foi oprimido, mas não abriu a boca; como um cordeiro, foi levado ao matadouro e, como a ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca” (Is 53,6s).

 

O texto revela um Deus que ama e é fiel, mesmo quando aqueles que ama não são fiéis a esse amor. Este homem, é vítima do erro, da injustiça e da corrupção. Deram-lhe a morte entre os malfeitores, mas foi as nossas culpas que ele levou. Toma sobre si as dores dos que sofrem.

“Então Deus é um Deus que nos vai castigar para salvar o outro?” interroga o bispo diocesano. “Não. É o começo de uma primeira compressão do sofrimento do justo. Porque é frágil, é humano mas porque na realidade a sua morte vem nos trazer a vida.”

“Deus não toma o caminho da violência punitiva. Esse só leva a maior destruição” explica, evocando nomes da história contemporânea como Mahatma Ghandi, Luther King, Nelson Mandela.

Os mártires da liberdade, da verdade, da fé, aqueles que não se deixaram vergar, nunca houve tantos como nos nossos tempos. Gentes que construíram uma realidade melhor, por exemplo, porque lutaram para que este mundo fosse diferente sem recorrer à violência. Os mártires dão-nos a entender o primeiro sentido da morte de Jesus: ao sucumbir, acabaram por mudar as coisas.”

Contudo, realça D. José Ornelas, estes exemplos não são suficientes para perceber este mistério de Cristo: “Jesus não diz que vai morrer, diz que vai dar a vida. Ele sofreu, fez-se igual a nós. Não assumiu a humanidade ideal: assumiu-a com as suas imperfeições. Mas não diminuiu o amor. É o amor de Deus pela humanidade que está em causa.”

“Este Senhor não vem para dizer o caminho, não fazemos vinganças, não damos recompensas ou castigos. Não repomos injustiças.”

 

A perspetiva de Jesus está presente no diálogo com Pilatos: “Tu és o Rei dos judeus?” “Tu o Disseste; Sou Rei… mas o meu Reino não é deste mundo. Se fosse, os meus soldados estariam a lutar…”

“A continuação da vida no mundo de Deus não tira a dor e a revolta do sofrimento, da injustiça e da morte, mas cria outra forma de olhar para a vida e o futuro. Jesus convida-nos a olhar para além da nossa pequenez”, afirma.

Esta é a manifestação da glória de Deus e de Jesus, no alto da cruz, na entrega total de Jesus para salvação do mundo: o amor fiel de Jesus ao Pai e aos homens. O amor fiel do Pai, que acolhe Jesus e derrama o dom da vida sobre a humanidade.”

“Deus não precisa do vosso sofrimento, precisa do vosso amor” reitera o Bispo diocesano. “O que hoje celebramos é o mistério da vida, mas também a esperança de viver, nos gestos de cada dia e por isso entendemos a Paixão do Senhor como algo totalmente revolucionário”.

“Peçamos ao Senhor que nos faça viver, antes de mais agradecer, o seu amor, que o leva à Cruz, por assumir as deficiências da nossa humanidade, mas que sempre nos abre caminhos novos para uma vida nova, uma vida que não acaba”, concluiu.

JM

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05 de Abril de 2021